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Forum Cinema em Cena

The Grind House


Nacka
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Tentando assistir Grindhouse na íntegra, mas algum problema com o CD 2 (À Prova de Morte) fez o WinAVi engolir as legendas. Vou ter que fazer tudo de novo. Mas por enquanto:

 

Planeta Terror (Robert Rodriguez) - 4/5

 

Surtado do começo ao fim, com uma Rose McGowan que faz um gay rever sua orientação sexual, esse aqui é pauleira. Aliás, Rodriguez parece que reencontrou o caminho certo depois de Sin City. Diálogos cheesy durante a projeção, missing reel e até receita de churrasco na prisão dão o tom. Salivando pelo filme do Taranta agora. E o melhor de tudo: o melhor filme que Eli Roth não vai dirigir em toda sua carreira: Thansksgiving - "você vai voltar pra casa nesse feriado... num sanito"... hahahahahahaha

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Consenso geral não é unanimidade caso vc não saiba... A Prova de Morte foi ovacionado na Mostra. E muito obrigado por me fazer ler a crítica do Krivochein para o filme: ele se derrete para o Tarantino como poucos.

 

aprovademorte.jpg

À PROVA DE MORTE de Quentin Tarantino - 19/09/07
Mesmo que os cinéfilos mais apaixonados sejam capazes de captar a maioria das suas referências cinematográficas, ainda assim os filmes de Tarantino caem dentro da categoria “nunca antes visto desta forma”.
Bernardo Krivochein (Rio)


A referência de maior valor cinematográfico para Quentin Tarantino não é seu extenso catálogo afetivo de imagens e sons fílmicos, mas o tempo. Através da simplicidade aparente de “Death Proof”, Tarantino faz seu esforço mais radical de reestruturação: passa-se da noite para o dia, do diálogo para a ação, da vitimização ao revanchismo, da cidade ao campo, da velhice à juventude. Em texto, as seqüências parecem gradações previsíveis, mas não esqueçamos do indivíduo e do conjunto da obra com que estamos lidando. Estamos frente à síntese do cinéfilo contemporâneo, ao mesmo tempo rato e funcionário de vídeolocadora (e que descobriu muitos filmes pela televisão, através do revolucionário Z Channel), um receptor tornado curador (mantém o festival de cinema que leva seu nome em Austin, Texas) e realizador de filmes de temporalidade fragmentada, maliciosamente arquitetada em algo novo, diferente. Organizar-se, neste caso, é desestruturar-se. É também esclarecer-se. Cultista convicto com embasamento auteurista, Tarantino ainda preserva o espírito da leitura cinematográfica na análise de filmes rejeitados pelo “bom gosto” e pelo “gosto popular”, mas sem cair na armadilha fácil do cinéfilo, que apóia filmes celebrados por outrem sem compreender muito bem o porquê. Ele está interessado na descoberta e irá ver, como a maioria, um filme de Mario Bava pela cinematografia estonteante, pela storyline absurda e pela escatologia. No entanto, é o momento do filme de Bava que poderia muito bem pertencer a um de Eric Rohmer ou de Jean Eustache (referência inusitada em “Death Proof”) que o afetará. Tudo se revolve em torno daquele momento em que realiza que poderá defender um filme desprezado pelas elites culturais e pelo circuito popular com os mesmos argumentos dispensados pelas elites culturais esnobes a seus mestres cinematográficos de escolha. Até Antonioni e Fellini foram vaiados.

Parte do financeiramente catastrófico “Grindhouse”, a princípio tínhamos um projeto cinematograficamente redundante caracterizado por um saudosismo vácuo. Simulacro de filme antigo e obscuro que esquece que o cinema já é, por condição, simulacro transportável, pretendia um estímulo não muito diferente dos parques temáticos norte-americanos: proporcionar os perigos do cinema-poeira dentro do ambiente limpo e controlado dos multiplexes. Metade do espírito do “grindhouse” é atmosfera do local onde o filme será projetado. Quanto mais decadente, melhor. Isso também valia para os filmes. O cinema grindhouse/poeira faz parte de uma mentalidade cinematográfica em decadência, de épocas de censura, dificuldade de acesso aos filmes, quando o público, confrontado com a possibilidade de ver um filme raro, ou há muito considerado perdido, ou a versão européia sem cortes e estendida, não media esforços e deslocava-se desesperadamente para onde fosse pela experiência de assisti-lo. Uma época na qual colecionava-se filmes na memória. Guarda-se a menção de um filme numa conversa, numa revista, numa sugestão e o espectador fica a espreita, aguardando a oportunidade de, quando o filme se fizer disponível, dar o bote. Talvez isso seja incompreensível para as novas gerações de cinéfilos, filmólogos e afins, mas o incômodo e inconveniência do cinema faziam parte do seu charme. É justamente o fracasso comercial tanto de “Grindhouse” quanto o de “Death Proof” (surpreendentemente, uma bomba de bilheteria justamente na França onde foi tão bem recebido) que lhes confere autenticidade enquanto obras dentro do paracinema sugerido.

É assim que Tarantino, assinando pela primeira vez a direção de fotografia de um de seus filmes, remete aos filmes que o influenciaram: sob efeito do tempo. Ele recorre aos riscos, jump cuts e desgastes da película em geral (criados digitalmente) não como mera estética visual. Tão refém que Tarantino é da imagem cinematográfica que ele concede aos seus defeitos (ou suas peculiaridades) uma função narrativa. Ele integra os grãos à história, à atmosfera; longe das dificuldades de produção da nouvelle vague, mas com a mesma iniciativa vanguardista, os “defeitos” (nesses casos, chega a ser difícil categorizá-los como tal) não são impostos sobre ele como era com os cineastas franceses que o influenciaram em parte. Se Tarantino os produz artificialmente (algo satisfatoriamente assumido em tela: impressas sobre o suporte envelhecido, as personagens desfilam celulares e outras modernidades – o filme não deixa de ser menos vintage por isso, já que os modelos de celulares apresentados certamente serão ultrapassados), é porque ele deseja o mesmo efeito de estranhamento que cada artifício desse gênero causa sobre o espectador nas películas antigas. Nada de remasterização. Nada de recuperação digital. Mas intervenção sim: a danificação voluntária de “Death Proof” por seu diretor lembra o modo como Michael Snow, que insistia que seu seminal “Wavelenght” (1967) fosse projetado apenas em 16mm, à época do seu lançamento em DVD, subdividiu o plano-seqüência de 45 minutos em três seções de 15 minutos e os sobrepôs uns aos outros (intitulando a nova versão de “WVLNGHT”). Tarantino, assim como Snow, está consciente da padronização de film stocks e peculiaridades da película pelo DVD, e se encarrega de ser o primeiro a violar sua imagem.  Chega a ser deprimente o modo como “Death Proof” faz contraponto ao brasileiro “Saneamento Básico – O Filme”, um longa-metragem que nutre desprezo revoltante por toda e qualquer imagem que sozinho aterrou todo um projeto de cinema nacional (já que não apenas ridicularizava a beleza da imagem não-ideal, como saía de seu caminho para ser, o filme inteiro, visualmente feio). Para “Death Proof”, ser cinema é algo inegociável. Poucos filmes atuais são tão irremediavelmente cinema.

Mas espere: os riscos e fotogramas queimados saem de cena na segunda metade. “Death Proof” passa a ser límpido e cristalino, como se o longa se rejuvenescesse cada vez mais com o passar do tempo (novamente, movimento inverso ao casualmente aguardado). Plano mestre: o diretor deixará que a película envelheça sozinha, que os efeitos do desgaste e do vinagre que afetem a segunda metade de seu filme sejam autênticos. No capítulo “The Golden Age” do livro “The Death of Cinema”, Paolo Cherchi Usai constatava com precisão a condição última da herança fílmica do mundo (traduzido na íntegra):

“Uma Era de Ouro das imagens em movimento – isto é, sua existência num estado de eterna estabilidade – somente seria possível caso os filmes jamais tivessem sido rodados em projetores, ou se as matrizes nunca tivessem sido usadas para sua duplicação em cópias. Tal Era de Ouro seria admitida ainda mais impossível ao que a própria matriz seria sujeita a um processo de degradação idêntica à decadência das imagens por ela produzidas.”

Tarantino aceita que não há escapatória para o cinema maior do que há para a morte, mas celebra-o, ao invés de lamentá-lo. O filme só será destruído se for visto e é para isso que ele o realizou. “Que ele exploda, então!” – e isso acontece. “Death Proof” se constrói em torno de longos diálogos descontraídos entre grupo de mulheres: na segunda metade uma antecipação à ação, mas na primeira metade, as falas são a ação em si. Ele já havia experimentado com a transformação do discurso em seqüência de perseguição “automobilística”, invertendo a hierarquia do diálogo-antes-ação-depois nos volumes 1 e 2 de “Kill Bill” (a verborragia sendo o grande clímax da segunda parte). A primeira hora de “Death Proof” passa-se majoritariamente dentro de um bar, no qual as personagens articulam um jogo de provocação entre si e entre os homens que insistem em manter-se ao seu redor, ainda que indesejados. Entre os quais, encontra-se Stuntman Mike (Kurt Russell), figura icônica e decadente, cujo allure sexual foi reclamado pelo tempo e suas investidas sexuais mostram-se tão inofensivas quanto ultrapassadas. Não, as garotas não o levam a sério, assim como o público não leva a sério o filme velho, antigo, mal feito. O filme B que, como Stuntman Mike, carrega as cicatrizes evidentes dos maltratos, dos abusos. Stuntman Mike é tanto vítima do cinema quanto as latas de filme salvas por Tarantino e mantidas em sua coleção particular. É claro que ele irá se vingar. Explicando sua carreira para duas freguesas do bar, Stuntman Mike enumera uma série de trabalhos obscuros, especialmente seriados de televisão antigos. Ou seja, ele faz parte da dinastia do circuito audiovisual marginal, ao qual pertencem os exploitations, caracterizados pela violência à mulher, certo?

O cinema que Tarantino reverencia em “Death Proof” não se evidencia nos diálogos, mas nas imagens. Sim, as garotas podem falar o quanto quiserem de “Vanishing Point” (1971), mas o filme tem a mesma função na conversa do que o “Royale With Cheese” ou o “Like A Virgin” em seus filmes anteriores, e o Dodge Challenger, reverenciado pela dupla de dublês, a mesma função da mala misteriosa em “Pulp Fiction”. Os verdadeiros filmes são outros. A idéia da ação de dublês e da série de peripécias mortais alude “Stunt Rock” (1978), inacreditável longa-metragem da banda de heavy metal Sorcery, na qual os músicos mesclavam as tenebrosas performances ao vivo com números de desafio à morte de surpreender. A longa seqüência expositiva onde o chefe de polícia e um guarda debatem sobre os motivos de Stuntman Mike é derivada das cenas finais de “Psicose” (1960). A seqüência multiângulo do espetacular acidente é influência admirável de Lucio Fulci (a fuga da mulher cega em “L'Aldilà”, por exemplo). São filmes fundamentalmente realizados para o choque, mas que não poderiam estar mais polarizados em termos de reverência, justiça, reconhecimento ou-seja-lá-o-quê cinematográfico/a. O diretor os equivale, os admira com paixão idêntica. Sem essa de bom ou mau gosto. Somente gosto, pura e simplesmente; gosto pessoal, intransferível e portanto sempre justificável. “Death Proof” é ensaio cinematográfico realizado na linguagem mais ideal possível: um filme.

É outro título, no entanto, que “Death Proof” freqüentemente me relembrava: “I Spit On Your Grave” (1978) dirigido por Meir Zarchi. Nesse clássico absoluto do grindhouse, uma escritora viaja para uma casa isolada no campo e torna-se alvo de três predadores sexuais da localidade. Assim como “Death Proof”, o filme subdivide-se em “dia da caça” e “dia do caçador”, ao que a personagem Jennifer é estuprada várias vezes durante sua tentativa de fuga e, em seguida, toma as rédeas da situação em busca de satisfação pela violência sofrida (e o filme inteiro passa-se no curso de apenas um dia). A mentalidade comum acusa o cinema de exploitations de promover a misoginia através do abuso da nudez feminina e da violência às quais a mulher é submetida na maioria destes filmes. Esquecem-se que o cinema em si é um meio misógino: basta nos lembrarmos da 60ª. Edição de Cannes, da qual “Death Proof” fez parte. Durante a apresentação do omnibus “Chacun Son Cinema”, a presença de apenas uma diretora (Jane Campion) em meio aos 35 diretores convocados para participar do projeto trouxe à tona um desconforto geral, promovendo um debate sobre o papel da mulher na realização cinematográfica. Exatamente pela própria condição de contracultura dos exploitations dentro de uma sociedade machista patriarcal, eles não podem ser misóginos. Sim, os diretores gostam da nudez, do sexo, não se acanham em explicitá-los, mas porque são extremamente gratos pelas mulheres. Esquecem-se que, para justificarem terem as roupas rasgadas, as mulheres desses filmes são elevadas a um papel de poder, de força, de independência: exemplo clássico são os “prison movies” ou filmes de penitenciária feminina (ouso recomendar “Fêmeas em Fuga”, filmado perto da minha casa de infância). As mulheres são marginais tão perigosas quanto os mafiosos dos respeitados film noir e esse movimento (novamente, inverso). Não por acaso, o título original de “I Spit On Your Grave” é “Day Of The Woman”. Assim como o título “Thunder Bolt” (o “original” sugerido nos frames originais) foi substituído pelo genérico de exploração/relançamento nos EUA (prática comum dos distribuidores de exploitations era rebatizar os longas, especialmente para parasitarem na fama de outros filmes mais célebres: na Itália, existem mais de 4 “continuações” de “Aniversário Macabro” de Wes Craven; aqui mesmo no Brasil tivemos exemplo recente com o tailandês “Alone”, transformado em “Espíritos 2” com o mesmo intuito). Não é somente o carro de Stuntman Mike que se revela à prova de morte, mas também as mulheres, as quais pertencem não somente o dia, mas o mundo inteiro. Esclarecimento. Iluminação. Mudança da noite para o dia, da mesma maneira que a radialista Jungle Julia (Sydney Poitier) e a figurinista Abernathy (Rosario Dawson), versões diferentes de uma mesma personagem, tem suas verdadeiras facetas reveladas ao longo de suas aventuras: ambas apegadas a romances com homens que as pouco valorizam, a mais aparentemente apta a sobreviver, descobrimos ter um coração mole por trás da fachada independente, auto-suficiente; ao que a aparentemente mais vulnerável, jogada no olho do furacão, acorda para toda sua força, sua coragem – ela recusa ser poupada da ação, como também agora deseja perpetuá-la. “Poder” é palavra que mudará de mãos e de gênero.

Se Tarantino consegue reinventar uma moral mais justa ao desafiar as convenções do “aceitável” (é toda dele a responsabilidade por provocar os debates em torno das imagens violentas e devolvê-las um sentido perdido pela exploração comercial), é da mesma forma que o diretor alcança a originalidade: por meio das citações. Poderíamos definir “originalidade” como “nunca antes visto”; os filmes de Tarantino são dignos dessa definição. Mesmo que os cinéfilos mais apaixonados sejam capazes de captar a maioria das referências cinematográficas (é uma curadoria muito rica e inspirada para ser apreendida em sua totalidade), ainda assim os filmes de Tarantino caem dentro da categoria “nunca antes visto desta forma”. Para isso, basta constatarmos como, uma vez casadas por Tarantino, as imagens referenciadas e as trilhas-sonoras escolhidas tornam-se indissociáveis. A música pré-existente é intrínseca à imagem pré-existente, gerando um sentido, uma sensação 100% novas, a descoberta da redescoberta. E não se consegue ser mais “grindhouse” do que isso. Revigorante cinema de um diretor para quem é possível rejuvenescer com o passar do tempo.

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Ridículo separarem os filmes aqui no Brasil. Planeta Terror vai estrear essa semana aqui em SP. Mas o do Tarantino só ano que vem....uóóóóó

 

E é só em São Paulo? Vocês paulistas já não viram esse filme na mostra?

 

Que lindo isso.  Botaram pra dezembro 11

 

Justo o mês que vem o temível novo filme da Xuxa 11

cinéfilo2007-10-31 12:31:25

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Acabo de ver trechos do DVD de Planeta Terror. Fiquem tranquilos que o trailer de Machete está no disco.

 

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Realmente tem o Machete no DVD, e antes do titulo Planet Terror aparece, com destaque, o tiulo Grindhouse.  Achei que o titulo não teria tanto destaque no lançamento do DVD.

 

E o site do Planeta Terror já está online:

 

www.planetaterror.com.br

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homeless2007-11-01 08:27:33

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Ridículo separarem os filmes aqui no Brasil. Planeta Terror vai estrear essa semana aqui em SP. Mas o do Tarantino só ano que vem....uóóóóó
E é só em São Paulo? Vocês paulistas já não viram esse filme na mostra?Que lindo isso.  Botaram pra dezembro

 

 

 

Fui ao shopping e vi um cartaz anunciando a estréia de Planeta Terror para amanhã, dia 2.

 

 

 

Li num site que Prova de Morte só chegará em janeiro ou fevereiro.

 

 

 

 

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Hmmm... menos mal... Mas o gostoso mesmo do bolo só em março do ano que vem...

 

À Prova de Morte (Quentim Tarantino) - 5/5

Simplesmente MAGISTRAL. O cara pega o conceito de filme B e faz uma obra transcedental. Aquela batida taqueuspa é uma das coisas mais absurdamente lindas que eu já vi. A divisão das mulheres na primeira metade e na segunda é também um achado e reforça minha teoria: se Deus criou no mundo algo melhor que a mulher, guardou pra Ele. O filme DEVE ser visto dentro do contexto Grindhouse junto com Planeta Terror, não tem jeito. Separados, ambos ficam 'deslocados', embora Death Proof consiga, graças à genialidade de seu diretor, atingir um nível estratosférico em todos os sentidos. É filme B de grife.

Resumindo:

Grindhouse - 5/5 (melhor filme do ano, ponto)
Planeta Terror - 4/5
À Prova de Morte - 5/5

 

Ah, sim... para aqueles que acham À Prova de Morte um filme 'chato', só com 'blablablablablabla', o que dizer? Planeta Terror é pra fãs de terror. Death Proof é pra fãs de cinema. I guess that sums it up.
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Consenso geral não é unanimidade caso vc não saiba... A Prova de Morte foi ovacionado na Mostra. E muito obrigado por me fazer ler a crítica do Krivochein para o filme: ele se derrete para o Tarantino como poucos.

 

aprovademorte.jpg

À PROVA DE MORTE de Quentin Tarantino - 19/09/07
Mesmo que os cinéfilos mais apaixonados sejam capazes de captar a maioria das suas referências cinematográficas, ainda assim os filmes de Tarantino caem dentro da categoria “nunca antes visto desta forma”.
Bernardo Krivochein (Rio)


A referência de maior valor cinematográfico para Quentin Tarantino não é seu extenso catálogo afetivo de imagens e sons fílmicos, mas o tempo. Através da simplicidade aparente de “Death Proof”, Tarantino faz seu esforço mais radical de reestruturação: passa-se da noite para o dia, do diálogo para a ação, da vitimização ao revanchismo, da cidade ao campo, da velhice à juventude. Em texto, as seqüências parecem gradações previsíveis, mas não esqueçamos do indivíduo e do conjunto da obra com que estamos lidando. Estamos frente à síntese do cinéfilo contemporâneo, ao mesmo tempo rato e funcionário de vídeolocadora (e que descobriu muitos filmes pela televisão, através do revolucionário Z Channel), um receptor tornado curador (mantém o festival de cinema que leva seu nome em Austin, Texas) e realizador de filmes de temporalidade fragmentada, maliciosamente arquitetada em algo novo, diferente. Organizar-se, neste caso, é desestruturar-se. É também esclarecer-se. Cultista convicto com embasamento auteurista, Tarantino ainda preserva o espírito da leitura cinematográfica na análise de filmes rejeitados pelo “bom gosto” e pelo “gosto popular”, mas sem cair na armadilha fácil do cinéfilo, que apóia filmes celebrados por outrem sem compreender muito bem o porquê. Ele está interessado na descoberta e irá ver, como a maioria, um filme de Mario Bava pela cinematografia estonteante, pela storyline absurda e pela escatologia. No entanto, é o momento do filme de Bava que poderia muito bem pertencer a um de Eric Rohmer ou de Jean Eustache (referência inusitada em “Death Proof”) que o afetará. Tudo se revolve em torno daquele momento em que realiza que poderá defender um filme desprezado pelas elites culturais e pelo circuito popular com os mesmos argumentos dispensados pelas elites culturais esnobes a seus mestres cinematográficos de escolha. Até Antonioni e Fellini foram vaiados.

Parte do financeiramente catastrófico “Grindhouse”, a princípio tínhamos um projeto cinematograficamente redundante caracterizado por um saudosismo vácuo. Simulacro de filme antigo e obscuro que esquece que o cinema já é, por condição, simulacro transportável, pretendia um estímulo não muito diferente dos parques temáticos norte-americanos: proporcionar os perigos do cinema-poeira dentro do ambiente limpo e controlado dos multiplexes. Metade do espírito do “grindhouse” é atmosfera do local onde o filme será projetado. Quanto mais decadente, melhor. Isso também valia para os filmes. O cinema grindhouse/poeira faz parte de uma mentalidade cinematográfica em decadência, de épocas de censura, dificuldade de acesso aos filmes, quando o público, confrontado com a possibilidade de ver um filme raro, ou há muito considerado perdido, ou a versão européia sem cortes e estendida, não media esforços e deslocava-se desesperadamente para onde fosse pela experiência de assisti-lo. Uma época na qual colecionava-se filmes na memória. Guarda-se a menção de um filme numa conversa, numa revista, numa sugestão e o espectador fica a espreita, aguardando a oportunidade de, quando o filme se fizer disponível, dar o bote. Talvez isso seja incompreensível para as novas gerações de cinéfilos, filmólogos e afins, mas o incômodo e inconveniência do cinema faziam parte do seu charme. É justamente o fracasso comercial tanto de “Grindhouse” quanto o de “Death Proof” (surpreendentemente, uma bomba de bilheteria justamente na França onde foi tão bem recebido) que lhes confere autenticidade enquanto obras dentro do paracinema sugerido.

É assim que Tarantino, assinando pela primeira vez a direção de fotografia de um de seus filmes, remete aos filmes que o influenciaram: sob efeito do tempo. Ele recorre aos riscos, jump cuts e desgastes da película em geral (criados digitalmente) não como mera estética visual. Tão refém que Tarantino é da imagem cinematográfica que ele concede aos seus defeitos (ou suas peculiaridades) uma função narrativa. Ele integra os grãos à história, à atmosfera; longe das dificuldades de produção da nouvelle vague, mas com a mesma iniciativa vanguardista, os “defeitos” (nesses casos, chega a ser difícil categorizá-los como tal) não são impostos sobre ele como era com os cineastas franceses que o influenciaram em parte. Se Tarantino os produz artificialmente (algo satisfatoriamente assumido em tela: impressas sobre o suporte envelhecido, as personagens desfilam celulares e outras modernidades – o filme não deixa de ser menos vintage por isso, já que os modelos de celulares apresentados certamente serão ultrapassados), é porque ele deseja o mesmo efeito de estranhamento que cada artifício desse gênero causa sobre o espectador nas películas antigas. Nada de remasterização. Nada de recuperação digital. Mas intervenção sim: a danificação voluntária de “Death Proof” por seu diretor lembra o modo como Michael Snow, que insistia que seu seminal “Wavelenght” (1967) fosse projetado apenas em 16mm, à época do seu lançamento em DVD, subdividiu o plano-seqüência de 45 minutos em três seções de 15 minutos e os sobrepôs uns aos outros (intitulando a nova versão de “WVLNGHT”). Tarantino, assim como Snow, está consciente da padronização de film stocks e peculiaridades da película pelo DVD, e se encarrega de ser o primeiro a violar sua imagem.  Chega a ser deprimente o modo como “Death Proof” faz contraponto ao brasileiro “Saneamento Básico – O Filme”, um longa-metragem que nutre desprezo revoltante por toda e qualquer imagem que sozinho aterrou todo um projeto de cinema nacional (já que não apenas ridicularizava a beleza da imagem não-ideal, como saía de seu caminho para ser, o filme inteiro, visualmente feio). Para “Death Proof”, ser cinema é algo inegociável. Poucos filmes atuais são tão irremediavelmente cinema.

Mas espere: os riscos e fotogramas queimados saem de cena na segunda metade. “Death Proof” passa a ser límpido e cristalino, como se o longa se rejuvenescesse cada vez mais com o passar do tempo (novamente, movimento inverso ao casualmente aguardado). Plano mestre: o diretor deixará que a película envelheça sozinha, que os efeitos do desgaste e do vinagre que afetem a segunda metade de seu filme sejam autênticos. No capítulo “The Golden Age” do livro “The Death of Cinema”, Paolo Cherchi Usai constatava com precisão a condição última da herança fílmica do mundo (traduzido na íntegra):

“Uma Era de Ouro das imagens em movimento – isto é, sua existência num estado de eterna estabilidade – somente seria possível caso os filmes jamais tivessem sido rodados em projetores, ou se as matrizes nunca tivessem sido usadas para sua duplicação em cópias. Tal Era de Ouro seria admitida ainda mais impossível ao que a própria matriz seria sujeita a um processo de degradação idêntica à decadência das imagens por ela produzidas.”

Tarantino aceita que não há escapatória para o cinema maior do que há para a morte, mas celebra-o, ao invés de lamentá-lo. O filme só será destruído se for visto e é para isso que ele o realizou. “Que ele exploda, então!” – e isso acontece. “Death Proof” se constrói em torno de longos diálogos descontraídos entre grupo de mulheres: na segunda metade uma antecipação à ação, mas na primeira metade, as falas são a ação em si. Ele já havia experimentado com a transformação do discurso em seqüência de perseguição “automobilística”, invertendo a hierarquia do diálogo-antes-ação-depois nos volumes 1 e 2 de “Kill Bill” (a verborragia sendo o grande clímax da segunda parte). A primeira hora de “Death Proof” passa-se majoritariamente dentro de um bar, no qual as personagens articulam um jogo de provocação entre si e entre os homens que insistem em manter-se ao seu redor, ainda que indesejados. Entre os quais, encontra-se Stuntman Mike (Kurt Russell), figura icônica e decadente, cujo allure sexual foi reclamado pelo tempo e suas investidas sexuais mostram-se tão inofensivas quanto ultrapassadas. Não, as garotas não o levam a sério, assim como o público não leva a sério o filme velho, antigo, mal feito. O filme B que, como Stuntman Mike, carrega as cicatrizes evidentes dos maltratos, dos abusos. Stuntman Mike é tanto vítima do cinema quanto as latas de filme salvas por Tarantino e mantidas em sua coleção particular. É claro que ele irá se vingar. Explicando sua carreira para duas freguesas do bar, Stuntman Mike enumera uma série de trabalhos obscuros, especialmente seriados de televisão antigos. Ou seja, ele faz parte da dinastia do circuito audiovisual marginal, ao qual pertencem os exploitations, caracterizados pela violência à mulher, certo?

O cinema que Tarantino reverencia em “Death Proof” não se evidencia nos diálogos, mas nas imagens. Sim, as garotas podem falar o quanto quiserem de “Vanishing Point” (1971), mas o filme tem a mesma função na conversa do que o “Royale With Cheese” ou o “Like A Virgin” em seus filmes anteriores, e o Dodge Challenger, reverenciado pela dupla de dublês, a mesma função da mala misteriosa em “Pulp Fiction”. Os verdadeiros filmes são outros. A idéia da ação de dublês e da série de peripécias mortais alude “Stunt Rock” (1978), inacreditável longa-metragem da banda de heavy metal Sorcery, na qual os músicos mesclavam as tenebrosas performances ao vivo com números de desafio à morte de surpreender. A longa seqüência expositiva onde o chefe de polícia e um guarda debatem sobre os motivos de Stuntman Mike é derivada das cenas finais de “Psicose” (1960). A seqüência multiângulo do espetacular acidente é influência admirável de Lucio Fulci (a fuga da mulher cega em “L'Aldilà”, por exemplo). São filmes fundamentalmente realizados para o choque, mas que não poderiam estar mais polarizados em termos de reverência, justiça, reconhecimento ou-seja-lá-o-quê cinematográfico/a. O diretor os equivale, os admira com paixão idêntica. Sem essa de bom ou mau gosto. Somente gosto, pura e simplesmente; gosto pessoal, intransferível e portanto sempre justificável. “Death Proof” é ensaio cinematográfico realizado na linguagem mais ideal possível: um filme.

É outro título, no entanto, que “Death Proof” freqüentemente me relembrava: “I Spit On Your Grave” (1978) dirigido por Meir Zarchi. Nesse clássico absoluto do grindhouse, uma escritora viaja para uma casa isolada no campo e torna-se alvo de três predadores sexuais da localidade. Assim como “Death Proof”, o filme subdivide-se em “dia da caça” e “dia do caçador”, ao que a personagem Jennifer é estuprada várias vezes durante sua tentativa de fuga e, em seguida, toma as rédeas da situação em busca de satisfação pela violência sofrida (e o filme inteiro passa-se no curso de apenas um dia). A mentalidade comum acusa o cinema de exploitations de promover a misoginia através do abuso da nudez feminina e da violência às quais a mulher é submetida na maioria destes filmes. Esquecem-se que o cinema em si é um meio misógino: basta nos lembrarmos da 60ª. Edição de Cannes, da qual “Death Proof” fez parte. Durante a apresentação do omnibus “Chacun Son Cinema”, a presença de apenas uma diretora (Jane Campion) em meio aos 35 diretores convocados para participar do projeto trouxe à tona um desconforto geral, promovendo um debate sobre o papel da mulher na realização cinematográfica. Exatamente pela própria condição de contracultura dos exploitations dentro de uma sociedade machista patriarcal, eles não podem ser misóginos. Sim, os diretores gostam da nudez, do sexo, não se acanham em explicitá-los, mas porque são extremamente gratos pelas mulheres. Esquecem-se que, para justificarem terem as roupas rasgadas, as mulheres desses filmes são elevadas a um papel de poder, de força, de independência: exemplo clássico são os “prison movies” ou filmes de penitenciária feminina (ouso recomendar “Fêmeas em Fuga”, filmado perto da minha casa de infância). As mulheres são marginais tão perigosas quanto os mafiosos dos respeitados film noir e esse movimento (novamente, inverso). Não por acaso, o título original de “I Spit On Your Grave” é “Day Of The Woman”. Assim como o título “Thunder Bolt” (o “original” sugerido nos frames originais) foi substituído pelo genérico de exploração/relançamento nos EUA (prática comum dos distribuidores de exploitations era rebatizar os longas, especialmente para parasitarem na fama de outros filmes mais célebres: na Itália, existem mais de 4 “continuações” de “Aniversário Macabro” de Wes Craven; aqui mesmo no Brasil tivemos exemplo recente com o tailandês “Alone”, transformado em “Espíritos 2” com o mesmo intuito). Não é somente o carro de Stuntman Mike que se revela à prova de morte, mas também as mulheres, as quais pertencem não somente o dia, mas o mundo inteiro. Esclarecimento. Iluminação. Mudança da noite para o dia, da mesma maneira que a radialista Jungle Julia (Sydney Poitier) e a figurinista Abernathy (Rosario Dawson), versões diferentes de uma mesma personagem, tem suas verdadeiras facetas reveladas ao longo de suas aventuras: ambas apegadas a romances com homens que as pouco valorizam, a mais aparentemente apta a sobreviver, descobrimos ter um coração mole por trás da fachada independente, auto-suficiente; ao que a aparentemente mais vulnerável, jogada no olho do furacão, acorda para toda sua força, sua coragem – ela recusa ser poupada da ação, como também agora deseja perpetuá-la. “Poder” é palavra que mudará de mãos e de gênero.

Se Tarantino consegue reinventar uma moral mais justa ao desafiar as convenções do “aceitável” (é toda dele a responsabilidade por provocar os debates em torno das imagens violentas e devolvê-las um sentido perdido pela exploração comercial), é da mesma forma que o diretor alcança a originalidade: por meio das citações. Poderíamos definir “originalidade” como “nunca antes visto”; os filmes de Tarantino são dignos dessa definição. Mesmo que os cinéfilos mais apaixonados sejam capazes de captar a maioria das referências cinematográficas (é uma curadoria muito rica e inspirada para ser apreendida em sua totalidade), ainda assim os filmes de Tarantino caem dentro da categoria “nunca antes visto desta forma”. Para isso, basta constatarmos como, uma vez casadas por Tarantino, as imagens referenciadas e as trilhas-sonoras escolhidas tornam-se indissociáveis. A música pré-existente é intrínseca à imagem pré-existente, gerando um sentido, uma sensação 100% novas, a descoberta da redescoberta. E não se consegue ser mais “grindhouse” do que isso. Revigorante cinema de um diretor para quem é possível rejuvenescer com o passar do tempo.

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caso vc nao sabia, se derreter prum diretor nao significa necessariamente cumplicidade com seu ultimo trabalho..algo mais a acrescentar?03
Jorge Soto2007-11-07 08:44:22
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caso vc nao sabia' date=' se derreter prum diretor nao significa necessariamente cumplicidade com seu ultimo trabalho..algo mais a acrescentar?03
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Sim: Krivochein GOSTOU e MUITO do filme, sendo que você disse o contrário. O simples fato dele mostrar cumplicidade para com o trabalho do cara já ENTERRA sua falácia de que ele 'não achou lá grandes coisas'...

 

Encerro por aqui, até pq se continuarmos, a coisa vai piorar pro seu lado.

 

E, tendo eu assistido ao filme a esta altura, engrosso o coro: é um dos melhores do ano e o segundo melhor Taranta para mim, perdendo só para Kill Bill.
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PLANETA TERROR - 8/10 - O que escrever sobre um filme onde o mocinho pilota uma possante moto para criança na estrada para matar uma série de pessoas infectadas por um gás tóxico que as transformaram em zumbis? O que escrever sobre um filme onde a mocinha tem uma de suas pernas amputadas substituída por metralhadora e é capaz de voar, girar, rodopiar e atirar em uma série de pessoas infectadas por uma gás tóxico que as transformaram em zumbis? "Planeta Terror" é pura diversão !!!

PS: Rose McGowan é um espetáculo de mulher !!!!!  3d01

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