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Forum Cinema em Cena

SergioB.

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Everything posted by SergioB.

  1. Somos terra estranha um para o outro. Os relacionamentos de um baterista de jazz negro do Harlem nos anos 1950, by James Baldwin.
  2. (323) A única coisa que eu sabia a respeito de "491", filme sueco, de 1964, era que ele era muito cultuado por suas cenas fortes. De resto, vi o filme no escuro total. Baseado em um livro, o diretor Vilgot Sjöman conta a história de um experimento social, no qual seis jovens delinquentes passam a morar juntos, de modo a testar sua recuperação social, desenvolver autocontrole, contenção, amizade, etc, sendo os garotos supervisionados por dois assistentes sociais, cujo lema é "Você pode pecar e ser perdoado 490 vezes". O título ironicamente mostra a conduta 491. O filme foi censurado em seu país e na Escandinávia, proibido, cortado, mas nem o conservadorismo pôde com ele. É muito bom, é bom com força, por ter a coragem de tocar em várias feridas, entre elas, o assistente social carinhoso que estupra um dos garotos, em uma cena com uma construção lenta e sórdida. Fantástica as atuações dos dois atores. Várias coisas fortes se passam na história, mas ela culmina com uma garota, que se envolve com os meninos, sendo estuprada por um cachorro. Não é spoiler, juro, e explico: O público da época se indignou, mas a cena é tão bem construída, que sabe-se o que aconteceu, ainda que ela não seja mostrada efetivamente. É intuída. Tão bem feita, que é como se a tivéssemos assistindo de verdade. Não são as cenas que são fortes, é o tema: A função da ressocialização da pena é mais do que difícil, é um mito religioso. Um "Pixote" do Primeiro Mundo.
  3. (322) "N`aum vou nem falar nada!!" Revi depois de muitos e muitos anos "Hospital", de 1971, do diretor canadense Arthur Hiller. Uma comédia hilária, absurda, passada em um hospital caótico, cujo médico-administrador está deprimido, e atingido por problemas de toda ordem, inclusive, mortes inusitadas de seus funcionários, e pacientes com tratamento trocado. Uma confusão incrível. Além de tudo, se apaixona pela filha de um dos acamados. O roteiro, vencedor do Oscar, é do mito Paddy Chayefski; sua segunda estatueta. As situações são muito engraçadas, e lidam com muitos aspectos: romance, mistério, até mesmo a denúncia sobre a ambição financeira e corrupção daqueles que lutam proximamente com o setor da saúde. George C. Scott dá um show absoluto como o protagonista, único a ter responsabilidade moral e um pouco de sanidade naquele ambiente. Sua atuação o levou a ser indicado novamente ao Oscar, em 1972, ele que ganhara e recusara o prêmio no ano anterior. Dessa vez, ele nem sequer se deu ao trabalho de recusar a indicação. O filme é delicioso e conta com várias tiradas excelentes. Fica até difícil destacar uma num roteiro tão bem escrito. Não anotei exatamente a frase, mas, em certo momento, se diz que nem Jesus Cristo ensanguentado saindo da cruz conseguiria um leito naquele hospital superlotado, fora de controle. Numa certa cena, numa discussão romântica, há a frase: "Você até abriu a janela e berrou para rua". E efetivamente Gorge C. Scott faz isso, em seguida. Uma frase que parece perdida, mas como não associá-la ao posterior texto de Chayefski, de 1976, que lhe rendeu sua terceira estatueta dourada, "Network"? - aquela coisa! No final, se diz que um dos médicos corruptos pretende voar para o Brasil. Eu que sempre reparei nas nossas canções presentes na filmografia internacional, comecei a anotar recentemente em quais filmes os criminosos pretendem evadir-se para o nosso país. Ou seja, simbolicamente somos um paraíso para os criminosos. Maravilhoso.
  4. (321) Fiquei pensando no gênero deste filme. Apenas um Drama ou um Western? Um Western contemporâneo, urbano, e em vias de extinção. Os cavalos são mercadoria, não mais meios únicos de transporte; o problema é o narcotráfico não o roubo a bancos; os outrora lotados saloons são restaurantes e hotels de beira de estrada esvaziados pela estagnação econômica. México e Estados Unidos têm suas fronteiras definidas e hipervigiadas. O mundo do Western parece assumir que perdeu seu clima. Que seu mundo é o passado. De interessante, apenas a simbologia. "Cry Macho", no Brasil, com o subtítulo "O Caminho para Redenção", é o novo filme dirigido e protagonizado por Clint Eastwood, na altura de seus 91 anos. Palmas para isso. E retiro as mãos. Muito pobre como arte cinematográfica. Não tem nada de mais. Uma trama de resgate; tirar alguém de algum lugar. A atuação do Clint é boa nas partes em que ele precisa mostrar vulnerabilidade. Nas partes de confronto, ou de ação, mostra-se inconvincente - ajudada até onde deu pelos muitos cortes de montagem. Aliás, se a atuação do menino é tida unanimemente como o ponto mais fraco do filme, eu devo dizer que as composições de cena me parecem fraquíssimas. Tipo: Enquanto Clint brinca com crianças, a mãe observa enternecida a cena com a mão na porta; cena de dança, com um beijinho no final; policiais mexicanos sendo facilmente subornados...Tudo é antiquado neste filme. Só gostei da atuação da atriz mexicana Natalia Traven, que deu um up no filme.
  5. Tudo caça-níquel. Neste Fórum mesmo há vários bissexuais e ninguém fala nada a respeito. 😄
  6. (319) "O Padre Voador", de 1951, é o primeiro trabalho de Stanley Kubrick, uma curta-metragem a preto e branco. Fiquei me indagando se ele seria classficado como um curta de documentário, ou um curta de ficção, hoje em dia, já que o padre do título não é invenção, vive a si mesmo na tela, um padre do Novo Mexico, cuja paróquia é tão grande que só pode cobri-la por meio de um bimotor. Mas é claro que as situações de trabalho, embora críveis, foram criadas para a câmera: Um sermão a um jovenzinho bully; um resgate de uma criança doente através do céu. É um trabalho simpático, sem diálogos, mas narrado, que apresenta o tal padre em suas várias facetas fora o trabalho eclesiástico com os hispano-americanos: como campeão de tiro, ou vendedor de passarinhos que ele mesmo captura. A descoberta de um padre pop, ou um elogio ao trabalho dos missionários na integração americana? 8 minutos. 320) Já "O Dia da Luta", também de 1951, é outro curta-metragem do mestre americano que segue um personagem real, dessa vez um boxeador de origem irlandesa, no dia de sua luta à noite contra um outro grande oponente. Registra-se desde seu acordar, seu desjejum ao lado de seu irmão gêmeo, a batida de peso, a verificação clínica, os últimos treinamentos, a tensão das horas até o embate, e a luta em si - aliás, bem filmada. Este já tem mais cara de curta documentário, mesmo. Com um letreiro sublinhando que todos os eventos eram verdade. Como o anterior, o voice over passa a ideia de uma apresentação jornalística para uma outra mídia qualquer. Lembro-me que em seu ótimo "A Morte Passou por Perto", de 1955, o personagem principal também era um boxeador, mas vindo do interior. Só que derrotado, by the way. 12 minutos.
  7. (318) Segundo longa do vietnamita Anh Hung Tran. "Entre a Inocência e o Crime"/ "Cyclo" , de 1995, ganhou o Leão de Ouro em Veneza naquele ano, coroando sua explosão de sucesso anterior, com "O Cheiro do Papaia Verde". Situado entre dois filmes que abordam a delicadeza familiar, mais que isso, uma delicadeza doméstica, como o primeiro já citado e "As Luzes de um Verão", este filme é sobre uma família, mas é mais fora de casa. É um drama policial duro, duro, duro - tipo com o corpo de um homem sendo incendiado (não sei como fizeram a cena!). Um pobre garoto de 18 anos, órfão, arrimo de família, tem seu riquixá roubado, e se vê na necessidade de entrar para o crime a fim de saldar a dívida com a real proprietária do veículo. Entremeios, sua irmã (interpretada pela esposa do diretor, presente em todos os filmes) terá de encarar a prostituição. Em comum, os dois irmãos estarão nas mãos do mesmo rufião, da mesma quadrilha. A situação social precária põe os jovens em risco; é a moral do filme. Seria um filme comum, se não fosse o marcante estilismo do diretor. O Vietnã em seus filmes é verde, úmido, molhado, populoso, embora silencioso. Cada cena é muito estudada, muito preparada. A belíssima Fotografia é como sempre do francês Benoît Delhomme ("No Portal da Eternidade"), que deveria ser mais premiado. Para quebrar o asiático da coisa, digamos assim, há uma linda cena em que se toca "Creep" do Radiohead. O que me faz lembrar que em "As Luzes de um Verão" se tocava Lou Reed. Parece estranho, mas tudo se encaixa na atmosfera única do filme.
  8. Sou mais um entre os milhões de fãs espalhados pelo mundo da escritora italiana Elena Ferrante. Ou será escritor? Ninguém sabe a quem pertence ao certo esse pseudônimo. Mas que bom que o cinema tenha descoberto sua extraordinária literatura. Maggie Gyllenhaal venceu o Prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Veneza 2021 ao adaptar este "A Filha Perdida", e vem forte para a disputa do Oscar também.
  9. (317) Terminei de ler a HQ "Henri Désiré Landru", do Christophe Chabouté, e procurei ver o filme de 1963, de Claude Chabrol, intitulado "Landru" ou no Brasil "A Verdadeira História do Barba Azul". É engraçado como as duas narrativas são diferentes, mas sofrem do mesmo mal. Enquanto a HQ inventa um contexto diferente sobre esse serial killer francês, propondo uma reimaginação sobre os motivos dos crimes; Claude Chabrol fez um retrato histórico fiel ao pouco que a polícia descobriu, porém com um tom quase de comédia, aproveitando a porção sedutora, vigarista e inteligente, daquele homem. Porém, filme e HQ padecem do mesmo ponto negativo. São muito repetitivas. Afinal, o modus operandi do crime é o mesmo. Seduzia as solitárias mulheres que viviam em Paris durante a Primeira Guerra Mundial; as levava para a sua casa de campo; as matava; incinerava os corpos, e se apropriava dos bens delas. Foram dez vítimas mulheres comprovadas, mais o filho adolescente de uma delas, embora se acredite terem sido muito mais. Na HQ, há mais sangue, mais violência, mas no filme não há nada. Uma decepção para quem espera um thriller. Simplesmente corta-se para outra cena, para não mostrar os assassinatos. Não há ação nenhuma! O filme se contenta em explorar a personalidade caricata do homem. Até mesmo o aspecto político, como a exploração midiática do caso, que encobriu o conteúdo do Tratado de Versailles, ficou a desejar. A HQ não é a obra-prima "Do Inferno". O filme não é "Seven". São experiências incomparáveis, a menor. Em certo momento, o assassino propõe a uma das vítimas viajar para o nosso Brasil para ouvir fandangos...
  10. (316) Acho que é o primeiro filme do Equador que vejo. "A Que Distância", de 2006, é um road movie bem básico, enquanto arte cinematográfica, mas que conquista o espectador por nos apresentar as entranhas de um país muito distante da pauta mundial. A diretora e roteirista Tania Hermida traz a história de uma turista espanhola que conhece em um ônibus uma estudante que viaja para a cidade de Cuenca, na serra equatoriana, a fim de impedir o casamento inesperado de seu então namorado. O motivo da viagem não importa, o que importa é o caminho. As duas vão esbarrando em tipos curiosos, fazendo amizade, tendo discussões com eles sobre a questão indígena, sobre a instabilidade política no país, sobre o ressentimento com a colonização espanhola...Bem como, de maneira até óbvia, tocam em questões culturais do país, como o interesse por futebol, por telenovelas, o medo de terremotos, ou falam de costumes sociais de repressão femenina... O problema é que falta nitidamente grana. A Fotografia é bem pobre, o que me faz pensar no quanto esse poster que localizei é falso. A todo o tempo, lembrava-me de um comentário de um grande fotógrafo, dos filmes do Apichatpong, dizendo que a luz da Linha do Equador é péssima, sem contraste, com muita sombra. Sei lá se é por isso, ou por falta de meios, mas um filme de viagem necessariamente precisaria de umas paisagens mais bem destacadas. De qualquer forma, um filme bem simpático.
  11. (315) Vi o delicioso "A Ilusão Viaja de Trem"/ "A Ilusão Viaja de Bonde", de 1954, um dos filmes da fase mexicana de Luis Buñuel. Uma comédia com forte crítica social, e que tem ares de road movie. Dois amigos, trabalhadores de uma companhia de bondes da Cidade do México, consertam um dos veículos que está em vias de deixar de rodar e ser substituído, mas são repreendidos pelo patrão pela "eficiência" em consertarem o velho bonde. Vão a uma quermese de final de ano, que encena um divertidíssimo e lisérgio Auto de Natal, embriagam-se, e, decidem se apoderar do bonde para uma última viagem. Um crime, uma apropriação indébita sentimental, vamos dizer assim. Nesta última viagem pelas ruas da grande metrópole, deparam-se com problemas sociais, como, por exemplo, saques, ou discussões sobre a alta inflação do momento. Em uma cena, populares, donas de casa, se revoltam com o aumento do preço do pão, e discutem com o dono do armazém. E ele responde que só está repassando o preço. Porém antes, um professor liberal explicava o que é a causa real da inflação: A expansão monetária pelo Governo. Como um liberal, fiquei extasiado, lógico. Enquanto o povo briga com os chamados pelo comunismo de "formadores de preço", os comerciantes, uma pessoa mais informada explica o que realmente causa a fome das pessoas, o gasto desenfreado dos políticos. Qualquer pessoa que goste de Economia ficaria louca de ver isso. Melhor que muito noticiário, que difunde erroneamente que inflação é "aumento de preço". A melhor cena contudo é o Auto de Natal, como se fosse um teatrinho da Vila do Chaves. Adão e Eva se pegam atrás de uma moita; anjos e demônio atiram um nos outros; o deus do Velho Testamento recrimina tudo e todos. Buñuel dando sua pitada surreal e ateia. Um filme leve e adorável.
  12. (314) Foi a segunda vez que vi "Ghost in the Shell"/ "O Fantasma do Futuro", de 1995, do diretor Mamoru Oshii. Eu tento. Mas não dá. Pelo menos, consigo achar melhor do que o tenebroso e controverso "A Vigilante do Amanhã", de 2017. Sempre me pergunto se o problema é meu cérebro humano diminuto, não robô; se não aprecio por que eu não li o mangá; ou se é por que o roteiro é simplesmente ruim. Digamos que seja a terceira hipótese...Todos os diálogos são como um caminhão descarregando areia, superexpositivos, com uma carga de informação e complexidade muito acelerada. Numa leitura, paramos, voltamos a página. Mas o cinema é um curso para a frente! Não é pra ser assim, parando e voltando. É um fluxo. Quem admira essa animação filosofa sobre os limites da inteligência artificial, se ela para na consciência natural, ou na problemática palavra alma...De fato, temos um conceito muito bom, conceito pra dar e vender, mas o enredo não ajuda em nada. É tudo muito difícil. Até "Akira", que tem uma parte muito confusa também, do meio para o final, foi uma experiencia mais acessível para mim. Um dia, espero ter o mangá. Ou ter uma namorada Otaku que me ajude a ver o que eu não vejo nesse trem.
  13. A HQ de 2006 "Henri Désiré Landru", do mestre Chabouté, sobre o maior serial killer da história francesa. Parece que a intenção não foi fazer uma exata reconstituição histórica, mas propor outros caminhos ficcionais, mais duvidosos e alternativos.
  14. (313) Aí, @Jailcante, conferi "Halloween 4: O Retorno de Michael Myers", de 1988, assinado pelo diretor Dwight H. Little. É engraçado por que o significado da palavra retorno vai além de garantir ao público que o vilão (pelo que sei, ausente do III) estava de volta. Eles voltaram basicamente com a mesma história do filme original, só que dez anos depois: Uma perseguição incessante a um parente, na noite de Halloween, após uma escapada do sanatório. Não é retorno, é "déjà-vu". A parente em questão, a garotinha, vivida de forma excelente pela atriz Danielle Harris, é sobrinha do Myers. Conforme uma rápida explicação, sua mãe morreu (Jamie Lee Curtis recusou-se a fazer o filme), e sua filha foi adotada por outra família. É o "retorno" das mesmas ideias. Mas realmente não há nada de novo no arco da história, só mesmo a cena final - pela qual valeu ter conferido o filme. Usaram toda a fórmula que deu certo no I e II, desde a música maravilhosa durante a ação, como no primeiro; loiras peitudas, e mais violência, como no segundo. Só senti falta de mais cenas com câmera subjetiva, por entre as casas da vizinhança. Gostava dessa perspectiva. Mas, repito, não acrescentou nenhuma ideia muito nova, a não ser pela cena final. E a cicatriz mutante do Dr. Loomis? Denota pouco cuidado da produção.
  15. (312) @Jorge Soto, por acaso, você conheceu - não no sentido bíblico - a "Vagina Dentada"? É uma película de 2007, o primeiro filme do ator e diretor Mitchell Lichtenstein. Um terror crítico, uma comédia B, muito legal, que é quase um parente anterior de "Promising Young Woman". O medo masculino da castração guia este filme. É a literal morte do pênis! É a literal vitória da vagina! Nenhuma feminista conseguirá fazer melhor do que isso. Um filme nada xarope, nada discursivo, político sem ser chato. Ainda bem que é trash, e trash até no nome, chamando os curiosos para vê-lo. O filho do artista Roy Lichtenstein mandou muito bem, ganhando prêmio em Sundance. Adorei. Mas tive um baita medo psicológico. Ou seja, a mensagem funcionou! Funcionou pra caralho! Ou melhor, funcionou menos para ele.
  16. (311) Vi hoje o excelente "Bom Dia", de Yasujiro Ozu, feito em 1959, mesmo ano de "Ervas Flutuantes". É brincadeira! Por meio da birra de dois irmãos que, com um pacto de silêncio e greve de fome força os pais a comprarem uma televisão, Ozu retrata toda uma vizinhança no Japão dos anos 1950 tomada pelo frenesi da chegada de novas tecnologias, como uma máquina de lavar, uma torradeira, e, claro, a televisão - em substuição ao tradicional rádio. Na verdade, está mostrando o impacto do American Way of Life no Japão do pós-guerra, no qual as crianças também tomam suas primeiras lições de inglês. Um belo roteiro, profundo socialmente, que fala em paralelo da substituição das gerações, mas alinhavado pela graça e fofura das crianças. A direção é soberba, como sempre, feita naquele "olhar do tatame", com a câmera à meia altura do chão. Um jeito de filmar único, a assinatura digna desse mestre da delicadeza. Amei!
  17. (310) Frequentemente, para provar que os filmes são muito silenciosos, anoto o minuto em que foi dita a primeira palavra. Nove, doze, vinte e dois, etc, mas com o soberbo "O Baile", de 1983, não é preciso. Não há sequer uma palavra em seus 112 minutos. Não tem nenhuma palavra, mas não é sem som. A música instrumental vige. Mas não o classificaria como um "musical". Não se canta. Os clientes assíduos de um salão de baile contam a história da França no Século XX. Parece algo grandioso, mas tudo se dá em um único cenário. Uma pista de dança. Resumidamente, dos anos 1930, os personagens-dançarinos celebram uma França festiva, alegre, com músicas do país. Depois vem a Guerra, em tons tristes, "Lili Marlene", e outras músicas alemãs para marcar o período da dominação. Depois da libertação, o domínio americano, com Irving Berlin e o jazz. Depois a França mais aberta ao mundo, com músicas latinas, inclusive, a nossa "Aquarela do Brasil", e um samba adaptado pelo turco Darío Moreno, "Si Tu Vais à Rio", composta por Carvalhinho como "Madureira Chorou". Depois vem o Rock de Elvis Presley quebrando tudo, depois os protestos de Maio de 1968, a música eletrônica...O fim é o próprio fim da cultura de salão. Em todas essas mudanças, os personagens trocam de figurino, de cabelo, de atitudes. Mas mantêm-se sempre caricaturais. Suas personas são as expressões de seus caráteres. Os tímidos sempre são tímidos, em todas as épocas. Os românticos sempre são românticos, em todas as épocas. As fogosas são sempre fogosas, em todas as épocas. As solitárias leem uma revista de cinema, tomando chá de cadeira, em todas as épocas.... Ettore Scola mandou muito bem. A execução da ideia é maravilhosa. Entendemos tudo. Indicado a Melhor Filme Estrangeiro em 1984, representando a Argélia. Perderia a estatueta para "Fanny e Alexander" - aquela coisa!
  18. (309) Se chamarem "O Anjo Azul", de 1930, de dramedia, não estarão errado. O clássico filme do austríaco Josef von Sternberg começa registrando as travessuras de alunos ginasiais às voltas com cartões "eróticos" de mulheres do cabaret da cidade: O Anjo Azul. O professor mal humorado descobre que o grupo estudantil frequenta o lupanar e como um fiscal de moralidade irá lá procurar por eles, e acabará se apaixonando pela grande atração do lugar: Lola Lola, personagem de Marlene Dietrich. Começa engraçado, mas termina tragicamente. O prestigiado professor desmorona em sua respeitabilidade social ao se apaixonar pela cantora-dançarina, a ponto de perder o cargo na escola. Rimos também da mudança de valores estéticos. As meninas do lugar são quase "idosas", roliças, muito vestidas...De sexy, nada, ou apenas, uma calçola atirada...De triste (e irônico), o professor que iria impedir a derrocada moral é quem cai na armadilha da paixão. Filme que fez Dietrich famosa internacionalmente, mas quem dá show de verdade é o talentosíssimo suíço Emil Jannings, primeiro ganhador do Oscar de Melhor Ator. Os dois astros de sua época, no entanto, seguiram caminhos opostos na vida real. Enquanto Jannings tornou-se um ator adorado pelo Terceiro Reich, ficou marcado pelo comprometimento com o nazismo; Marlene fez diversas campanhas sociais destinadas aos Aliados, visitas às tropas, e abrigou exilados também.
  19. (308) O atrasadinho aqui só hoje na madruga foi conferir "Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis", um sucesso grande de bilheteria, e que ganhou os holofotes por dar protagonismo à população de origem asiática agora no universo Marvel. Como vocês sabem, não dou importância a esse tipo de realce. O trabalho entregue deve falar sempre mais alto do que essas questões de cunho sociológico. Os méritos e os problemas do filme, em meu julgamento, seriam os mesmos caso fossem feitos por extraterrestres, latinos, mulheres, trans... De mérito, as coreografias de luta. A elaborada cena com o ônibus. As piadas mais encaixadas. As cenas pós-crédito. De ruim, muita coisa. Sinceramente. Eu gosto muito dos filmes do Destin Daniel Cretton, sua enorme sensibilidade ("Temporário 12"!!), e tal, mas aqui não vi nada dele. É o mesmíssimo esquema visual de sempre. Aliás, achei até as cenas mais poluídas do que o costumeiro. Aqueles céus dourados, contrastantes...Os efeitos protocolares, sem inspiração. Os inimigos serem repetidamente criaturas repugnantes voadoras, surgidas no nada, sem contexto... Meu temor é esse esquema comercialzão da Marvel engolir também a Chloé Zhao. No mais, achei a trama péssima, uma bobagem. Tô muito velho.
  20. (307) Minha vez de ver "CODA"/ "No Ritmo do Coração", nessa versão americana da diretora Sian Heder, superpreamiada e muito bem vendida em Sundace 2021 por mais de 25 milhões de dólares, mostrando que versões podem sim acrescentar algo especial e relevante a um filme original. Gostei de tudo, principalmente do elenco. Marleen Matlin é especulada como nome certo entre as futuras premiações como Atriz Coadjuvante, mas eu creio que o ano será bem disputado nessa categoria...Tem chances de nomeação, sim. E campanha fará, muita. Já está fazendo. Devo dizer também que a atriz Emilia Jones arrasou. A cena final da "audição" é desconcertante de tão bonita, né? É sacanagem. Adorei a performance do ator Troy Kotsur; tomara que lembrem dele nas premiações, por que merece demais. Gosto como o filme mostra sem discursos inflamados, mas com elementos sutis, como a vida é mais custosa financeiramente para pessoas PcD. Em dado momento, vemos como a fachada da casa deles é muito mais pobre do que às da vizinhança; ao lado da questão toda do trabalho do barco requisitar outra pessoa ouvinte.
  21. (306) Sou a pessoa menos interessada em contos medievais que pode haver, no entanto, eu estou apaixonado por "O Cavaleiro Verde". Amei! Queria ter até prestado mais atenção em certas partes, mas só do meio para o final é que realmente o filme me fisgou. O melhor para mim foi ver o filme fugir da tradicional luta de espadas entre clãs, da sanguinolência multiplicada, ou da opulência fácil da ornamentação; e sobretudo, realmente trazer uma história mais profunda sobre valores éticos. Ao longo da jornada, o personagem do Dev Patel comete pequenas desonras para um cavaleiro. Não são grandes, são pequenas. Profere uma mentirinha, cai em tentação ( Que ousada aquela cena!), rejeita quem o acompanha...Mas ao final, temos uma redenção. Ou não. Adorei a ambiguidade, embora, na minha cabeça, exista espaço para um final feliz. A Fotografia deste filme é maravilhosa. Se o mundo fosse justo, Andrew Palermo teria de concorrer a todos os prêmios. Mas tudo é impecável, Figurino, Design, Efeitos visuais, a seleção dos cantos, olha, estou encantado com toda a parte técnica. Um trabalho soberbo.
  22. (305) "A Nuvem Rosa" foi muito bem recebido em Sundance 2021. Escrito em 2017 e dirigido em 2019, o filme é quase profético sobre o retrato de um isolamento forçado, seja por uma nuvem rosa tóxica misteriosa como na tela, ou seja por um vírus ardiloso na nossa vida real. O filme se centra sobre a relação forçada entre duas pessoas que ficaram juntas na véspera, e precisarão conviver dentro de um apartamento por um longo tempo... O roteiro escolheu ser apenas íntimo, doméstico; não há nada de cientificidade, tecnologia, questões políticas, nada. É que o filme nitidamente não tinha escala para dar conta do mundo externo. Ficou restrito às relações pessoais. O Dalenogare usou a melhor palavra: é antiapocalíptico. Dito isso, o filme tem bons momentos, ajudado em muito pela semelhança com o que estamos de fato passando. Não há como não dar parabéns à imaginação de Iuli Gerbase por ter quase adivinhado diversas situações e necessidades. Os dois atores principais estão apenas "ok". Acho que faltou intimidade com a câmera. Não sei. De todo modo, me vi muito no desespero da protagonista. Ela odeia a nuvem rosa, ressente-se do seu mundo perdido. Igual a mim. Todo o tormento existencial que ela passa, eu também passo; para ela e para mim é impossível "se acostumar" com o chamado Novo Normal.
  23. Ainda não vi os filmes, nem sei se pretendo, mas devo dizer que nesses muitos anos desde a época do crime, me vejo quase defendendo a Suzane! Olha que situação absurda! É que a mídia não aceita ela ter saídas de Natal, ela ter - sei lá eu - progressão de regime, ou ter direito a irônica saidinha de Dia das mães, de Dia dos Pais. Estão sempre acompanhando atentamente essas simples etapas da Lei de Execução Penal, como se fossem um absurdo, e só para ela é um absurdo. Para os outros milhões de presos do país é um direito do condenado, na vertente da Pessoa Humana. Acho muita hipocrisia ser só com ela a atenção sensacionalista. Me irrita: Não há nada de excepcional no caso dela!! A verdade é essa! Todos os dias, todos!, tem notícia de parricídio, ou de mãe que mata seu filho bebê, ou de pai que mata filho, de neta que mata avó...O mundo cão é repetitivo.
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