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Cineclube em Cena


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Uma frase conhecida, apesar de ser um recurso literário, pode não ser a força motriz de um filme, assim vc estaria reduzindo Taxi Driver a "você esta falando comigo?" ou O Império Contra-Ataca a "eu sou seu pai". Diálogos fazem parte da linguagem cinematográfica, mas não podem ser a base principal pela qual a história (na existência de uma) deva ser contada.

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Eu não veria isso como regra (considerando a ênfase no "sempre")' date=' assim como não repreenderia Annie Hall ou Lavoura Arcaica.
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Primeiro que eu não coloquei a questão num contexto de 'regra', mas sim, como o Vicking colocou, de mero bom senso (embora no meu entender, o bom senso aqui se aplica de forma diversa). Se é uma arte que se perfaz pela imagem, não posso colocar sua força total no aspecto literário da obra. É questão de adequação. Se quero exposição excessiva através de palavras, escrevo um livro.

 

Entretanto, colocando a questão sobre o prisma da 'regra', toda regra tem a sua exceção... Dogville, por exemplo, é um filme que se perfaz tanto pelas imagens (ausência de cenários entre outros goodies), como também pelos diálogos (a narração magistral do John Hurt, por ex.). Entretanto isso deve ser encarado como EXCEÇÃO, nada mais, bem como os filmes do Allen, Wylder, etc.

 

Soou como regra, também não acreditei que você usasse de limitações pré-estabelecidas quando fosse assistir a um filme (como o Bern@rdo). Não é uma questão de NÃO PODER colocar força total no texto. Até pode se quiser, e rende muito bem (como Annie Hall), assim como qualquer realizador está livre para usar de literatura, ou música, no cinema (Lavoura Arcaica é quase todo narrado, utilizando trechos inteiros da obra em que foi baseado). O cinema, pra mim, não é a arte das imagens (Monet e Picasso trabalhavam com esta), mas a síntese de todas as artes. É o que acontece em Lavoura. Uma poesia nos três sentidos: sonoro, literário e visual. Ainda assim, veja bem, não estou discutindo que não seja a base (dá pra fazer cinema sem texto e sem som, mas não sem imagem), mas sim, que a beleza desta 7ª arte está exatamente em reuní-las.
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Uma frase conhecida' date=' apesar de ser um recurso literário, pode não ser a força motriz de um filme, assim vc estaria reduzindo Taxi Driver a "você esta falando comigo?" ou O Império Contra-Ataca a "eu sou seu pai". Diálogos fazem parte da linguagem cinematográfica, mas não podem ser a base principal pela qual a história (na existência de uma) deva ser contada. [/quote']

 

Ambos exemplos que vc citou são de filmes que tem forte apelo visual. Mas o que dizer de "O Declínio do Império Americano"? Não digo que o filme não trabalha imagens, mas qual é a base que o sustenta? Os diálogos.

 
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Não vi o filme do Michel Arcand, mas como eu disse, deveria ser a exceção. Existe o bom cinema feito com prioridade nas imagens e existe o bom cinema feito com prioridade nos diálogos. Considerando o objetivo do cinema enquanto arte singular que é, qual deve ser a sua prioridade?  

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Soou como regra' date=' também não acreditei que você usasse de limitações pré-estabelecidas quando fosse assistir a um filme (como o Bern@rdo). Não é uma questão de NÃO PODER colocar força total no texto. Até pode se quiser, e rende muito bem (como Annie Hall), assim como qualquer realizador está livre para usar de literatura, ou música, no cinema (Lavoura Arcaica é quase todo narrado, utilizando trechos inteiros da obra em que foi baseado). O cinema, pra mim, não é a arte das imagens (Monet e Picasso trabalhavam com esta), mas a síntese de todas as artes. É o que acontece em Lavoura. Uma poesia nos três sentidos: sonoro, literário e visual. Ainda assim, veja bem, não estou discutindo que não seja a base (dá pra fazer cinema sem texto e sem som, mas não sem imagem), mas sim, que a beleza desta 7ª arte está exatamente em reuní-las.
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Foras, o diretor é livre para usar as outras artes no cinema, o que ele não deve fazer, em minha opinião, é por exemplo colocar a força de seu filme em UMA dessas artes e é isso que vem acontecendo. As pessoas estão acostumadas a assistir um filme com historinha, ou seja, o cinema virou uma derivação cheia de frescura da literatura!

 

Por ser imagem em movimento (foi esse o meio escolhido para que o artista pudesse se expressar artisticamente) o cinema não seria a síntese das outras artes mas sim a arte que se utiliza das outras 6 para se expressar através de imagens. É uma arte multimídia pq as outras agregam a ela. Mas ela tem uma força motriz, qual seja, a imagem.

 

É como um livro com gravuras no meio... Elas auxiliam a leitura, mas onde está a força do livro? Nas suas palavras!  
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Foras' date=' o diretor é livre para usar as outras artes no cinema, o que ele não deve fazer, em minha opinião, é por exemplo colocar a força de seu filme em UMA dessas artes e é isso que vem acontecendo. As pessoas estão acostumadas a assistir um filme com historinha, ou seja, o cinema virou uma derivação cheia de frescura da literatura!

 

Por ser imagem em movimento (foi esse o meio escolhido para que o artista pudesse se expressar artisticamente) o cinema não seria a síntese das outras artes mas sim a arte que se utiliza das outras 6 para se expressar através de imagens. É uma arte multimídia pq as outras agregam a ela. Mas ela tem uma força motriz, qual seja, a imagem.

 

É como um livro com gravuras no meio... Elas auxiliam a leitura, mas onde está a força do livro? Nas suas palavras!  
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Era nesse ponto que queria chegar...
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Não vi o filme do Michel Arcand' date=' mas como eu disse, deveria ser a exceção. Existe o bom cinema feito com prioridade nas imagens e existe o bom cinema feito com prioridade nos diálogos. Considerando o objetivo do cinema enquanto arte singular que é, qual deve ser a sua prioridade?  [/quote']

 

Denys Arcand...

 

Mas veja bem, não é uma excessão. Richard Linklater tb fez isso, e muito bem. Concordo que não dar prioridade para a imagem está tornando o cinema um pouco burocrático, mas isso é devido a incopetência, e não a mera utilização de um método diferente. Vc pode argumentar que os exemplos que eu tenho citado se devem as atuações, mas pra mim é uma cooperação entre texto e talento do ator...em "Se eu Fosse Você", Tony Ramos e Gloria Pires estão muito bem, mas o roteiro tosquíssimo faz com que eles digam cada porcaria...

 

 
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Foras' date=' o diretor é livre para usar as outras artes no cinema, o que ele não deve fazer, em minha opinião, é por exemplo colocar a força de seu filme em UMA dessas artes e é isso que vem acontecendo. As pessoas estão acostumadas a assistir um filme com historinha, ou seja, o cinema virou uma derivação cheia de frescura da literatura!

 

Por ser imagem em movimento (foi esse o meio escolhido para que o artista pudesse se expressar artisticamente) o cinema não seria a síntese das outras artes mas sim a arte que se utiliza das outras 6 para se expressar através de imagens. É uma arte multimídia pq as outras agregam a ela. Mas ela tem uma força motriz, qual seja, a imagem.

 

É como um livro com gravuras no meio... Elas auxiliam a leitura, mas onde está a força do livro? Nas suas palavras!  
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Era nesse ponto que queria chegar...

 

Ué... em algum momento esse ponto não estava na conversa?

 

Acho que vou utilizar aquela assinatura do Yoh... 06
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Mas veja bem' date=' não é uma excessão. Richard Linklater tb fez isso, e muito bem.[/quote']

 

Assim como ele faz filmes puramente visuais como Waking Life e A Scanner Darkly. Detalhe que o primeiro é considerado um dos melhores filmes do cara...

 

Concordo que não dar prioridade para a imagem está tornando o cinema um pouco burocrático' date=' mas isso é devido a incopetência, e não a mera utilização de um método diferente. [/quote']

 

Mas eu também não acho que seja por incompetência. É por comodismo e conveniência mesmo. As pessoas estão acostumadas com literatura, logo o cinema mais acessível é justamente aquele que pauta sua força no aspecto literário (historinha) da coisa toda.

 

Por que será que a maioria do público médio foge de filmes como 2001?
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Concordo em parte, mas não acho que a arte de qualquer tipo mais acessível seja pior (na literatura, por exemplo, vc tem um Conan Doyle da vida, não acho sua obra pior que a do Machado de assis apenas por ser mais acessível). E assim como temos filmes visuais complexos (2001 como vc citou), temos os mais simples, (Tarantino e Peter Jackson, por exemplo).

 

É uma questão de trabalhar visando a inteligência, usar diálogos metafóricos no cinema pode ser tão audacioso quanto usar as imagens para contar a história.
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Eu acho que o diálogo em si faz parte do ator, de uma composição visual e sonora de um personagem. Nesse aspecto, acho a direção de caras como Linklater e Wilder bem peculiar na maneira de tratar seus atores, minha opinião sobre o assunto eu pus no tópico Roteiro x Direção [eu não sei se consegui explicar direito, enfim].

 

Agora Dook, vc tem como trazer essa entrevista do Almodóvar pra cá? Acho que vc não deveria julgar ele por essa opinião, tanto que existem inúmeras 'rusgas' desse naipe entre os diretores, como o Bergman que detesta Welles que detesta Bergman; e muita gente é fã dos dois [mas o Welles é bem mais legal 020606]. E vc falou lá atrás do estilo do Almodóvar, enfim, não sou o cara mais versado nele pra te dizer [vi só os últimos quatro do sujeito], mas já que vcs estão tratando nessa separação [inexistente, IMHO, and that's my fucking point] entre os diretores visuais e os storytellers, o Almodóvar estaria na segunda opção [a despeito de suas famosas cores]. E é muito bom no que faz, mesmo eu não sendo lá muito fã. E de qualquer jeito, tem a subjetividade. 020606

 

Ambos exemplos que vc citou são de filmes que tem forte apelo visual. Mas o que dizer de "O Declínio do Império Americano"? Não digo que o filme não trabalha imagens' date=' mas qual é a base que o sustenta? Os diálogos.
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Olha, não vi o filme pra opinar, mas muita gente acha o Arcand um merda por achar os seus diálogos a última bolacha do pacote, e fazer uns porres de filmes. Anyway, não vejo como filmes como Antes do Pôr-do-Sol ou 12 Homens e Uma Sentença não podem ter direções eficientes no domínio da imagem, e ladidadidadidá.
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Olha' date=' não vi o filme pra opinar, mas muita gente acha o Arcand um merda por achar os seus diálogos a última bolacha do pacote, e fazer uns porres de filmes. Anyway, não vejo como filmes como Antes do Pôr-do-Sol ou 12 Homens e Uma Sentença não podem ter direções eficientes no domínio da imagem, e ladidadidadidá.
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Nossa, rubysun, isso é uma surpresa vindo de vc...esse é o pior argumento que se pode usar. E ele faz o filme do jeito que ele quer, se não achasse que os diálogos fossem bons, não ia colocar no filme.

 

Já falei no outro tópico, concordo que direção é mais importante que roteiro...o que não impede que o diretor escolha que seu filme fale mais através das palavras do que das imagens. Vcs estão analizando o caso como um todo, quando cada diretor/vanguarda/whatever deveria ser analizado separadamente. e os casos que conflitam com os argumentos estão chamando de excessões...

 

 

 

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ATENÇÃO:

 

Seguindo a tradição, iniciada pelo Forasteiro, vencedor da 1ª edição de "O Cinéfilo", o grande vencedor da 2ª edição terá a honra (e a responsabilidade) de abrir a nova temporada do "Cineclube em Cena", com uma resenha para um dos melhores filmes do mestre do entretenimento, Steven Spielberg:

 

O RESGATE DO SOLDADO RYAN

 

post-321771-1159716593.jpg

 

 

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Acompanhem a reta final de "O Cinéfilo - 2ª edição".

 
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Só pra deixar claro' date=' eu não disse aquilo, só estava reproduzindo o que eu li por aí. Não vi nenhum filme do Arcand pra opinar, só que ele pra ser posto como exemplo é meio estranho, pq ele é bem polêmico.[/quote']

 

Ok, me desculpa então. Mas muitos diretores são polêmicos, os Coen por exemplo, e seus filmes são sempre mencionados, mas enfim...

 
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Agora Dook' date=' vc tem como trazer essa entrevista do Almodóvar pra cá? Acho que vc não deveria julgar ele por essa opinião, tanto que existem inúmeras 'rusgas' desse naipe entre os diretores, como o Bergman que detesta Welles que detesta Bergman; e muita gente é fã dos dois [mas o Welles é bem mais legal 020606].

 

Ruby, foi uma entrevista que ele deu há um tempo no caderno MAIS! da Folha de SP... Junto com ele abriram o bico o Bertollucci, o Lynch e tantos outros.

 

E não estou julgado o Almodóvar, sendo que não vi um filme do cara sequer. Só discordo da opinião simplista dele sobre Era Uma Vez no Oeste...

 

E conhecendo o pouco que conheço do Bergman, me parece que ele tem muito mais coisa a dizer do que o Welles... Mas enfim, deixa pra lá... 06
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 A Criança, by Garami

 lenfant-poster03.jpg 

 

 

Filme: A Criança (L’Enfant, 2005) – dir.: Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne

Sinopse: Bruno e Sonia tiveram um filho. Por viver basicamente de esmolas e furtos, Bruno vê no pequeno Jimmy uma nova forma de conseguir dinheiro e o vende para adoção ilegal.

O que eu acho:  A adoção ilegal de crianças é uma realidade que perdura em vários lugares do mundo. Seja na França, onde o filme “A Criança” se passa, seja no Brasil. Em território nacional, aliás, tal procedimento é chamado de “adoção à brasileira” e consiste na doação de crianças a pessoas com maiores condições financeiras ou, simplesmente, na venda de crianças a casais que desejem registrar uma criança em seu nome. De uma maneira ou de outra, tal prática é crime e passível de severas sanções. Mesmo desconhecendo a Legislação francesa, creio poder afirmar que tal prática também não deve ser vista com bons olhos na terra dos irmãos Dardenne. Porém, em “A Criança”, os Dardenne não estão interessados em mostrar as terríveis conseqüências legais que desabam sobre aquele que vende uma criança na França. Ao invés disso, eles preferem mostrar como um jovem à margem da sociedade comete um erro que vai se emendando a outros até formar uma grande teia, da qual ele não tem a menor chance de escapar. O filme, totalmente merecedor da Palma de Ouro, com a qual foi agraciado, é uma aula de observação, onde os diretores não pretendem perdem seu tempo apontando fatores: é um filme de ação e reação. A belíssima fotografia, a câmera quase documental e a ausência de trilha sonora instigam o espectador a querer saber o que realmente se passa pela cabeça dos personagens e mostram que, para tanto, é preciso acompanhá-los. Persigamos, portanto, os passos de Bruno, aquele que erra.

PARTE I – Em Busca de Bruno

Sonia acaba de sair do hospital e tem uma criança em seu colo. Ela e seu namorado, Bruno, resolveram chamar o bebê de Jimmy, mas ainda buscam um segundo nome para a criança. É uma tarde de inverno francês. Está ventando e Sonia protege Jimmy como pode. Indo até seu apartamento, ela descobre que este foi alugado para estranhos por seu namorado. Ela vai até um orelhão e tenta ligar para o namorado, sem sucesso. A pé, carregando uma criança de oito dias, Sonia atravessa estradas onde os carros não fazem a menor menção de desacelerar para que uma jovem mãe possa chegar ao outro lado. A garota chega até a margem do rio, onde Bruno montou seu “quartel general”, porém, ele não está ali. Ela tenta, novamente, telefonar para ele, mas não consegue contato. Após pegar carona com um motoqueiro, ela enfim encontra o namorado. Bruno está na esquina de um restaurante, pedindo esmolas aos motoristas que param no semáforo. O primeiro contato de Bruno com seu filho não só mostra a total falta de habilidade dele com bebês, como também expõe o fato de que Bruno ainda não concebe a responsabilidade que recaiu sobre seus ombros. No momento, o rapaz está mais interessado em espreitar sua próxima vítima, que está no restaurante, do que demonstrar um pouco de atenção por seu filho. Após o assalto ser realizado, voltam todos para o quartel-general de Bruno.

PARTE II – O Universo de Bruno

Bruno e seus dois pequenos comparsas dividem os resultados da pilhagem em proporções não exatamente justas: os dois garotos ficam com 10% cada um e Bruno, por ser o líder, embolsa o resto dos ganhos. O lugar onde eles estão é aquele por qual Sonia já passou anteriormente: à beira de um rio, próximo a uma grande ponte, existe uma pequena construção, onde Bruno e seus pequenos capangas se escondem. Após a divisão, a qual Sonia observou pacientemente, os garotos vão embora e Bruno volta para perto de Sonia. Ambos conversam brevemente sobre o parto e a garota pede para que seu companheiro toque sua barriga. Mesmo obedecendo, é perceptível que tudo aquilo é estranho para Bruno. Para evitar o embaraço de Sonia pedir-lhe para segurar o pequeno Jimmy mais uma vez, Bruno recomenda que eles vão para um albergue, para passar a noite. Ele mostra a Sonia sua nova jaqueta e ela o interroga sobre como ele a conseguiu. “Eu não poderia ter roubado isso”, ele responde. Antes de encaminharem-se ao albergue, Sonia derruba Bruno sobre as pedras e os dois iniciam uma brincadeira de arremessar pedras um contra o outro. Se ignorarmos o fato de que Sonia tinha um bebê em seu colo e que não é exatamente recomendável brincadeiras desse gênero quando se carrega uma criança, podemos perceber que esta é a segunda situação onde podemos ver um Bruno totalmente concentrado naquilo que faz. No universo dele, os furtos e as brincadeiras inconseqüentes encontram abrigo. Porém, Sonia e Jimmy também encontrariam? Enfim, chegando ao albergue, eles descobrem estar atrasados. Bruno argumenta com desculpas esfarrapadas sobre ônibus perdidos, mas a porta do albergue somente se abre quando Sonia declara estar carregando um bebê. O casal se despede na ala feminina (após Sonia ter que lembrar Bruno sobre o beijo de boa noite em Jimmy) e Bruno, após se recolher, recebe uma ligação: é hora de vender os últimos itens que sobraram do assalto. Saindo no meio da noite, Bruno encontra-se com uma mulher em um bar e negocia com ela o preço de uma filmadora. Após feitas as negociações, a mulher pergunta sobre Jimmy... e sobre a possibilidade de Bruno vendê-lo. Como qualquer pessoa de bem que se preze, Bruno diz não. Jimmy faz parte do universo de Bruno. Ao menos, é isso o que parece.

No dia seguinte, a nova família vai passear! Bruno aluga um carro e compra um carrinho de bebê para Jimmy. Os três passeam, se divertem (com mais algumas brincadeiras inconseqüentes) e Bruno mostra-se novamente desconfortável com a idéia de terem de registrar Jimmy. Após o breve passeio, eles voltam ao apartamento. Após a visita da assistente social, Sonia discute com Bruno uma oferta de emprego. “Mil euros por mês!”, diz ela. “Não quero trabalhar para babacas”, diz ele. Para fugir da conversa incômoda, Bruno compra uma jaqueta igual a sua para Sonia e então vão ao cartório. Jimmy está registrado. Na seqüência, vão ao banco. A fila está muito grande. Bruno sai passear com Jimmy, para matar um tempo. E então percebe que o bebê, as despesas, a necessidade de um emprego e, principalmente, as cobranças de Sonia não fazem parte de seu universo. Em uma atitude rápida, Bruno liga para a mulher e diz que quer conversar com as pessoas que compram os bebês. Sonia ainda cabe em seu universo... Jimmy não...

lenfant02.jpg

PARTE III - Une Femme Blessée

Tentando ser o mais ágil possível, Bruno acerta os detalhes para a venda. Vai até um prédio, entra em um apartamento e deixa Jimmy deitado sobre sua jaqueta, em um canto do apartamento vazio. Vai até um outro cômodo e se fecha lá: faz parte do acordo que ele não veja os rostos das pessoas envolvidas na compra. Após alguns momentos, ele ouve sons e, quando estes cessam, Bruno volta à sala e encontra um envelope contendo aquilo que ele tanto almeja. Bruno é inconseqüente. Ele sai do prédio empurrando o carrinho de bebê vazio e sequer sabe o que dizer a Sonia ainda. Ao encontrar-se com ela, o rapaz joga a verdade para sua namorada: “eu vendi ele”. Ainda incrédula, Sonia continua a interrogar Bruno e este, vendo que não fora boa idéia dizer a verdade, inventa que roubaram-lhe Jimmy durante o passeio no parque. Não funcionou. Um grande erro pede uma grande desculpa esfarrapada: “vamos fazer outro”, diz Bruno. Sonia desmaia. Sem conseguir reanimá-la, Bruno a levanta e tenta carregá-la até um hospital. Aqui reside uma metáfora sutil e bem empregada pelos Dardenne: Bruno, em vários momentos, precisa parar e “ajeitar” Sonia em seu colo. Sonia é o peso de seu erro. E Bruno, em sua imensa imaturidade, jamais parou para pensar se era capaz de aguentar o peso daquele erro.

Uma vez no hospital, o medo toma conta de Bruno: Sonia poderia delatá-lo após acordar! Desesperado com essa (óbvia) possibilidade, Bruno liga novamente para a mulher que o convencera a vender Jimmy e diz que quer desfazer o negócio. Jamais passara por sua mente que, talvez, Sonia preferisse a criança ao dinheiro. Jamais passara por sua mente que Sonia poderia vir a fazer as vezes da fêmea ultrajada por terem lhe roubado a cria. Perder alguns milhares de euros ainda era melhor do que ir para a cadeia. Bruno agiliza-se novamente: desta vez para desfazer seu erro.

 

PARTE IV – Entrando numa Fria Maior Ainda

Desta vez, o local combinado é uma garagem abandonada. Bruno entra em uma das garagens, a fecha e aguarda instruções. Após alguns instantes, uma voz vinda da garagem ao lado ordena que o rapaz devolva o dinheiro. Bruno alcança o dinheiro para o homem, que conta nota por nota. Após a confirmação do valor, tal homem diz que Bruno pode sair da garagem após ouvir o barulho do carro saindo. Bruno obedece, mas ainda guarda em si o temor de ter sido enganado: e se não tivessem deixado Jimmy? Felizmente, não era o caso. Bruno vai até a garagem ao lado e encontra a criança. Entretanto, mal sabia ele que problemas maiores estavam por vir: caminhando para longe daquelas garagens, é abordado por um homem que informa que Bruno está em dívida com eles. “Eu devolvi o dinheiro”, alega Bruno. “Nós perdemos em dobro”, anuncia o homem. A falta de visão de Bruno ao vender Jimmy o leva até essa complicação maior, mas isso é apenas o começo. Mesmo devolvendo Jimmy, Bruno ainda tem que prestar contas à polícia sobre onde estava a criança e Bruno, vendo-se sem saída, corre justamente para aquele recurso que uma pessoa como ele detestaria usar: “O bebê estava com minha mãe”. Na seqüência, Bruno não é só abandonado por Sonia, que não o quer mais por perto (“Já pedi desculpas! Achei que poderíamos ter feito outro...”), como também nos revela que, talvez, ele não seja do jeito que é apenas por sua própria culpa. Ao nos apresentar à sua mãe, ele nos mostra o possível motivo para que viva, praticamente, na rua: aparentemente, Bruno e o “namorado novo da mamãe” se desentenderam e ele foi posto para fora de casa. Aparentemente, também, pelo tom com que Bruno fala com sua mãe, sua vida não deve ter sido fácil. E é aí que reside um dos pontos mais interessantes da obra dos Dardenne: eles, definitivamente, não querem nem saber das dificuldades pelas quais seu protagonista passou. Não existe “ah, ele vendeu a criança porque teve uma vida difícil”, mas sim “ele vendeu a criança e agora VAI TER uma vida difícil”.  A “diversão” está apenas começando. Na sucessão dos fatos, vemos Bruno sendo espancado e “roubado” pelos criminosos para os quais ele deve, implorando perdão, mendigando centavos para poder comer e sendo rejeitado por Sonia mais uma vez. Bruno está enrascado e precisa achar uma saída.

 

lenfant06.jpg 

 

 

PARTE V – A Arte de Catalisar um Erro

Envolvido em um grande problema, Bruno precisa de uma solução rápida para levantar o dinheiro que os criminosos querem. Para tal fim, ele vai atrás de um de seus “companheiros trombadinhas”, Steve. Munidos de uma scooter e de muita inconseqüência, os dois roubam a bolsa de uma mulher e saem em disparada, porém, são perseguidos de perto por um carro. Seria, de fato, uma ótima perseguição “cinematográfica” se os Dardenne não fizessem questão de nos mostrar o quão ridícula a situação é. Após algumas manobras arriscadas, Bruno e Steve enfim conseguem despistar o carro, mas, ao tentarem passar por trás de um conteiner a scooter enrosca em arames e não consegue passar. Deixando o veículo para trás, nossos intrépidos delinqüentes se escondem atrás de uma pilha de vigas de metal e aproveitam para esconder o dinheiro que roubaram embaixo dela. Quando planejavam, enfim, sair do esconderijo, eles percebem que a barra não está limpa: o motorista daquele carro estava os alcançando. Bruno, então, decide que a melhor forma de fugir é entrando no rio. Os dois andam por uma estreita e danificada passarela e entram no rio, escondendo-se debaixo da mesma passarela. Seria, de fato, uma ótima saída se eles não estivessem na França, onde o inverno é rigoroso, o que faz com que a água fique bastante gelada. Após alguns momentos imerso, Steve começa a sofrer os efeitos da hipotermia e quase se afoga. Bruno o tira da água e o leva para uma pequena construção abandonada, onde tenta reativar a circulação do garoto. Lembrando-se do dinheiro, Bruno pede para que Steve aguarde alguns instantes, para que ele busque o dinheiro embaixo das vigas. Contudo, esse breve instante em que Steve fica sozinho acaba resultando na sua captura. Sozinho, Bruno desenrosca a scooter e a empurra por algumas ruas, até chegar a um hospital. Lá, ele pergunta por Steve e, ao encontrá-lo junto com uma assistente social, devolve o dinheiro do roubo e se entrega, assumindo a autoria do roubo. Bruno, enfim, chegara ao fundo do poço: sua última carta na manga falhara e ele já não via mais chances de conseguir saldar sua dívida com os bandidos que o atormentavam. Um erro levara a outro e, nessa última tentativa, ele não só se prejudicara como quase levara Steve junto com ele.

PARTE VI – O Golpe de Misericórdia

Bruno, enfim, está preso. E a última cena dessa obra-prima dos Irmãos Dardenne é justamente durante uma visita de Sonia a Bruno. Eles trocam algumas palavras e, então, Bruno começa a chorar. Ambos se abraçam, se tocam. É essa cena silenciosa e aparentemente terna, que se concentra o ápice do filme: Bruno, enfim, admite-se como o personagem-título. Não é de Jimmy, o pobre bebê vendido pelo pai, a “criança” do título, mas sim Bruno, uma pessoa de aproximadamente 20 anos que não consegue ter atitudes condizentes com sua própria idade. Em diversos momentos do filme testemunhamos a infantilidade de Bruno, percebemos o quão imaturo ele é (ressalto, principalmente, a cena em que Bruno está aguardando a ligação das pessoas que comprarão Jimmy e, enquanto espera, brinca de pisar em poças de lama e chutar uma parede, vendo o quão alto consegue alcançar). Porém, faltava Bruno admitir sua imaturidade. Tudo o que ele fez descende da sua falta de seriedade com a vida e com o que o cerca. Provavelmente, existem alguns fatores sociais que deveriam ser analisados e que poderiam atenuar a culpa de Bruno. Mas, nenhum fator social ou de criação justificaria a falta de maturidade de Bruno, uma vez que a partir de uma determinada idade, o responsável pelo seu crescimento é ele mesmo! Em nome de uma falsa “vida divertida”, Bruno negligenciou seu amadurecimento e acabou envolvendo e influenciando muitas pessoas com suas atitudes egocentricas e infantis. Sonia e Steve podem até ser duas dessas pessoas, mas o filme não descarta a culpa que esses dois personagens também possuem. Sonia também reconhece sua própria culpa ao chorar com Bruno. A única verdadeira vítima de espectros sociais negativos é o pequeno Jimmy: fruto da inconseqüência de dois jovens, Jimmy poderia acabar trilhando exatamente o mesmo caminho que seu pai. Porém, graças a Sonia (a única personagem passível de receber atenuação por seus atos, uma vez que “acordou para a vida” após o nascimento de Jimmy), que conseguiu abrir seus olhos a tempo, ele possui uma chance. Enfim, este é o golpe de misericórdia em Bruno: ele desperta para seus erros e percebe que ninguém irá “passar a mão em sua cabeça”. O sofrimento está apenas começando. A culpa está apenas começando. E é nesse momento final, também, que desvendamos o mistério do porquê o filme não possuir música. Não se trata de Bruno ter uma vida triste e, portanto, sem música. Muito pelo contrário! O filme não tem música porque Bruno não a merece.

lenfant04.jpg 

Preste atenção: Nas belas e seguras atuações e em todo o clima “frio” ao redor de Bruno: o meio em que ele vive reflete a indiferença e a frieza de seu ser.

O que já se disse: Um filme de gênero que rejeita artifícios e funciona tão bem como. Um filme ficcional de modelo documental. Um filme de corpos livres que se tornam regidos por emoções alienígenas. Um filme premiado com a Palma de Ouro que o grande público pode finalmente entender por que foi premiado.” (Bernardo Krivochein)

Porque não perder: Porque é a prova cabal de que não são necessários grandes diálogos para expressar grandes emoções.

O Garami é um daqueles usuários que não se expressam com muita freqüência, mas quando o fazem, é bom prestar atenção. Esse texto maravilhoso para o filme dos Irmãos Dardenne é prova disso. De maneira muito competente, o Garami descreve o filme e o interpreta, indicando os vários elementos que utilizou para chegar a tais conclusões. Um trabalho de primeira linha.

O filme não fica atrás. A Criança é brutal em seu silêncio, cruel e, ao mesmo tempo, piedoso com a falibilidade humana. Um dos melhores filmes desta década, resenhado por um dos usuários mais talentosos desse fórum. Imperdível.[/quote']

 

 Resenha muito boa do Garami. Quando eu tive a oportunidade de ver o filme, logo lembrei que este já havia sido resenhado pelo Cineclube, aí pensei: "por que não? se eu não entender, pelo menos leio algo a respeito".

 Claro, eu consegui sacar a mensagem principal do filme, mas perdi alguns momentos e etc. A Criança é um filme lindo mesmo, vou recomendar pra todo mundo. E falando nisso, vi que os irmãos Dardenne só fizeram dois filmes, e ambos venceram a Palma de Ouro! Porra, isso é fucking dangerous.

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