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Forum Cinema em Cena

Muviola

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Posts posted by Muviola

  1. Inspirado por e inspiração para uma série de westerns, Yojimbo é a 13a parceria entre Kurosawa e Toshiro Mifune.

    Sanjuro é um ronin que, sem muito destino, perambula pelo Japão do século XIX à procura de serviços. Ele chega a uma vila que é dividida por duas gangues rivais, colocando medo no restante do povoado. Sanjuro então decide "jogar" nos dois lados e acabar com ambos.

    Um roteiro simples, mas zero expositivo, que traz toda a complexidade das relações deste lugar e que, em minha leitura, reflete a Guerra Fria, que naquele momento esteve no ápice da ansiedade de destruição mútua. 

    As grandes forças são a construção visual e sonora, além da interpretação de Mifune. A trilha sonora aqui é o bastião para o que Ennio Moriconne desenvolveria em sua parceria com Leone; o som, principalmente nas lutas de espadas é um marco novo, também, tanto no tocar de uma com a outra, quanto a inserção na carne; visualmente, é impressionante como Kurosawa consegue focar tudo, seja nos planos gerais, quanto nos próximos. E Mifune, aqui é menos explosivo que em colaborações passadas, é mais cool, mas ao mesmo tempo é perceptível o seu cansaço de muitas batalhas passadas, mas que não impedem sua demonstração de força.

    Entre as colaborações dos dois, acho que ainda prefiro Trono Manchado de Sangue, mas não por muito.

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  2. 1 hour ago, SergioB. said:

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    Diante de tanta expectativa para a sua estreia, "Marighella" já pode ser tido agora como um mero insucesso? Não sinto amor do público pelo filme. Eu também mal queria ver, mas como vejo tudo, vi hoje, vi agora... Sempre escrevo que diretores deveriam começar pelo Terror, ou pelo Drama pontual, mas não, jamais, pela Biografia - o gênero mais difícil. No caso da pessoa em questão, ardente em controversias, foi um passo ainda mais arriscado do Wagner Moura - um ator que adoro. Gosto tanto que posso reconhecer coisas pessoais dele no roteiro, como a frase de "Hamlet", que ele costuma citar nas estrevistas, "Estar pronto é tudo", citada em determinado momento.

    Aliás, esse é um dos pontos fracos do filme: frases de efeito. Cada vez gosto menos de frases assim no cinema. Pra mim um roteiro bem escrito, tipo Kenneth Lonergan, deve ter diálogos de uma beleza quase escondida. Em "Marighella", cada revolucionário morto ou apanhado grita uma frase marcante, do tipo: "Esse homem amou o Brasil!!", "Esse homem amou o Brasil!". Dose. Nesse sentido, o filme contém vários recados indiretos ao Brasil de hoje, que qualquer pessoa com cérebro capta, como, por exemplo, não sei de cor a frase, algo assim, "A justiça não pode ser feita com mentiras"...Enfim, é um filme com uma agenda implícita. Ninguém é bobo aqui. Há um prólogo, muito bem feito, que talvez seja das mensagens mais oportunas do filme, que é fazer a esquerda brasileira se apropriar dos símbolos nacionais. Eu gostei.

    Como linguagem cinematográfica, não notei grandes atributos de direção. Tem mais a ver com a televisão. Quanto a outros elementos, conta com uma fantástica reconstituição de época, supercrível e meticulosa. De longe, o melhor aspecto do filme. Figurino e som muito bons, também. As atuações...Seu Jorge está "apagado", ou então foi intencional personificar um Marighella mais discreto, mais família, um homem experiente (salvo engano, já tinha sido preso na era Vargas, já tinha sido anistiado, já tinha vivido na China maoísta...deve ser por isso.) Não é um Marighella cheio de adrenalina, não! Causa surpresa esse aspecto. O lindo Bruno Gagliasso atua relativamente "bem", como sempre, mas ele não tem um porte sombrio, nefasto, como avatar de Sergio Fleury, já que rebatizaram o personagem - certamente uma das figuras mais torpes da história.

    Assistam ao filme. Vai ver vocês gostem mais do que eu. Confesso que assisti com má vontade. Penso completamente diferente dos retratados. Acho que para o Brasil foi muito melhor sair da Ditadura via um processo político demorado, costurado no legislativo, cheio de idas e vindas, de derrotas e pequenas conquistas, do que nos esbaldarmos em um banho de sangue revolucionário. Ainda não sei o quê ganharíamos com isso. Pessoalmente, noto, por fim, que os herdeiros político-ideológicos de Marighella votaram contra a aprovação da Constituição de 1988. 

    Ou seja, quando realmente chegou a hora da Democracia, fraquejaram. Não a reconheceram. Não era a imagem do espelho.

    Dirigido por Wagner Moura, "Marighella" ganha pôster para o Festival de  Berlim - 04/02/2019 - UOL Entretenimento

     

    Nossa, eu tenho 0 vontade de ver este filme, por mais que eu tenha um posicionamento de esquerda e também goste de boa parte dos envolvidos. Sei lá, me pareceu um produto pra assistir enquanto se está no Twitter e não algo que gere uma discussão séria de fato.

  3. Em 2016, Leonard Cohen e sua musa e ex-mulher Marianne morreram separados por 3 meses um do outro. (No caso dele, não me lembrava, foi no meu aniversário).

    Este documentário "Marianne & Leonard: Words of Love", recentemente adicionado na Netflix, é um olhar para este relacionamento de mais de 5 décadas. 

    Formalmente é colcha de depoimentos, incluindo passagens dos dois personagens principais, embalados por imagens de arquivo, destacando a incrível Ilha de Hydra, na Grécia, onde a história deles se iniciou e que foi um ponto de encontro e fuga durante os anos, praticamente se tornando uma paisagem mitológica helênica.

    Esta parte de depoimentos reside os dois pontos mais negativos do filme: a auto-inserção do diretor, algo de bem pouco interesse geral e uma cronolgia um pouco bagunçada. 

    O principal da obra foi ver que ambos, Marianne e Leonard, por mais que tenham seguido caminhos muito distintos, tinham um interesse comum: a busca de si mesmos, de uma identidade, de respostas e, principalmente no caso de Leonard, da luz grega no meio da penumbra canadense.

    "Poetas não fazem bons maridos.", uma frase de uma das amigas deles e que achei engraçada e bem certeira.

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  4. 3 hours ago, SergioB. said:

    O @Muviolame injetou ânimo para rever Kiarostami, então fui com "E a Vida Continua", de 1992, a segunda parte da chamada Trilogia Koker, a região empobrecida do Irã, filme que dá seguimento metalinguístico a "Onde Fica a Casa do Meu Amigo?". Neste filme, um diretor (avatar de Kiarostami) e seu filho procuram saber o que aconteceu com o garotinho do primeiro filme, depois do terremoto que assolou a região onde ele vivia em junho de 1990. O personagem do diretor mostra sua preocupação ética com seu elenco de não atores, já que aquele filme fez tanto sucesso.

    Engraçado, que eu estava preparado intelectualmente para catar as muitas semelhanças com o filme 3, "Através das Oliveiras", que é um sonho, um dos meus preferidos, mas acabei me interessando por outro aspecto da narrativa, o futebol. 

    O terrível acidente geológico, que matou mais 50 mil pessoas, foi parelho à Copa do Mundo de 1990, então no fillme há várias menções às partidas do início daquele certame de más lembranças para nós. Em primeiro lugar, pai e filho conversam a respeito se a partida exibida na tevê (pois se cortou nas comunicações) era Brasil e Escócia, ou Brasil e Argentina. O filho, empolgado com a Copa, mais atento, insiste que foi Brasil e Escócia. E foi mesmo, vitória do Brasil, 1x0, gol do Müller. Mas ele só terá a confirmação quando, no final do filme, os moradores do vilarejo destruído preparam-se - porque a vida continua! - para assistir a Brasil e Argentina. E o filho do diretor ainda aposta no futuro campeão, o Brasil. Pobrezinho...Aposta uma bola, ou um "caderno" (Como não rir metalinguisticamente disso, conhecendo o primeiro filme?)

    A procura pelos atores mirins do filme de 1987 serve aqui como motivo para mostrar um Irã que persiste, que não se entrega às dificuldades, mesmo quando o mundo inteiro está celebrando algo superficial, ignorando a tragédia persa. Mostra-se as estradas cheias de entulho, fendas na terra, colhe-se depoimentos de pessoas que perderam tudo, algumas 16 familiares, e, claro, encontra-se uma casa que foi cenário para o primeiro filme, mas na verdade, será a casa principal do terceiro filme, onde se repetirá inúmeras vezes a mesma cena, colhida para este filme, do jovem noivo calçando o sapato.

    É cinema dentro do cinema dentro do cinema. Cinema ao cubo. Um filme entregando sentido ao filme seguinte. 

    O plano final é espetacular. Plano final que será repetido em  "Através das Oliveras" e "O Vento nos Levará".

    E a Vida Continua - Filme 1992 - AdoroCinema

    Eu não vi ainda. Eu sabia que havia ocorrido um terremoto bem onde rolaram as gravações. Não sabia que havia este note da Copa do Mundo. Espero ver o mais breve possível.

  5. Abbas Kiarostami ficou conhecido por dilatar os limites de narrativas e representações cinematográficas. Close-up, Dez, Gosto de Cereja, Cópia Real e outros são maravilhosos exemplos desta mente inquieta. 

    Eis que tenho contato com "Onde fica a casa de meu amigo?", um filme de "simplicidade" ímpar em sua obra. Essencialmente, um garoto (Ahmed) vê seu amigo tomar um esporro de professor por estar sem seu caderno na aula. Se ele esquecer novamente, será expulso. Ao voltar pra casa, percebe que está com o caderno dele e para evitar o pior, precisa devolvê-lo. Detalhe: ele não sabe onde o amigo mora.

    Temos aqui início de uma jornada épica para este menino de 08 anos. Incorporando o próprio Sisifo em suas subidas e descidas do Morro que separa os bairros de onde moram, a narrativa toma contorno kafkaniano na impossibilidade de achar a casa.

    Mais do que isso, a grande beleza é o contraste que fica dos códigos morais dos adultos, com destaque para respeito às autoridades versus a moralidade própria de Ahmed, brilhantemente encenada na sequência que Ahmed "some" por alguns minutos e o foco vai para seu avô e outras autoridades da Vila.

    Além disso, Kiarostami insere algumas observações incríveis, sem precisar gritar, como um outro colega de Ahmed que reclama de dores nas costas e descobrimos o porquê. 

    Emulando Ozu com um toque de Neo-Realismo, este é um dos trabalhos mais singelos sobre cumplicidade e caridade sem qualquer pieguismo. Tenho muita saudades de Abbas Kiarostami.

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  6. Após uma das noites mais catárticas rticas de nossa política recente, fui ver este que é um dos primeiros documentários de Werner Herzog.

    Fata Morgana é o efeito ótico causado por uma inversão térmica. No entanto, esta miragem é apenas um ponto de partida pra ele tratar da relação homem-natureza, separada em três partes: i. Criação, que trata da intervenção divina, com imagens impressionistas e narração poética de Lotte Escreiner; ii. Paraíso, a entrada humana e o conflito entre narração poética e imagens de pobreza e morte, embaladas pela música de Leonard Cohen; iii. The Golden Age, a reconciliação. Homem e Mulher se complementam harmonicamente e ambos aceitam o que a Natureza é. 

    O resultado é um pouco irregular, mas me trouxe ecos do que Koyanisqaatsi e uma parte do cinema de Terrence Malick discutiram posteriormente.

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  7. Eu até recentemente tinha uma mancha vergonhosa na minha vida cinéfila, que era de ter visto quase nada de Claire Denis. Estou tirando o atraso aos poucos. Hoje foi a vez de ver sua estréia, Chocolat. 

    De traços biográficos, é a memória de uma garota que volta ao Camarões, país no qual passou parte de sua infância, ainda uma colônia da França (por sinal, seu nome é France). Claire Denis insere já neste ponto-de-vista infantil traços da observadora externa que se tornou de relações de poder entre raças e da política do corpo masculino. Estes dois pontos se cruzam principalmente no criado Protée, um belíssimo Isaach de Bankolé. Ele é a força magnética que atrai olhares de carinho, paternalismo, exploração, desejo, ódio e inveja, emoções estas que servem praticamente como metonímia do imperialismo europeu no continente. 

    Aqui ainda é um pouco mais episódico e menos sensorial que suas posteriores obras-prima, mas já dava pra ter noção que surgia um olhar que fugia de lugares-comuns. 

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  8. Godard fez este "2 ou 3 Coisas que sei sobre você" enquanto filmava "Made in USA" e, mais do que tudo, estava nos momentos finais de seu casamento com Anna Karina.

    Apesar de não ser tão explícito na observação de "crise no relacionamento", tal qual em "O Desprezo", Godard demonstra sim uma profunda melancolia nos pensamentos que faz sobre o universo e o desconhecido, além de questionar o que seria amar e viver. Óbvio que mescla isso com sua constante provocação à linguagem e aqui com um foco maior ao culto à objetificação na sociedade.

    Não considero meu favorito, mas sempre há momentos de inspiração que me fazem falar "fdp!"

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  9. Terceiro longa de Brian de Palma, "Olá, Mamãe!" é uma espécie de continuação de seu inaugural "Greetings", acompanhando a volta do personagem de Robert de Niro do Vietnã para Nova Iorque e sua tentativa de se localizar profissionalmente, sexualmente, politicamente nesta América em constante análise. 

    De Palma tá pouco se ferrando em contar uma história em três atos; ele quer provocar atraves de imagens de diferentes se temos consciência do que estamos vendo. 

    Normalmente a companhia referencial de De Palma é Hitchcock; aqui até temos algo, na abertura à Janela Indiscreta, mas principalmente há muito Godard e Cinema Verité aqui. Além disso, temos um princípio de Travis Bickle aqui

     

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  10. 3 hours ago, SergioB. said:

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    Difícil explicar para algum "Millenium" o furor que "Proposta Indecente" causou nos anos 1990. Lembro-me de quando foi exibido pela primeira vez na Globo: tias expulsando a mim e aos meus primos da sala; gritando excitadas pelo hoje barrigudo Harrelson; tios loucos pela cena de Moore deitada na cama entre cédulas. Demi Moore, tenho a impressão, ainda fazia mais sucesso do que Julia Roberts. Não posso garantir, mas acho que sim. 

    Bom, as pessoas amam odiar o filme! Mas eu gosto de gostar dele. É um "guilt pleasure". Tem argumento para tudo. Para chamar os homens de machistas, principalmente. Mas pode-se interpretar tranquilamente a esposa como o caráter mais fraco do trio. Adoro isso! Poder se bombardear qualquer dos personagens. Adrian Lyne apresentará novo filme este ano, depois de longo hiato, com Ben Affleck e Ana de Armas. 

    Um milhão de dólares, ainda mais com no câmbio de R$5,00, mexe com a cabeça de todo mundo.

     

    Proposta Indecente poster - Foto 3 - AdoroCinema

    Anos 90, a Demi Moore tinha alguns destes filmes supostamente escandalosos, mas que eram aquilo que os americanos chamam de vanilla: este Proposta Indecente, Striptease e Assédio Sexual

  11. Eu ainda tenho pouca familiaridade com a filmografia de Satyajit Ray, mas este "O Covarde" é considerada uma obra menor dele.

    Ainda assim, há uma deslumbrância na composição e coreografia em cena. O Covarde é praticamente um conto moral, de um roteirista que se vê meio preso em uma cidade pequena, onde é resgatado por um fazendeiro local e descobre que ele é marido de sua ex-noiva, cujo término foi traumático. 

    Na essência, não há nada de especial na trama. O principal é, além do que referi sobre composição visual, a inclusão de elementos que dão o tom das estruras de poder local, especialmente no que se refere às castas.

    Outras coisas menores são interessantes, como o fato de no passado ele viver num quarto triangular de uma pensão e em seu presente ele passar a viver num outro tipo de triângulo.

    O escritor e roteirista que não sabia como agir. Quem sabe não crie alguém que saiba? Afinal este é o dom e a dor dos artistas.

    "Boy meets girl, boy gets girl, boy loses girl". 

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  12. É estranho dizer que algo remetendo a um ataque de ansiedade possa ser chamado de "divertido". Mas foi esta dicotomia que tive ao fim de Shiva Baby, longa de estreia de Emma Seligman, que já havia contado esta história num curta. 

    Uma reunião de familiares e conhecidos distantes é o catalisador de uma série ansiedades para a jovem "estudante" Danielle, judia que não tem lá grandes perspectivas profissionais e é cobrada por seus pais; comparada à outros jovens de sua idade, inclusive sua ex-melhor amiga e peguete; é questionada seguidamente de sua vida amorosa e, pra piorar, seu vegetarianismo e peso são olhados de desdém. 

    A construção sonora da trilha junto às vozes é muito bem-executada ao fazermos nos sentir muito dentro de sua cobrança. E como não se identificar com estes constrangimentos destas reuniões? 

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  13. Raymond Chandler escreveu The Long Goodbye em 1953. Nessa época, o noir já havia passado de seu primeiro ápice.

    Robert Altman e seu parça de Mash, Elliot Could, fazem esta adaptação, que é uma das primeiras revisões do gênero, que seria acompanhado depois por Chinatown. Phillip Marlowe acorda por seu gato no meio da madrugada e fica neste constante estado meio chapado durante todo o filme. Seu gato some (Schrodinger?) e ele acaba caindo numa trama de assassinatos e cobranças de dívidas.

    Altman cria um desenho sonoro incrível, embaralhando falas e pensamentos de Marlowe, que mais soam como pensamentos. Além disso, o ritmo reflete o estado meio sonâmbulo de seu detetive, mas não impede que haja fortes explosões de violência, mais especificamente numa sequência que o ato pega todos de surpresa.

    Interessante a participação de Sterling Hayden numa figura bastante inspirada em Hemingway e também uma rápida participação de Arnold Schwarzeneger, sem falas e no qual ele claramente olha pra câmera.

    Não estou fazendo um especial Altman, mas bem que eu deveria

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  14. 47 minutes ago, SergioB. said:

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    Sou uma das poucas pessoas que defende abertamente o capitalismo, sou assim desde a escola básica até no tempo do campo minado da Universidade Pública, passando pelas rodinhas de cerveja. Sem medo da patrulha, nunca tive. O capitalismo é um sistema que beneficia continuamente a sociedade, pois, em termos simples, alguém oferece um produto ou um serviço melhor, ou mais barato.  

    Esse nariz-de-cera aí de cima é para explicar por que evitei, pelo título, de assistir a "Filme Socialismo", de 2010, de Jean-Luc Godard. Mas hoje decidi vê-lo, e não encontrei de forma nenhuma uma crítica ácida ou forte ao sistema econômico predominante. Encontrei sim o tipo de cinema mais recente do francês. Por mais recente, quero dizer, mais caleidoscópico do que os da "nouvelle vague". Pois um inovador, ele sempre foi. Um radical ele sempre foi.

    Não estudei cinema, então posso estar muito errado, me corrijam, mas se tem algo em que o francês se destaca é no seu apelo à montagem. Não a montagem imperceptível, da decupagem clássica. Mas uma montagem que se faz notar, que interfere o tempo todo. Mas não só a cascata de imagens uma em cima da outra. Mas também os sons se sobrepõem. Os textos se interpenetram ( É uma biblioteca desabando a cada instante, com tantas citações). Aliás, neste filme, se lê "As Benevolentes" (melhor livro deste século) e "Ilusões Perdidas" (que li recentemente).

    Neste filme, acompanhamos uma família viajando de cruzeiro pelo Mediterrâneo. É "Um Filme Falado", do Manoel de Oliveira, de 2003? Ou o mais recente "Let Them all Talk" do Soderbergh? Risos. Um passeio capitalista, dirão. Vamos à costa do Egito, Turquia, Grécia, depois, na volta, Itália, Espanha e França. Um mar de citações, um mar de pensatas ao passado europeu. Patti Smith ( a artista a se apresentar no navio?) faz uma aparição no filme. Depois, em uma confusa segunda parte, vemos a família em terra, de volta a casa. E entendemos que eles não são milionários. São donos de um pequeno posto de gasolina. O garotinho, em dado momento, guarda da viagem uma imagem, e a reproduz em um quadro.

    O passeio custoso gerou uma lembrança. Eu diria, o dinheiro ganhado no sistema gerou uma lembrança infantil. E um quadro. E um filme.

    Um filme que curiosamente se encerra com imagens de Stálin, Lênin, e outros comunistas, mortos, ou pertencentes ao passado.

    Film Socialisme

     

    Não sou tão familiarizado com a obra de Godard pós-68, mas a relação dele com a(s) esquerda(s) me parece um tanto com a de Caetano Veloso. Há uma atração, mas ao mesmo tempo uma animosidade mútua.

    E consigo entender bem estas dicotomias

  15. O primeiro filme de Gabriela Amaral, "Animal Cordial", foi uma belíssima porrada de estreia, refletindo John Carpenter numa situação extremamente brasileira.

    Não consegui ter esta mesma conexão com sua segunda obra, "A Sombra do Pai". Talvez pela energia, não tendo os diálogos afiados de Animal; talvez por não saber exatamente se quer ser um terror psicológico, místico ou político. 

    Ainda assim, eu gosto de alguns elementos de "brasilidade". Pra começar, o Censo ao abrir o filme, algo que fica ainda mais notório para este 2021; o pretendente da tia da menina, que "vai trabalhar por conta", no que nada mais é que uma pirâmide financeira; segurança na construção civil e as misturas entre catolicismo e religiões de matriz africana (território bem conhecido da baiana Gabriela).

     

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  16. Sequência do filme e livro A historia de O (não vi ou li), este Frutos da Paixão mostra "O", uma jovem francesa que chega a um bordel na China dos anos 20, acompanhada do inglês Stephen, por quem nutre uma paixão meio obsessiva, apesar da gigantesca diferença de idade. Ele impõe a ela que se prostitua para provar seu amor. 

    Além deles, há um grupo rebelde lutando contra a ocupação inglesa e entre eles há um garoto, que se juntou ao grupo após se apaixonar por "O" e necessitando de dinheiro pra passar uma noite com ela.

    Há uma grande paralelo entre colonialismo e dominação sexual, incluindo cenas de fetichismo sadomasoquistas e voyeurismo. Klaus Kinski, como Sir Stephen, parece uma outra versão vampiresca de seu Nosferatu e há a participação de Arielle Dombasie, atriz de Rohmer.

    No todo, eu achei meio irregular, mas há algumas sequências, em especial duas envolvendo outras prostitutas do bordel: a "atriz" e a dominatrix.

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  17. Até O Irlandês, eu sentia que Martin Scorsese havia chegado num ponto que estava dirigindo no piloto-automático. A cada dois filmes, emulava Bons Companheiros. 

    Por isso, fiquei feliz em voltar no tempo e chegar nesta obra, que até pouco tempo atrás era considerada "menor".

    Griffin Dunne, saído de Lobisomem Americano, faz Paul Hacket, um homem solitário num trabalho absolutamente boçal e tedioso. Uma noite, lendo Henry Miller num café, ele conhece uma mulher, trocam telefones e recebe o convite para ir até a casa dela. Já tá tarde; amanhã é outro dia de trabalho, mas...por que não? Uma fuga e quem sabe uma trepada com alguém atraente? 

    Aí inicia o que poderia ser chamado de "Uma Noite Alucinante": uma primeira derrubada num dominó, que causa um efeito manada total, encontrando todo tipo de personagens maníacos desta Nova York noturna, artística, ansiosa, drogada, gay, no armário, solitária e insegura.

    O final desta noite fecha um ciclo de maneira genial e, nesta América Reaganiania e yuppie a sua segurança está na sua rotina, longe destas "perdições" que uma noite traz.

     

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  18. Acho que como grande parte das pessoas de minha faixa etária, eu havia assistido apenas "O Talentoso Ripley", de 1999.

    Esta primeira adaptação do romance de Patricia Highsmith não tem os traços homossexuais da obra posterior (talvez aqui seja bi). Além disso, o Ripley de Matt Damon chega aos seus crimes por envolvimento emocional, misturando seus desejos de ser e ter o Dickie Greenleaf de Jude Law. Já o Ripley de Alain Delon me parece completamente vazio, que molda suas ações simplesmente porque pode; é até fascinante como René Clement faz dele um verdadeiro artista, mostrando seu "processo criativo". 

    Nunca li o livro, então não sei dizer qual está mais próximo do original, mas só posso dizer que noves fora a história, esteticamente é um tanto de covardia comparar qualquer coisa com Alain Delon no brilhante sol do verão italiano.

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  19. Ainda não vi TENET. Faltava-me ver também seu primeiro. Tirei este da lista.

    Um zé-ruela, pretendente a escritor gosta de seguir pessoas pelas ruas. Uma delas pode ser um tanto perigosa...

    A construção é estritamente um noir: o protagonista que é vítima de golpe e personagens ambivalentes. É até um pouco engraçado pensar em Nolan fazendo noir, visto que ele tem sua mania de explicar para a plateia o que está mostrando, algo bem distinto das tramas incompreensíveis do sub-gênero. Aqui, ele já faz uso da montagem não-linear, que apareceria posteriormente em outras obras, mas ainda assim insere seus momentos mestre-dos-magos. 

    Outra coisa irônica de Nolan fazendo noir é o componente sexual associada a estas obras. Os filmes dele são notoriamente assexuados, por isso acho que este deve ser o único de toda sua filmografia que exale um minimo de sexualidade.

    Batendo pouco mais de uma hora, temos aqui os princípios de muita coisa que veríamos posteriormente.

     

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  20. Os filmes de David Cronenberg costumeiramente ganham muito em revisões, por conta do caráter mais intelectual de sua obra. Sinto que este tendência fica ainda ressaltada na sua última leva de filmes, especialmente por focar menos nos horrores do corpo e adentrar o da mente. Foi assim com Cosmopolis e Mapa para Estrelas, e assim foi com este Método Perigoso. 

    Eu assisti este no cinema em 2011. Lembro-me de haver saído frio da sessão, por conta de enredo, seu aspecto teatral (o roteiro de Christopher Hampton é baseado em sua própria peça, que foi baseada num livro de mesmo nome) e seu caráter missivo. No entanto, na época eu não estava preparado para acompanhar o que estava sendo mostrado na tela e ao rever hoje, me senti muito mais preparado. Muito disso vem de um início tardio de minha própria análise e também leituras da área (principalmente Freud e Lacan, não tanto Jung). 

    100 minutos de sucessivas batalhas: o poder ego, judaísmo x protestantismo, sexualidade, ética médica, método científico. E Cronenberg faz um uso muito interessante nas sequências de diálogo; ao invés de usar o plano/contraplano, ele faz uso do split-diopter, marcando a disputa de poder e também fazendo alusão a uma sessão no divã. 

    O design de produção é sempre um grande chamariz de suas obras, com seu apuradíssimo olhar para os materiais científicos, fora também a parceria com Howard Shore na trilha sonora, que nunca passa batida. 

    Mudei inclusive minha percepção da interpretação de Keira Knightly, cujos gestuais, que haviam incomodado, passei a compreender muito melhor (só o sotaque que ainda acho um pouco estranho). 

    Recentemente, li que Cronenberg vai começar nova produção com Viggo Mortensen. Não vejo a hora de vê-lo e, principalmente, revê-lo. 

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  21. No verão de 1816, Mary Godwin, seu futuro esposo Percy Shelley, Dr. Polidori, Lord Byron se reúnem na Suíça para um final de semana de discussões e desafios literários, bebedeira e outros tóxicos, que nos deu Frankstein e O Vampiro.

    Ken Russel reimagina o encontro numa noite em que os medos de cada um somado às suas próprias castrações se tornam catalisadores para as futuras criações. 

    Não espere qualquer sutileza; Russel é barroco, barulhento, teatral e repulsivo. Um iconoclasta. 

     

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  22. Sergei Loznitsa é um pesquisador das imagens soviéticas. Nesta obra, ele mescla filmes de propaganda com arquivos de "notícias". Pinta-se o mosaico de uma sociedade coesa, otimista e orgulhosa. Algumas passagens são engraçadas e eloquentes, como a reunião de pauta da "imprensa" e a decisão de mostrar a chegada de um trem.

    Interessante perceber como Lenin é altamente citado e mostrado, mas há 0 referências a Stálin, pouco depois de Kruschev tê-lo denunciado por seus crimes.

    Acho que a pergunta no fim é se tudo foi de fato uma desilusão ou se já havia a consciência desta grande cortina de fumaça 

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  23. Eu havia assistido dois filmes de Christian Petzold: o filme de fantasma hitchockiano Phoenix e o exercício de projeção Transit. Estes dois filmes olhavam para a Alemanha da II Guerra. Jerichow, de 2008, tem um olhar contemporâneo, porém não menos político. Adaptado do muitas vezes filmado The Postman Always Ring Twice, esta visão de Petzold é menos carnal que a versão de 81, por exemplo e foca não só na geopolítica desta Alemanha, mas também na relação de forças entre oprimido x opressor (economica, social, gênero). 

    Novamente usando sua rigidez e frieza para a construção do romance e visual, Petzold viria a evoluir ainda mais na transgressão de gênero e na própria concepção de encenação. 

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  24. Em 1983, Coppola estava obcecado com gangues, talvez refletindo o que se passara em sua Nova York do final dos anos 70. Lançou "Vidas sem Rumo" e "Selvagem da Motocicleta". O ponto-comum em ambos é Matt Dillon.

    Em Ramble Fish, Coppola cria um espaço sem qualquer temporalidade, pode ser 1950 ou 1980 (a única coisa que dá uma sensação de tempo é um cartaz do pornô sensação Debbie Does Dallas). E é justamente esta atemporalidade que reforça a sensação de lugar simplesmente parado, num estado absolutamente onírico, cujo símbolo maior é o Garoto da Motocicleta. Ele é um fantasma, um mito, uma idéia, um ideal, que tem a perfeita noção de que não é mais uma "pessoa". A composição apática de Mickey Rourke casa muito bem com esta autoconsciência do Garoto. 

    É interessante também a escalação de Dennis Hopper, o ex-Easy Rider, completamente às traças. Aliás, não sei como Coppola o colocou de novo em um filme depois de toda zorra que foi sua participação em Apocalipse Now.

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