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Muviola

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  1. " Quatro Noites de um sonhador" é mais um daqueles títulos de Bresson que é exatamente o filme, aqui emprestando a premissa do "Noite Brancas", de Dostoiévski. 

    É bastante bressoniano em sua forma, seco e direto, mas sendo seu segundo filme em cores, inclui "respiros", especialmente tratando dos momentos musicais, com destaque para Markos Ribas.

    Me pareceu que mais do que transpor a história de Dostoiévski e falar de "amor", ele quer discutir o estado da arte nesta França, pós-68. São jovens que ainda estão em busca das próprias vozes e fontes de inspiração. 

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  2. @SergioB.

    Olha que coincidência. Também assisti um Saraceni hoje.

    "Crônica da Casa Assassinada" foi uma das minhas leituras favoritas deste ano. A saga de Nina, a bela carioca que chega ao interior de Minas Gerais para se casar com Valdo Menezes, parte de uma decadente família aristocrata, estava cheia de ricas observações sobre um típico cenário brasileiro de preconceito, hipocrisia, religiosidade, inveja, ciúme, etc, numa polifonia ensurdecedora.

    Na adaptação para o cinema, Saraceni sabiamente tira o caráter polifônico, usa uma montagem extremamente elíptica e foca nas cunhadas Nina e Ana, antagonistas ente si e vitimas do ambiente altamente sufocante e envolvido de tanto remorso, dores e pecados que a Casa lhes impõem.

    A música de Tom Jobim ajuda a criar este cenário um tanto fatalista, mas ao mesmo tempo onírico deste ambiente.

     

  3. @SergioB.

    Olha que coincidência. Também assisti um Saraceni hoje.

    "Crônica da Casa Assassinada" foi uma das minhas leituras favoritas deste ano. A saga de Nina, a bela carioca que chega ao interior de Minas Gerais para se casar com Valdo Menezes, parte de uma decadente família aristocrata, estava cheia de ricas observações sobre um típico cenário brasileiro de preconceito, hipocrisia, religiosidade, inveja, ciúme, etc, numa polifonia ensurdecedora.

    Na adaptação para o cinema, Saraceni sabiamente tira o caráter polifônico, usa uma montagem extremamente elíptica e foca nas cunhadas Nina e Ana, antagonistas ente si e vitimas do ambiente altamente sufocante e envolvido de tanto remorso, dores e pecados que a Casa lhes impõem.

    A música de Tom Jobim ajuda a criar este cenário um tanto fatalista, mas ao mesmo tempo onírico deste ambiente.

     

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  4. Num determinado momento deste ano eu fiz uma maratona dos filmes de Kelly Reichardt. Faltava ver seu último, "First Cow".

    Os filmes de Kelly Reichardt não precisam ser grandiosos para serem imensos. É um cinema de detalhe e introspectivo.
    Esta simplicidade também é atrelada a sua capacidade de questionar e criticar o capitalismo norte-americana sem precisar de alto-falantes ou bandeiras. 

    PS: gostei que o docinho que Cookie prepara é uma versão do nosso bolinho-de-chuva
     

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  5. Parte da prolífica parceria entre Lina Wertmuller e Giancarlo Gianini, "Mimi Metalúrgico" é um filme que me surpreendeu. Digo surpresa porque confesso que não sou familiarizado com esta filmografia, portanto não esperava o tom satírico e jocoso quando li a sinopse.

    Mimi é um operário na Sicília que durante eleição local resolve votar no candidato do Partido Comunista em detrimento do candidato da Máfia. Ele é descoberto e resolve fugir para Turim. No entanto, ele também não escapa aos olhos dos capos no norte.

    Ele deixou sua mulher para trás e em Turim se apaixona por uma ativista meio trotskista, meio perdida e virgem. 

    Esta sequência muito poderia ser parte de um drama, mas a condução é feita de maneira cômica, talvez porque a linha entre a comédia e a tragédia é genuinamente tênue. Inclusive, Gianini tem feições que me lembram muito o Carlitos de Chaplin, aquela cara meio cão-sem-dono, mas aqui sendo vivido pelo típico macho italiano.

    Algumas ideias e sequências são muito boas, como a maneira de marcar como são as mesmas pessoas que controlam a política, a polícia e a religião; a troca de gestos entre os dois enamorados em Turim no meio da rua; e a briga no sul, em que fica claro que não há convicções políticas ou morais quando se ganha um par de chifres.

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  6. 4 hours ago, SergioB. said:

    352)

    É pena, mas não encontrei dois dos curta-metragens de Jane Campion, feitos entre 1984 e 1985, então revi o lindo "Bright Star"/ "O Brilho de uma Paixão", de 2009, e foi muito bom vê-lo com a filmografia dela toda na cabeça, já que se trata do último longa dela. Conta a breve história de amor entre o poeta inglês John Keats - um ícone do Romantismo - e sua vizinha, antes de ele morrer de tuberculose.

    Em quase todos os filmes dela, os homens abusam das mulheres. Mas aqui o sofrimento da protagonista aparece em outro diapasão: involuntariamente. É que, como todos sabemos, "love hurts", baby! 

    O filme é competente para sair da simples história de amor para algo maior, ilustrar como o Movimento Romântico se aproveitou da oportunidade histórica em que os movimentos do coração puderam ganhar importância, para se incorporarem definitivamente na Literatura, e outras artes, como um estilo.

    A jovem, vivida com graça por Abbie Cornish, era também nitidamente mais forte do que o poeta. Mais forte fisicamente, mas também mais determinada, confiante, direta. É ela quem toma a iniciativa amorosa, quem o procura. O que mostra mais uma vez um traço do feminismo de Campion, mas, como assinalei, com sutileza, com elegância, não é nada sublinhado, lacrador.

    A Fotografia é lindíssima, superromântica, de autoria do australiano Greig Fraser, que ganhará o Oscar por "Duna". 

    Não dá pra acreditar como esse filme tão delicado foi esnobado em 2009, a troco de "Precious", "A Última Estação", e outros filmes vulgares. Sua única indicação a prêmios e ao Oscar foi para o lindo Figurino de Janet Patterson, que consegue lentamento mudar o estilo da protagonista, uma estudante de moda, tornando-a mais simples em suas vestes, ao se apaixonar pelo pobre poeta. É trabalho de quem sabe das coisas: Imitamos quem amamos. 

    Então é isso, tendo visto tudo o que é disponível, meu ranking Jane Campion fica assim:

    1) "O Piano";

    2) "Um Anjo em Minha Mesa";

    3) "Bright Star";

    4) "2 Friends";

    5) "Retratos de uma Mulher"

     

    Brilho de uma Paixão: Fotos e Pôster - AdoroCinema

    Eu achei que a Abbie Cornish fosse se tornar alguém que frequentemente apareceria em filmes deste quilate, mas ela sumiu

  7. 1 hour ago, SergioB. said:

    345)

    Nesta semana, decidi ver todos os filmes da Jane Campion que ainda me faltam para completar sua filmografia. É a expectativa por "The Power of the Dog"?

    Comecei por "Fogo Sagrado!", de 1999 ( é o ano...é o ano...é o ano...), constantemente reputado como o pior filme da carreira da neozelandesa. É uma comédia erótica, escrita por ela e sua irmã, que junta Kate Winslet e Harvey Keitel, ambos em alta naquele momento. Ela, lindíssima (e, claro, nua de corpo inteiro como apareceu várias vezes ao longo da carreira) interpreta uma jovem australiana meio perdida na vida, que se vê influenciada por um guru na Índia. A família dela pira com sua permanência em um ashram, e decide contratar uma espécie de detetive especializado em resgatar jovens influenciadas por seitas espirituais. Adivinhem? É fácil. Ambos terão um romance. E ele é quem há de dominá-la.

    Parece uma premissa de drama. Mas o filme, principalmente em sua primeira parte, é estruturado como uma comédia, com direito a montagem acelerada, música engraçadinha; piadas xenófobas com a Índia. Depois o filme muda de tom. E fica mais cativante, ao meu gosto, com a entrada do jogo erótico. Amei a passagem de Winslet dublando e dançando a esplêndida "You Oughta Know", da Alanis Morissette, musa das adolescentes da minha época.

    O texto captura a desorientação de uma mulher em busca de si, e o aproveitamento masculino, tantas vezes abusivo. Isso está no texto. Mas não entendi a estruturação de comédia na primeira parte. Parece que Jane queria muito fugir do Drama, mas no meio do caminho não conseguiu. Desistiu.

    Melhor do que eu pensava.

    Holy Smoke (1999) - IMDb

    Nossa, eu nunca ouvi falar deste. Boa dica. Mas eu achei que o pior filme dela, ao menos entre a crítica, fosse o "In the Cut".

  8. "Se gostou, geme"

    "A mulher que inventou o amor" é um filme de 1979, dirigido pelo português, radicado e extremamente afeiçoado ao cinema marginal paulistano, Jean Garret. 

    Doralice descobre o sexo assim como muitas mulheres assim o fazem: pelo abuso. Ela é um pedaço de carne; sim, a alegoria é grosseira, mas a construção e iluminação da sequência é fabulosa. (direção de fotografia do grande Carlão Reichenbach, que também faz uma ponta)

    A católica convicta do casamento virginal descobre esta desilusão, entra para a prostituição em busca de sobrevivência e, por meio deste instinto, se torna a "rainha dos gemidos". A fama chega aos ouvidos de homens de todos os estratos sociais. "Se gostou, geme". 

    Ela perde esta inocência da busca do amor e do casamento perfeito, se junta com um rico homem mais velho, que a inicia num processo de  desconstrução e sofisticação à Hitchcock e passa a ser Tallulah.

    Há um resquício ainda da jovem virginal Doralice: seu amor romantizado pelo galã de novelas bissexual Carlos Augusto, que logo evolui para um comportamento obsessivo. E esta obsessão é marcante pois alia o desejo do antigo (Doralice) pelo gozo da atual (Tallulah).

    E esta Tallulah não é mais uma jovem submissa. Ela detém o controle das relações; ela fica por cima, ela objetifica e desdenha seus parceiros; elas os transveste. E ela manda "Se gostou, geme". 

    A subversão (de trama e da própria personagem) é elevada à máxima potência na sequência final, onde desejo, posse, amor e gozo se mesclam numa dança entre o melodrama e o horror.  

    "Se gostou, geme".

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  9. 23 hours ago, SergioB. said:

    341)

    Alguns dos meus melhores amigos têm Duna, de Frank Herbert, como seu livro favorito. Por causa deles, encarei a leitura. Embora tenha me divertido, achei a escrita "pobre". Enredo há até demais, há bons personagens, há bons temas (como a evidente relação com a exploração petrolífera), mas é o texto em si que decepciona. Essa pobreza de escrita está perceptível também no filme. Expositivo demais, rascunho de Tolkien em termos de neologismo, sem profundidade ou humor.

    Dito isso, a adaptação do Villeneuve ( e parceiros de roteiro, como Eric Roth) é excelente. Resolveu alguns problemas, como a infilmável linguagem entre mãe e filho, por exemplo; conseguiu ser fiel à trama; e, ao mesmo tempo, não perdeu demasiado tempo com aspectos coadjuvantes. 

    O melhor do filme disparado é a criação estética. São maravilhosos o trabalho do Patrice Vermette no Design e de Jacqueline West no Figurino. Ms o trabalho do Vermette realmente é especial. Paradoxalmente, é uma grande produção ao estilo minimalista. As cenas têm um vazio ao redor dos personagens que me encantou, como se fosse uma resposta ao carnaval proposto da versão nunca feita de Alejandro Jodorowsky (sempre friso, para mim, o maior artista sul-americano vivo). Até as cenas de combate não são superlotadas. Isso faz um bem enorme para o filme. É lindo, moderno, chic, e solene.

    Aliás, aí entra a minha maior crítica. O filme tem uma aura solene, que é reforçada constantemente pela sombria trilha sonora de Hans Zimmer. Parece que ele é o favorito ao Oscar na categoria, já que apenas uma vitória parece pouco. Vi que muita gente amou a trilha, mas meus ouvidos não. É o melhor trabalho dele nos últimos anos com certeza. Mas é a mesma coisa de sempre: aquele som metalizado unido com cantos estranhos, sem melodia. Não sou fã da música dele, nunca fui. 

    Chalamet, Ferguson, Momoa, Isaac, Skarsgard, Brolin estão perfeitos, muito dentro de seus personagens. Mas como eles deveriam ansiar, acho eu, por uma única cena que fosse mais "bonita", mais engraçada, mais terna, mais carinhosa, que não fosse só a aflição da aventura, ou bater o texto (aquele texto) de uma forma crível. A bem da verdade, só o Brolin e o Chalamet puderam fazer uma cena assim...É culpa do diretor? Não, é culpa do texto. O livro é assim. 

    Efeitos Visuais e Fotografia, excelentes também. A Isabela Boscov, em sua maravilhosa crítica, ressaltou o lado volumoso, denso, das imagens, como elas nos circundam. É bem isso.

    Gostei do filme enquanto construção; gostei do filme. Ou do meio filme. Pois, a bem da verdade, é a metade.

    Novo poster de DUNA destaca o elenco

    Ainda pretendo ver, mas já comentei aqui que estou bem longe de ser entusiasta da obra de Villeneuve. Para mim, seus filmes são meio antisséptico, bem produzidos e feitos, mas falta alma, falta tesão.

  10. Citado por Pedro Almodóvar como seu filme de horror favorito, o espanhol "Arrebato", teve um recente lançamento nos EUA, criando novo burburinho para a obra (eu particularmente nunca tinha ouvido falar).

    Um cineasta de filmes B de horror (Eusbio Poncela, antes de iniciar a parceria com Almodóvar), recebe um pacote com um rolo e uma banda sonora de alguém que conheceu num passado recente. Presente na sua casa está sua ex-amante, Ana (a deslumbrante Cecilia Roth, antes de ser a mãe de um cinéfilo). Eu digo "ex", porque não fica la muito claro o status deste relacionamento. A partir do momento que ele liga a fita sonora, ativam memorias desta pessoa e de um passado repleto de confusões mentais pelo uso abusivo de heroina e, por que não, o cinema.

    Eu contei esta trama de uma maneira meio lógica, mas a construção é bastante sensorial, quase num questionamento metafísico, que une as consequências de abuso das drogas com uma busca de uma "realidade" que só a câmera cinematográfica é capaz de prover.

    A câmera alucina, aliena e vicia.

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  11. Eu acho que as sessões mais decepcionantes são naqueles filmes que começam muito bem, rola aquela empolgada, mas do meio para o final se perdem. Este francês "Faca no coração" se encaixa no tipo.

    Uma produtora lésbica de filmes pornôs gays, alcoólatra tem de lidar com a própria obsessão com sua ex, que por sinal é a editora de seus filmes e ao mesmo tempo com uma série de assassinatos de alguns de seus atores.

    Os primeiros assassinatos são muito bem construídos, à base de muita fetichizações com máscara, couro e dildo. A primeira meia-hora mescla bem giallo, De Palma e um pastiche à luz de muito neon.

    No entanto, a abordagem se perde muito. O que era uma divertida psicanálise se torna uma jornada de espiritualidade tirada sabe-se lá de onde e até as mortes posteriores perdem o impacto e imaginação, para não dizer que é brega.

    Uma pena, poderia ter sido bem legal.

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  12. Diante de uma carreira marcada por desafiar convenções narrativas, "Inland Empire" extrapola ainda mais o limites.

    David Lynch criou aqui uma verdadeira fita de Moebius narrativa. Temos a suposta personagem 1 de Laura Dern, Nikki Grace, uma atriz prestes a iniciar a rodagem de um filme; a personagem 2, Susan Blue, a personagem interpretada por Nikki Grace; temos uma outra garota que assiste à tudi, talvez presa num cativeiro, talvez emulando a gente, a platéia; e há a camada de Laura Dern, que acompanha a garota (ou a gente) estando numa platéia ela mesma, acompanhando o que acontece na tela.

    Lynch aproveita a imagem do digital para distorcer ainda mais a estas linhas e nos joga numa atmosfora de confusão, ansiedade, mas também euforia. E além de tudo aproveita para comentar o status da indústria cultural naquela máquina de moer sonhos, chamada Hollywood. 

    Lembro-me que na época ele fez campanha para Laura Dern no Oscar com uma vaca. Ela não ganharia mesmo, pois era o ano de Helen Mirren , mas merecia muito a indicação. Que trabalho!

    Este ainda é o último filme lançado por Lynch (não sou daqueles que considera a obra-prima magistral "Twin Peaks: O Retorno" um filme de 18 horas), mas fico sempre na esperança que ele tenha alguna nova ideia numa de suas sessões de meditação. 

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  13. Poucos diretores têm na carreira a quantidade de grandes filmes que Robert Altman dirigiu nos anos 70. "McCabe and Mrs. Miller" foi o segundo dessa leva.

    Um anti-werstern (ou talvez revisionista), se passa no noroeste dos EUA, ao invés do sudoeste.  

    A trama se inicia com McCabe, que chega no povoado de Prebisterian Church. Seu passado é envolto de mistérios e há uma construção mitológica em torno disso, comumente tratado no gênero. Ele é um homem de negócios e visa construir uma taberna e um saloon. Chega Mrs. Miller, uma prostituta com um tino para negócios e propõe parceria com McCabe para construção de um bordel. O sucesso posterior desencadeia uma série de interessados e interesseiros.

    Altman usa estas construções mitológicas para tratar do escrúpulo do grande capital frente aos pequenos negociantes que iniciam sua prosperidade; o próprio McCabe, que é muito mais ingênuo do que sua suposta mitologia, diz que representa o interesse de pequenos comerciantes. 

    Tendo uma dupla no auge da beleza em Warren Beatty e Julie Christie, com os zoom-ins de Vilmos Zsigmond e música de Leonard Cohen - interessante que no último ano vi três filmes com essas composições, além deste, "Fata Morgana" e "Precauções Diante de uma Prostituta Santa" - é mais uma prova da incrível ecleticidade de Altman.

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  14. Os personagens de Christian Petzold estão em constante trânsito (tanto que tem ele até filme com este título) e em expectativas. Fora isso, eles todos têm acontecimentos passados que nunca são explicitados. Nós temos que ir criando esta biografia conforme presenciamos certas atitudes. 

    Em Barbara, a incrível Nina Hoss é uma médica que atua na Alemanha Oriental dos anos 80, mas tem a expectativa de fugir com o namorado para o Ocidente. Ela é designada (ou castigada) para trabalhar num fim-de-mundo da parte litorânea e vive aos constantes olhares suspeitos de seus colegas e de agentes da Stasi, até que ela começa a criar um certo vínculo com o médico principal de 

    A sensação de suspense é desenvolvida por meio de ambiguidades e a desconfiança com relação a todos ao redor de Barbara, mas tudo é feito com muito rigor, controle e frieza (no bom sentido). 

    Não há como ter catarse se não se sabe o que encontrará no minuto seguinte. 

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  15. Para celebrar a chegada da estação florida (mentira, foi coincidência) assisti "O Conto da Primavera", de Eric Rohmer, o primeiro de sua série "Contos das Quatro Estações". 

    Formalmente falando, não que haja grande diferença entre as séries "Contos Morais", "Comédias e Provérbios" e esta, mas sob a regência de Rohmer, nunca podemos falar que é "mais do mesmo". 

    O início aqui, silencioso, é com uma jovem, chamada Jeanne, que depois vamos descobrir é professora de filosofia em ginásio, que se mostra incomodada com o lugar físico onde está. Ela está emprestando seu apartamento para a prima, mas ela também não consegue ficar na casa do namorado. Corta para uma festa, no qual ela parece não conhecer ninguém e também se sente desconectada com o lugar, até que uma adolescente, Natasha, puxa conversa e a chama para refugiar-se em sua casa. 

    Algo que me chamou atenção: o cinema de Rohmer é verborrágico; no entanto, grande parte de suas personagens são pessoas altamente introvertidas e inseguras, por mais que transmitam grande conhecimento artístico e filosófico, sentem-se desconectadas ao lugar que pertencem, seja literal ou metaforicamente. 

    Outro ponto, quase todo o filme dele há uma sequência de flerte e, nossa, como ele sabe filmar isso. Eu fisicamente me sinto seduzido pelo jogo que ele propicia de diálogos e plano/contra-plano. 

    Por mais que eu tive dificuldade de captar sobre o que ele queria falar aqui (seus filmes não são de tramas, mas há sempre alguma ideia principal), só de me gerar essa sensação, me ganha. 

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  16. 24 minutes ago, SergioB. said:

    (295)

    "N`aum vou nem falar nada!!!"

    F I N A L M E N TE !!

    Gente...Eu poderia tá com meus amigos nesta tarde de sábado em um barzim bebendo cerveja e comendo bolinho de angu; eu poderia tá jogando vôlei com meus parças; eu poderia tá me deliciando com as cocotinhas; mas não, eu tô aqui enfurnado em casa, desperdiçando um lindo dia de sol lá fora, vendo um filme de 4 horas de duração! Mas não é qualquer filme, é o clássico "Um Dia Quente de Verão", de 1991, de Edward Yang. Ao longo do ano, assisti a outros filmes dele para me preparar para essa jornada, e não me arrependi. É realmente um filmão!

    Conhecer mais a filmografia dele foi importante para testar minha paciência com a vagareza de seus planos. E a extensão dos planos, a calma, e a paciência que há dentro das cenas, inclusive, não só no espectador, fazem bem ao filme. É um trabalho de imersão. O único momentro que parei foi por que tive de dar aquele Google maroto e pesquisar uns lances políticos da ilha de Taiwan. O filme, nesse aspecto, não é didático. Ao contrário, é lírico. Embora, por outro lado, se trate de um filme inspirado em um evento real, de matiz policial.

    A pesquisa foi instrutiva para eu perceber um lance das cores do filme. Durante o longo governo ditatorial de Chiang-kai Shek, na ilha nacionalista, implantou-se uma perseguição política a quem fosse comunista-continental, e isso ficou conhecico, como "terror branco", derivando em milhares de mortos e torturados. Eu tava mesmo encafifado como tudo era branco, dos armários do colégio às camisas das pessoas, às bandejas de café...Será que é piração minha?

    Mais além, o filme mostra como a ilha estava tomanda nos anos 1960 pelo militarismo, que se reflete, no mundo juvenil, pelo confronto das gangues. Há também a ocidentalização forçada, com as músicas de Elvis Presley dominando a cultura (e se espraiando em versos até no título do filme); ocidentalização refletida em matéria religiosa, com a irmã do protagonista, quase uma crente; e a ocidentalização em matéria econômica, com a figura da irmã mais velha e da mãe (algo presente também em "História de Taipei"), sonhando com uma possível ascensão profissional da família na América.

    Se as duas primeiras horas são mais enfadonhas, mais difíceis, muito presas ao mundo juvenil; as duas últimas horas são ótimas, mostrando a perseguição a acovardada figura do pai (algo disso há em "História de Taipei") com destaque para os sensacionais e surpreendentes 40 minutos finais.

    Dizem que é um dos melhores filmes de todos os tempos. Mas quem vai encarar e comprovar? Seus exatos 257 minutos são em geral obstaculizantes, tanto que o diretor entregou também uma versão menor com 188 minutos. 

    De qualquer forma, assim como um bolinho de angu e uma cerveja gelada; um voleizinho disputado; e umas cocotinhas do Tinder; sim, vale a pena gastar um sábado imerso cinematograficamente neste dia. 

    Um Dia Quente de Verão - 27 de Julho de 1991 | Filmow

    Eu vi durante uma tarde de minhas férias este ano e se tornou um dos meus filmes favoritos.

    Eu gosto especialmente como o garoto Xiao representa a metonímia do próprio país, alguém em busca da própria identidade 

  17.  Segundo filme dos "Contos das 04 Estações", o "Conto de Inverno", se inicia no Verão e de uma maneira um tanto distinta da filmografia de Rohmer: uma montagem, sem diálogos, de uma história de amor com um potencial final feliz, até que corta...cinco anos depois, a jovem acorda em outra casa e tem uma filha. O Verão passional dá lugar ao frio Inverno dos compromissos é obrigações.

    A partir daí, temos Rohmer em sua essência: catolicismo e as demonstrações de Pascal, citações e recitações literárias, além de uma personagem que tem suas convicções, mas ainda assim é indecisa em seus atos.

    É interessante que para mim, um católico de nascimento, mas não de convicção, Rohmer sempre tratou do acaso em sua obra, mas como pensar em "acaso" para alguém que sempre enxergou claramente os planos de Deus? 

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  18. 3 hours ago, SergioB. said:

    (286)

    Só queria um filminho pra fugir da realidade que passava inacreditável embaixo da minha janela no dia de hoje, e caí com este "Justiça em Família", disponível na Netflix. Um filme de ação bem genérico, de vingança em prol da honra familiar, até que, no final, há um instante de ousadia narrativa. 

    Porém esse lance de ousadia é completamente inverossímil, tanto que simplesmente adentra o campo do ridículo. Dá vontade de quebrar a tv. Nem "Uma Mente Brilhante" conseguiu forçar tanto a barra - tanto que conseguiu capturar o carinho das pessoas, e o levar ao Oscar de Melhor Filme em 2002.

    Jason Momoa é um astro. Ele tem algo de muito gostável na figura, de barba e cabelo grande, como yo. Não sei como ele sobreviveria sem esse visual. Mas em algum tempo será preciso, sob pena de ser sempre o mesmo em cena.

     

    Justiça em Família poster - Foto 15 - AdoroCinema

    No Dune, ele tá sem barba rs

  19. Fazia muito tempo que queria ver este segundo longa de Peter Weir, baseado num livro que pode ou não ter se baseado numa história real.

    Na Austrália de 1900, um internato de garotas vai ter um piquenique especial referente ao Dia de São Valentim. Nessa excursão, três garotas e uma professora desaparecem sem deixar qualquer rastro. Isso gera uma grande comoção, seja pelas buscas e investigações, seja pela forma como afeta alunas, professoras, diretora da instituição e pessoas que estiverem presentes na ocasião do desaparecimento. 

    A primeira influência a se pensar é na A Aventura, de Antonioni, por olhar menos para a investigação e muito mais para as reações. Além dele, vejo uma forte influência do Southern Gothic americano, pela atmosfera ambivalente e desconcertante; um cenário que traz uma forte conotação de decadência; a influência de diferenças de classes, principalmente no que tange Europa x Novo Continente e, por fim, a repressão sexual como elemento catalisador de alienação. 

    Servindo como um template para boa parte da filmografia de Sofia Coppola, Peter Weir tentaria fazer uma versão masculina em Sociedade dos Poetas Mortos, mas tendendo muito mais ao melodrama.

     

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  20. Um "corpo estranho" (sem piada intencional) na filmografia de então de David Cronenberg, "M Butterfly", no entanto, não deixa de falar muito sobre o "corpo", não tratado mais como um elemento de horror, só que político. 

    Jeremy Irons é um funcionário da Embaixada francesa na Pequim de 1964, iniciando o que seria o processo da "Revolução Cultural" de Mao. Ele enxerga os chineses como um bom europeu: estranhos, com ar de superioridade e até certo ponto, tédio. 

    Durante uma apresentação de uma montagem chinesa de "Madame Butterfly", ele se sente atraído pela diva Song Ling. Ela lhe serve como guia para entendimento do que é a China e o que os chineses entendem pela presença imperialista européia (e americana, posteriormente) na região. Eles acabam se envolvendo emocionalmente, porém não sexualmente, já que ele nunca a vê nua. 

    A relação dos dois passa por vários anos e momentos políticos (além da Revolução Cultural, Guerra do Vietnã e Maio de 68), em elipses que, confesso, me deixaram um pouco perdido em alguns momentos. 

    Como citei na primeira frase, à primeira vista não parece um filme de Cronenberg, mas essencialmente o é: a transformação do corpo, seja para fins políticos ou psicanalíticos; o sexo, aqui também usado como um meio político; representação e inversão de papéis, seja homem x mulher ou colonizador x colonizado.; e o horror causado descobrir o outro e a si mesmo. 

    Só depois me dei conta do quanto o título é importante para reforçar estes jogos de representação. Não é mais apenas a tragédia de "Madame Butterfly", mas de todos que enfrentam o horror causado por descobrir o outro e a si mesmo.

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  21. Filme não tão conhecido da carreira de Hitchcock, lançado entre duas de suas principais obras (Pacto Sinistro e Janela Indiscreta), "A Tortura do Silêncio" já começa ao seu melhor estilo, apresentando um crime e o executor, numa Quebec bastante provinciana. A ação seguinte do assassino, um auto-declarado "refugiado alemão sem pátria" é confessar o crime ao padre da Paróquia onde vive. 

    Em razão da natureza dogmática, o Padre mantém a confissão como segredo e por uma série de circunstâncias, ele mesmo passa a ser considerado suspeito.

    Esta é o principal conflito do filme: a justiça dos homens versus a vocação eclesiástica. Acho que Hitchcock acaba ficando no meio do caminho entre o noir e o melodrama. Penso no quanto seria incrivel se um Bergman ou até um Almodovar o filmassem.

    Apesar dessa indefinição, esteticamente me pareceu dos mais belos que já assisti de Hitchcock, tanto na composição dos quadros como na iluminação.

    Outra coisa a se destacar é Montgomery Clift (lindo). É até engraçado isso, pois Hitchcock notoriamente considerava que seus atores deveriam ser "gados" (sem conotação política aqui) e Montgomery Clift foi um dos atores que vieram do Método, da mesma leva de Brando, Paul Newman, James Dean. Deve ter sido bem conflitante esta relação, mas é bastante claro o componente metódico do ator; Clift compõe seu padre com as costas arqueadas e os ombros para frente, quase como se ele estivesse carregando sua própria cruz. 

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