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Forum Cinema em Cena

Volmir Cardoso

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  1. A princípio, Tim Burton poderia ser o diretor ideal para adaptar a obra do escritor inglês, afinal, seus filmes sempre foram marcados pela excentricidade e inovação visual, qualidades fundamentais para a transposição cinematográfica da obra de Carroll. Contudo, a decepção é quase total. Digo “quase” porque os efeitos especiais, o uso do 3D e o esmero na construção do País das Maravilhas (Wonderland) são louváveis. Mas, embora tenham seu valor estético, efeitos especiais são datados e efêmeros. O clássico Os pássaros de Hitchcock (1963) não é uma obra-prima por conta de seus efeitos especiais, embora tenham sido extasiantes à época.<?:namespace prefix = o ns = "urn:schemas-microsoft-com:office:office" /> Em suma, o fato é que a produção da Disney está muito aquém do valor estético e filosófico da obra de Carroll. O conto do escritor inglês de modo algum sustenta uma história moralista em que existe uma luta maniqueísta do bem contra o mal, no qual o herói vence os obstáculos e restabelece a ordem ao seu mundo. Ao contrário, a jornada de Alice é um processo de autoconhecimento, de desconstrução das idéias de normalidade e realidade, no qual o mundo dos deveres, das regras de etiqueta, dos casamentos por conveniência, enfim, da moralidade burguesa do século XIX, é rejeitado por conta da carga de opressão e tédio que carrega. É a partir deste desencantamento com o mundo racional/adulto que Alice se refugia em seu país das maravilhas, no qual a opressão e os problemas continuam, mas podem ser encarados de uma maneira divertida, espontânea e sem roteiros de conduta pré-estabelecidos. Logo, será neste universo de alumbramentos e possibilidades infinitas que Alice preferirá existir. E é nesta questão crucial da obra de Carroll que Tim Burton peca. Aliás, pecado gravíssimo e irreparável. Ao simplificar a complexidade dos personagens, sobretudo a protagonista, Burton reduz a bela plasticidade de sua Wonderland a um mero plano de fundo onde se desencadeia uma batalha previsível, na qual as forças do bem vencerão as do mal, e ponto final. Mais do mesmo, em se tratando de produções da Disney, salvo raras exceções. As boas atuações da revelação australiana, Mia Wasikowska, Johnny Depp e Helena Bonhan Carter não salvam o filme, afinal de contas, se não há um bom texto, não há muito que fazer, a não ser manter a técnica, mas sem arte. Por fim, acho que Carroll se revirou na tumba com o desfecho dado à sua personagem no filme. A Alice de Burton, ao retornar da toca do coelho, volta plenamente decidida a “ser quem ela é” (o velho clichê “seja você mesmo” dos filmes teen), enfrentando todos, assumindo a persona de detentora da verdade, fruto de um aprendizado quase místico, dando lição de moral em todos (em uma das cenas mais vergonhosas do filme, Alice ordena a uma senhora que vivia sonhando com seu príncipe encantado que procure ajuda médica para voltar a ser “normal”, a fim de curar sua loucura!). Na última cena, a Alice de Burton discute sobre negócios e empreendimentos com um velho burguês, mostrando-se uma capitalista moderna, com os pés bem firmes na realidade, aliás, a mesma realidade que a Alice de Carroll rejeitou com a beleza de sua imaginação. A obra do escritor inglês desferiu golpe fulminante na moralidade burguesa de sua época, nos valores positivistas que enalteciam a razão como grande valor do homem capitalista em sua lógica de exploração e acumulação. A obra de Burton é ela própria um grande negócio, nada mais que isso. Uma superprodução que pretende uma arrecadação super, sem se arriscar filosófica e esteticamente. A Alice de Carroll deve continuar intrigando e encantando leitores adultos e jovens por muito tempo. A Alice de Burton, claramente destinada a um público raso e infantilóide, deve ser esquecida. Pela sua respeitável trajetória como cineasta, esperamos que o diretor se recupere em suas futuras criações.
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