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Forum Cinema em Cena

SergioB.

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Everything posted by SergioB.

  1. (304) Qualquer bobagem de Woody Allen é melhor do que 2/3 dos filmes sérios atuais. "Bananas", de 1971, às vezes é tido por, como falei, mera bobagem; por outros é tido como um de seus melhores filmes. Era só o terceiro, em sua longa carreira... Há a esquecida cena do personagem dele, logo no começo, comprando sigilosamente uma revista erótica na banca de jornal, e em certo momento, se bem entendi, diz, para despistar o interesse, que está "fazendo um estudo sociológico sobre Perversão e nesse momento um estudo superior de Pedofilia", e aperta o seio de uma cliente da banca. Hoje em dia, o genial diretor é um artista cancelado, e o cancelamento das redes infelizmente não tem solução. A pena é democraticamente perpétua, mesmo sem razão. Ainda bem que seus indignados canceladores não têm noção dessa piada... O filme é repleto de gags, repleto de humor físico (do tipo, cair num bueiro), mas é muito carismático e bem sacado. Sátira muito eficaz contra as replubliquetas latino-americanas, a intromissão dos USA na manutenção das Ditaduras, a cobertura internacional acéfala da mídia... Porém a parte séria está rendida ao riso. Ainda bem. Passei mal de rir com o texto final, da cena de sexo assemelhada a uma luta de boxe. Abaixo: (E tem a participação improvável de Sylvester Stallone como um assaltante de metrô)
  2. (303) Nunca tinha visto "Contos da Era Dourada", de Cristian Mungiu, de 2009, longa posterior a "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias" - aquela coisa! Depois daquele intenso drama, o diretor realiza esta deliciosa comédia episódica para a tv romena, contando seis "lendas", ou histórias engraçadas, da Romênia na era Ceausescu. Acertadamente, não é um filme político. É micropolítica. Há a história de uma aldeiazinha superatarefada para receber uma comitiva oficial, e a comitiva não aparece. Há a história de um pequeno jornal em que os editores fotográficos tentam colocar um chapéu fake na cabeça do Presidente, para o então mandatário sair bem em uma foto, mas não percebem que cometem uma bobagem, e precisam recolher desesperadamente o periódico. Há a história de um inusitado roubo de ovos destinados à exportação, quando nos inteiramos do absurdo que o Ditador provocou ao ordenar que TUDO que o país produzisse deveria ir ao comércio exterior, a fim de conseguir dólares para pagar a dívida externa...Em suma, são pequenas situações que mostram o medo da população, o servilismo da imprensa, a degradação econômica do país... Amei particularmente duas dessas histórias: Uma que mostra um romântico ativista do partido socialista tentando erradicar por si mesmo o analfabetismo entre adultos de uma aldeia. Em duas semanas, sem precisar de aulas, o problema está resolvido; por decreto. Isso me leva a indagar como é que tem gente tão inocente que ainda hoje acredita nos indicadores sociais de Cuba, por exemplo, no que tange a desnutrição infantil, escolaridade...A esquerda brasileira vive permanentemente em um conto de fadas desses mostrados por Mungiu! Por exemplo, estou esperando a vacina Soberana até hoje, enquanto a iniciativa privada americana já criou várias, supereficazes, e que até estão sendo distribuídas para mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo, inclusive para o Brasil. Mas o melhor episódio é o mais longo deles, de coletores de água e ar. Uma excelente história sobre dois jovens que tentam enganar as pessoas para roubar-lhes, na verdade, garrafas, e com a revenda deles, assim comprar um carro. Para fugir. O Socialismo foi um fracasso no campo econômico, no campo moral, no campo social - além de assassinar mais de 100 milhões de pessoas e contando...Temos aqui o exemplo romeno para rir ou para nos horrorizar.
  3. (302) "N`aum vou nem falar nada!!!" Possivelmente o melhor filme que vi lançado em 2021! É verdade que tenho visto poucos lançamentos, com minha cabeça estranhamente voltada para outro tipo de cinema nos úlltimos meses. Mas que filme! As críticas se dividiram, embora Leos Carax tenha levado o Prêmio de Melhor Diretor em Cannes. Justíssimo prêmio, pois cada cena de "Annette" é meticulosamente realizada. Inteiramente cantado. Mas nada de Broadway; é mais na linha de "Os Guarda-Chuvas do Amor". É, numa palavra fora de moda, entoado. Não sabia nada sobre a trama, pois evitei ao máximo ler sobre, e acho que assim a surpresa foi maior. Não imaginava que o filme tratasse sobre os desvios de caráter da fama. Achei a atuação do Adam Driver excelente (ele, o oposto de Denis Lavant, em altura e imposição). Mas mais a da "Annette". Que coisa estranha e atraente! Fiquei vidrado em toda aparição dela! Amei as canções, por não serem "canções". São abstratas, sem emoção, e embora sejam "narrativas", pois o filme é todo cantado, elas são muito pouco ou nada dramatúrgicas, conforme somos acostumados. Que talento o desse homem! Tendo visto toda a sua filmografia, na maratona do ano passado, meu ranking Leos Carax se altera portanto: 1) "Holy Motors"; 2) "Os Amantes de Pont-Neuf"; 3) "Annette"; 4) "Pola X"; 5) "Merde", segmento de "Tókio!"
  4. (301) O que poderia ser mais aprazível do que uma tarde recreativa no lago ao lado de Gene Tierney? Na madruga, esse clássico de 1945, "Amar Foi Minha Ruína". Vi criança com meus pais e nunca esqueci a cena do lago. Como poderia? Uma das atrizes mais belas da história, e que no ano anterior tinha arrebentado na obra-prima "Laura". Aqui, ela está excelente também, trabalhando junto do húngaro Cornel Wilde; os dois indicados ao Oscar em 1946; ela por este filme; ele em reconhecimento a sua atuação como Chopin em "À Noite Sonhamos". O filme ganhou apenas Fotografia; imagino que por captar a luz do Maine e da Geórgia, já que as cenas no que seria o Novo México me pareceram feitas em paineis pintados de estúdio. Se a parte jurídica do imbróglio é contestável, a parte psicológica é bem crível. Uma paixão infantil pela figura do pai, já morto, com o ciúme derivando desse medo de perdê-lo novamente, agora espelhado na figura de seu amor. Um melodrama que serviu de inspiração para 1/3 das novelas brasileiras e metade das mexicanas. Não sem razão. É ótimo.
  5. (300) Na expectativa por "Red Rocket", revi o excelente "Tangerine", de 2015, do Sean Baker. Filmaço. Mas vou dizer que o roteiro me interessa menos do que sua estrutura, completamente filmado que foi em iPhone 5S. Não só tem uma fotografia sensacional, com um filtro amarelo, mas também tem um ritmo de cena muito jovem e real. No divertido canal do Youtube "Perdidos em L.A", há alguns vídeos sobre essa zona de prostituição na periferia da cidade. Tipo, são quarteirões à luz do dia, com esse cheirão de sexo pago, com esse cheirão de vidas à margem. Por vidas marginalizadas, não só as prostitutas trans, mas também os imigrantes (armênios) - que não conseguem se integrar de fato ao tecido social. Amo se tratar de um filme de véspera de Natal. Natal, para os outros. "_ A vida pode ser muito cruel" "_ Eu sei. Deus me deu um pênis"
  6. (299) Em conhecida entrevista, Quentin Tarantino elenca seus vinte filmes favoritos desde que começou sua carreira de longas, em 1992, até aquela data, de 2009. Não os enumerou, deixou claro apenas o primeiro lugar: "Batalha Real", de 2000, do japonês Kinji Fukasaku. É a adaptação de um livro de 1999, que depois do sucesso gigantesco deste filme, tornou-se um mangá conhecido. Realmente, o filme é ótimo, muito divertido, e bem executado. Tarantino amou por que se viu. É violento, engraçado, cheio de ação, sangue, capítulos, e reviravoltas. Uma das atrizes que mais manda bem, e não escapou aos olhos do diretor americano, é Chiaki Kuriyama, que depois participaria de "Kill Bill". O filme é uma distopia juvenil, que toca um riff de guitarra em cima dos conceitos de "O Senhor das Moscas". Em um país opressivo e militarizado do leste asiático, vivendo uma turbulência social com 15% de desemprego (vejam bem, conheço um certo país aí com 14%...) e lixo nas ruas (não menos do que na minha cidade às segundas-feiras), os jovens estão em protesto, abandonado as escolas. Como forma de criar um terror psicológico, e fazê-los recuar da deserção escolar, o governo cria um plano para atemorizá-los psicologicamente. Um plano não, um jogo mortal. Selecionam 43 jovens do ensino médio de uma escola para uma expedição a uma ilha, onde a tarefa de casa é simplesmente "matar o coleguinha". Só um será declarado vencedor, depois de 3 dias, aquele que conseguir sair vivo - lembrando que esse livro e filme são bem anteriores a "Jogos Vorazes". Takeshi Kitano interpreta o professor, encarregado de tocar o jogos, e arrebenta em cena. Cada frase é dita com muito tempo de comédia e terror. Acontece de tudo. Aluno que se suicida, aluno pacifista que morre, aluno que se torna macabro, aluno que tenta tirar a limpo conflitos escolares do passado...As mortes ou são violentíssimas, gráficas, ou são cômicas. O filme é conduzido muito bem entre essas duas linhas. No campo mais profundo, é uma crítica ao comportamento japonês de obedecer ordens, só por uma questão hierárquica. A rebeldia pode nos salvar! Gostei muito. Mas dizer que este é o melhor filme de 1992 a 2009 é meio forçado. É apenas o filme que Tarantino gostaria de ter feito. Dizem que este filme gerou um filme americano cujo enredo é parecido, mas o cenário é em uma penitenciária. Talvez o mestre @Jorge Sotosaiba qualé.
  7. (298) Um dos cineastas mais criativos dos ultimos tempos é o neerlandês (odeio usar esse gentílico) Alex van Warmerdam. Já é hora dos Festivais olharem com carinho para o seu trabalho. Em seu "Schneider vs. Bax", de 2015, ele entrega uma comédia policial muito legal, em que um assassino de aluguel (que é um exemplar pai de família) é contratado para matar um escritor (vivido pelo diretor), em uma região pantanosa dos Países Baixos. Porém, como em todos os seus filmes, nada é o que realmente parece ser. Aos 40 minutos, ocorre uma virada sensacional, que meu vontade de bater palmas. Equiparada ao inesquecível final de "Garçom", de 2006. Mas...infelizmente, tenho que ser sincero, e dizer que o filme depois não sabe se resolver. A ponto de a esposa do diretor, a ótima Annet Malherbe, ter ficado com um papel aquém do seu talento. Mesmo assim, louvo seu cinema: inventivo, irreverente, fora da caixa. Irmão europeu dos Coen. Um dos pontos a se destacar é que os dois adversários do título, muito inteligentemente, não se encontram.
  8. (297) Insólita a figura do goleiro no futebol. Único autorizado a jogar com as mãos; tem uma área determinada de atuação; usa um uniforme diferente; é um solitário; um estraga-prazer ao impedir o gol. Em seu segundo filme, "O Medo do Goleiro Diante do Pênalti", de 1972, o diretor Win Wenders leva às telas um romance homônimo do escritor, Nobel 2019, Peter Handke, que coassina o roteiro, romance esse que brinca com o arquétipo dessa posição no futebol. No começo do ano, li meu primeiro livro do Handke, que me encantara pelo título - "Don Juan (narrado por ele mesmo)" - mas o susto foi grande. Aqui o mesmo susto. Uma história igualmente esquisita, estranha, contra as expectativas, que usa os símbolos de uma forma sarcástica. Em um campinho do interior da Alemanha, logo no começo do filme, um guarda-redes surta ao levar um gol. É curioso, pois não vemos propriamente a ação do chute, pois os olhos da câmera estavam concentradas nele perto de uma das traves. Mas quando o gol acontece, a câmera e a atenção de todos se voltam para ele brigando com o árbitro, alegando ter sido uma ação ilegal. Torna-se, assim, o centro das atenções, pela primeira vez no jogo. É expulso, e suspenso de algumas partidas. Bom, inusitadamente, o protagonista em seu tempo livre passará os próximos dias indo ao cinema, se envolverá com uma moça, e, do nada, sem motivo algum, a matará. Então, procurará fugir, mudando-se de hotel em hotel. Mas a questão é que a polícia nem desconfia dele, nem os moradores, por mais estranho e violento que seja seu comportamento nos arredores. Estamos diante de um psicopata; sim, é um psicopata e ninguém nota! Segundo a conclusão da história, ninguém liga para o goleiro. Por suas características, ele não é o protagonista. Filme antigo, que não foi inspirado no caso do goleiro Bruno. Mas poderia.
  9. (296) Os anos 1980 dão de 1000 nestes anos 2020! A gente olha um filme assim, e percebe que as interações entre as crianças; mais constantes, mais livres, e sobretudo menos vigiadas; rendiam menos adultos de cristal. Vi hoje cedo, "Os Goonies", de 1985, na Netflix. Sei que todo mundo adora a parte subterrânea da casa e suas armadilhas, mas me enjoavam pelo excesso desde criança, eu gostava e gosto muito da primeira parte, com a apresentação dos personagens, do bairro, da casa. O legal foi saber que se fazem excursões até às locações na cidadezinha de Astoria no Oregon, e até um festival em homenagem ao filme. Se pudesse, iria com certeza. Há uma cena do Josh Brolin carregando o irmão Sean Austin, pela varanda, e o garotinho se entrega, como se derrotado, e sai com os pés comicamente se arrastando. Eu fazia muito isso com meu pai. Richard Donner, morto em julho, entrega mais um sucessão, superdivertido, e que marcou época. Que navio é aquele? Bela construção. Doeu saber que a Patty Duke, mãe de Sean Austin, em uma limpeza doméstica, jogou fora o mapa do tesouro! Aliás, ele arrasa desde pequeno. A cena dele com o pirata é linda. Martha Plimpton, muito expressiva também.
  10. Eu me apressei a ver, justamente por que você comentou impressionado. Sobre o garoto, eu não sabia nada da história...Que coisa, heim?!
  11. (295) "N`aum vou nem falar nada!!!" F I N A L M E N TE !! Gente...Eu poderia tá com meus amigos nesta tarde de sábado em um barzim bebendo cerveja e comendo bolinho de angu; eu poderia tá jogando vôlei com meus parças; eu poderia tá me deliciando com as cocotinhas; mas não, eu tô aqui enfurnado em casa, desperdiçando um lindo dia de sol lá fora, vendo um filme de 4 horas de duração! Mas não é qualquer filme, é o clássico "Um Dia Quente de Verão", de 1991, de Edward Yang. Ao longo do ano, assisti a outros filmes dele para me preparar para essa jornada, e não me arrependi. É realmente um filmão! Conhecer mais a filmografia dele foi importante para testar minha paciência com a vagareza de seus planos. E a extensão dos planos, a calma, e a paciência que há dentro das cenas, inclusive, não só no espectador, fazem bem ao filme. É um trabalho de imersão. O único momentro que parei foi por que tive de dar aquele Google maroto e pesquisar uns lances políticos da ilha de Taiwan. O filme, nesse aspecto, não é didático. Ao contrário, é lírico. Embora, por outro lado, se trate de um filme inspirado em um evento real, de matiz policial. A pesquisa foi instrutiva para eu perceber um lance das cores do filme. Durante o longo governo ditatorial de Chiang-kai Shek, na ilha nacionalista, implantou-se uma perseguição política a quem fosse comunista-continental, e isso ficou conhecido, como "terror branco", derivando em milhares de mortos e torturados. Eu tava mesmo encafifado como tudo era branco, dos armários do colégio às camisas das pessoas, às bandejas de café...Será que é piração minha? Mais além, o filme mostra como a ilha estava tomanda nos anos 1960 pelo militarismo, que se reflete, no mundo juvenil, pelo confronto das gangues. Há também a ocidentalização forçada, com as músicas de Elvis Presley dominando a cultura (e se espraiando em versos até no título do filme); ocidentalização refletida em matéria religiosa, com a irmã do protagonista, quase uma crente; e a ocidentalização em matéria econômica, com as figuras da irmã mais velha e da mãe (algo presente também em "História de Taipei") sonhando com uma possível ascensão profissional da família na América. Se as duas primeiras horas são mais enfadonhas, mais difíceis, muito presas ao mundo juvenil; as duas últimas horas são ótimas, mostrando a perseguição à acovardada figura do pai (algo disso há em "História de Taipei") com destaque para os sensacionais e surpreendentes 40 minutos finais. Dizem que é um dos melhores filmes de todos os tempos. Mas quem vai encarar e comprovar? Seus exatos 257 minutos são em geral obstaculizantes, tanto que o diretor entregou também uma versão menor com 188 minutos. De qualquer forma, assim como um bolinho de angu e uma cerveja gelada; um voleizinho disputado; e umas cocotinhas do Tinder; sim, vale a pena gastar um sábado imerso cinematograficamente neste dia.
  12. Eu tenho um interesse inexplicável por essa pontinha final da América do Sul. Não sei se vocês sabem, mas em certo ponto, a fronteira do Chile e da Argentina não está definida ainda. Como sei que você é das montanhas, Soto, recomendo o "No Coração da Montanha", de 1991, do Herzog. É muito bom. Mas nenhum deles superará outra obra do Herzog, aquela coisa ES-PE-TA-CU-LAR chamada "A Caverna dos Sonhos Esquecidos", que é um dos documentários mais arrebatdores que já vi. Me arrepia!
  13. (294) Assisti a esse pouco falado documentário de Werner Herzog, de 2019, "Nômade: seguindo os passos de Bruce Chatwin". É uma produção que homenageia o escritor de viagens inglês Bruce Chatwin, que foi muito próximo do diretor, a ponto de Herzog adaptar para as telas um de seus romances em "Cobra Verde", e dedicar a ele uma ficção, "No Coração da Montanha", cujo protagonista é sua persona. Mais uma homenagem aqui portanto, um documentário. Mas não é biográfico exatamente. É mais sobre a amizade dos dois, e sobre o amor que ambos têm pelo chamado nomadismo. Os dois amigos compartilhavam suas paixões pelos extremos da Terra, e pelos povos que estão em desaparição. O doc começa no primeiro lugar do mundo que fascinou Bruce, a Patagônia chilena e argentina, onde ainda no século XX eram encontrados facilmente peles e esqueletos de preguiças-gigantes, e outros dinossauros, bem como descendentes de tribos muito particulares, muito exóticas. Depois, estamos na Austrália Central, na qual o homenageado buscou coletar canções misteriosas dos aborígenes a fim de que elas não se perdessem no tempo. Depois, o doc segue os passos dele por regiões montanhosas da Europa, ou por sua Inglaterra natal. No comecinho, eu estava achando um projeto bem acanhado, bem pessoal, apenas uma licença do diretor para prestar mais uma vez seu louvor ao amigo, que morreu de AIDS em 1989. Mas depois fica nítido como o cara era realmente muito legal, tinha uma alma especial, e que as histórias aqui mostradas realmente têm um valor antropológico significativo. Amei, particularmente, as fotos antigas dos habitantes da Patagônia. Pintavam-se de uma forma muito louca, assustadora, misteriosa. O ser humano é muito louco. O mundo é (era) muito louco. Herzog filma o fim dessa riqueza. E lamenta estarmos todos padronizados em cidades, e com um mesmo hábito de vida, que, ironicamente, põe a vida de todos em perigo. Lembrando que este diretor, desbravador, nômade, não tem um Oscar.
  14. (293) "N`aum vou nem falar nada!!" Esse é o "N`aum vou nem falar nada" elevado ao cubo! Primeiro filme da Trilogia Alemã de Luchino Visconti, "Os Deuses Malditos", de 1969, indicado ao Oscar de Roteiro Original inclusive, em 1970, proporcionando a única indicação ao prêmio a este enorme diretor. Aliás, que roteiro é esse?! A internet informa que o filme chegou a ser cortado no Brasil, quando de sua exibição. Eu posso imaginar. Incesto, pedofilia, homossexualidade, assassinatos familiares...É o ambiente de podridão moral de uma família aristocrática que aduba o terreno do Nazismo na Alemanha dos anos 1930. Sabiamente Visconti não faz um filme histórico. Faz um meticuloso drama, uma tragédia grega. Porém, quem for mais interessado na Alemanha pré-Segunda Guerra ficará satisfeito ao assistir na tela todas as intrigas que havia dentro do nazismo, quando Hitler ainda era Chanceler. Aqui, principalmente seu conflito com Röhm, então líder das SA, uma organização paramilitar que se agigantava e ameaçava o Exército e o poder político de Hitler. Röhm, vale dizer, um alegado homossexual. Era necessário um expurgo dentro do nazismo, e ele se dá, no que ficou conhecido como a "Noite dos Longos Punhais". Visconti registra essa noite (na qual dezenas de oficiais morreram), com um clima de cabaré, com os jovens soldados alcoolizados, vestidos de mulher, em lingerie, em libertina sodomia. É fantástico, petulante, sexy... Mas o foco mesmo é a família de industriais do aço que se digladia em posições políticas. Há o liberal, o nazista, o comunista, o artista, o indiferente...As lutas políticas se espelham dentro dessa mansão aristocrática. Mais uma vez, Visconti falando de luta de classes, ou do desconforto da elite ao temer perder o seu lugar. Não dá para traçar totalmente a riqueza do perfil psicológico dos vários membros dessa família. Mas o protagonista, vivido por Helmut Griem, vai da inocência adamada à crueldade mais intensa. É incrível ver como o aparentemente mais doce é o maior monstro, e como, aos poucos, a máscara vai caindo, o inconsciente aflora. Se no início brinca inocentemente com suas primas de esconde-esconde, no meio do filme estará abusando de uma criança judia. Nada nos prepara para isso! E só piora! É incrível! Me faz lembrar o nazista gay do extraordinário livro "As Benevolentes", um dos maiores livros lançados neste século. Figurino extraordinário de Piero Tosi! Incrível montagem de Ruggero Mastroianni. Música de Maurice Jarre. Ingrid Thulin, Dirk Bogarde, uma jovem e linda Charlotte Rampling, e até a nossa cearenese, Florinda Bolkan, todos excelentes. Uma obra-prima! Obra-prima ao cubo!
  15. (292) Marguerite Duras escreveu pelo menos uma obra-prima, o maravilhoso "O Amante"; já no campo do cinema, como diretora, muitos chamam este "India Song", de 1975, de obra-prima também. Não sei se chega a tanto, mas é uma experiência muito singular. Pra começar, a primera palavra, ou som diegético, do filme acontece aos 74 minutos de filme, justamente na cena mais importante. Antes, somente som não diegético. O que não quer dizer que não haja palavras no filme. É o que mais tem. É um filme falado. Mas a palavra vem de fora. As principais personagens são "aurais", orais, em voice over. Narram, descrevem - e vou usar a linguagem literária - em terceira pessoa - o que vemos pela imagem. É difícil explicar. Os atores não fazem quase nada em cena. Ficam sentados em posturas lânguidas, olham pela janela, dançam, caminham soturnamente pelos salões. Enquanto isso, vozes, de fora para dentro, dizem o que se passa na cabeça deles, mas também o que fizeram mnemônicamente no passado, o que acham de Calcutá, como sofrem com o verão de monções, como tentam disfarçar o cheiro da sujeira e da lepra com incenso... É um filme silencioso, e ao mesmo tempo, superfalado. As vozes do lado de fora são somadas com a voz de uma mendiga que veio do Laos para a índia, e que, na língua dela, expressa seu tormento. Assim como a voz de Marguerite Duras, ela própria, às vezes entra na história. O busílis da coisa é a esposa do embaixador francês na India dos anos 1930, sob domínio inglês, que recebe no estupendo prédio da embaixada, seus inúmeros amantes, sob aquiescência do marido. Ela está entediada, aborrecida, entorpecida com o calor. Não consegue dormir. Não consegue amar nenhum deles. Voltando ao início, o único momento de fala pertence ao personagem do Vice-cônsul, que, em amor platônico, fica 5 minutos gritando em cena, ou melhor, fora da cena, em outro ambiente, sua queixa amorosa. No fundo, os problemas dos colonizadores são nada para os reais problemas do povo. Viviam em uma torre de marfim. Um filme muito complexo e um trabalho de som admirável.
  16. Chutaria uma indicação ao Oscar de Coadjuvante para a Marlee Matlin?
  17. Curtindo demais a música de trabalho nova do Jão. Já fui a um show dele, e adorei. É muito bom, muito divertido! Ele tem uma vibe Cazuza - um dos ídolos confessos dele - mas eu percebo também uma coisa até "sertaneja", com aquele estética de sofrência, trabalhada num pop urbano bem sacana... "Gosto quando a sua boca mente assim/ Eu não sou pra você, você não é pra mim/ E o nosso "pra sempre" dura a noite inteira". Quem nunca teve uma aventura sexual em Fortaleza? 😎
  18. (291) Retirando uma vergonha cinéfila da minha lista, assisti finalmente a "Viver e Morrer em Los Angeles", de 1985. Um filme Policial muito bom do William Friedkin, que tenta fazer por Los Angeles o que "The French Connection" fez por Nova York, com uma armação de roteiro repetindo grandes linhas básicas, dois policiais tentado desbaratar uma quadrilha, em uma cidade suja, perigosa, com horizontes poluídos, e audaciosas perseguições urbanas. Curioso que uma das locações é a mesma da corrida em "Grease" e o plano termina no engarrafamento de "La La Land". Achei engraçado. O filme tem planos muito bem dirigidos, e tem a ousadia do Friedkin em vários momentos, como o personagem do Dafoe aparentemente beijando um homem na boca (e depois descobrimos que se trata de uma mulher); ou as cenas de sexo, com nudez, nível, um saco balançando...Mas digamos que para mim faltou densidade à trama. Ela me diz pouco sobre aquele momento político-social da Costa Oeste. Então estava achando tudo muito bom, estilisticamente super Anos 1980, mas meio sem substância... Até que o final eleva o filme a outro patamar, ao tomar uma decisão muito corajosa. Meu ranking do genial William Friedkin está assim: 1) "O Exorcista"; 2) "Os Rapazes da Banda"; 3) "Operação França"; 4) "Parceiros da Noite"; 5) "Killer Joe".
  19. Um especialista em nada que escreve sobre tudo. Escreve, vale reiterar, sobre tudo, mas principalmente sobre ele: "Sou eu mesmo a matéria do meu livro". "Os Ensaios"; Montaigne.
  20. (290) Emendei com o "Halloween II", no Brasil, com o subtítulo de "O Pesadelo Continua", de 1981. Continua é a palavra, pois segue imediatamente onde o primeiro parou. Dá-se o trabalho de relembrar a plateia, mostrando novamente os últimos instantes do primeiro filme, exceto, vejam bem, a breve aparição do rosto e olho machucado de Michael Myers, aqui, eliminados. Embora o novo diretor, Rick Rosenthal, emule a câmera subjetiva do primeiro filme, com o Myers rondando a vizinhança, depois o filme muda bastante, a meu ver. Muito mais sangue, muito mais mortes, outros temas sonoros em cenas de perseguição...Apesar de manter as loiras peitudas que a gente gosta de ver (que nenhuma mulher militante venha me bater aqui!), e a ideia vaga de punição da sexualidade. Aprovado! No mais um filme, com mais orçamento, mais personagens, mais ação...E menos sustos. O principal do filme: A revelação da motivação de Myers ao perseguir Laurie. Informação caída do espaço, mas que no entanto se ajusta coerentemente à história. Como já falei, gostei muito do filme de 2018. E espero a chegada do novo "Halloween Kills", agora em 2021. Os do meio, oh, não dá! Passo! Acho que só o nosso amigo @Questãodeve ter visto todos.
  21. Nunca notei nenhum traço católico nas obras dele. Mas também não vi tantas assim...
  22. (289) A Netflix disponibilizou "Halloween: A Noite do Terror", de 1978, o clássico, o eterno, e eu não resisti...Começo a ouvir aquele tema icônico e embarco... É engraçado como as mortes demoram a acontecer, passada uma hora de filme. Demora, são poucas, não tem enxurrada de sangue. No negativo, não é gráfico, não é um gore. Aquela cena - não sei se vocês lembram - em que a Nancy fica presa na janela da lavanderia e pede a ajuda da irmãnzinha...gente...Demora tanto, e não faz o menor sentido para a história...É tão aleatória! Não consigo entender. É só pra criar suspense? Gostei do filme mais recente, o de 2018. Principalmente por eles reviverem a abertura sinistra aqui, de uma outra maneira. Já me ganhou ali. Parabéns, Senhor Carpenter! O senhor despertou o "mal absoluto": Os outros mil filmes ruins. Espero um Oscar Honorário para ele.
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