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Nacka
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"A melhor resenha do ano é publicada toda a semana. Este' date=' aliás, deveria ser o slogan do Cineclube."

Fantástico, Forashoney. 06

Não assisti ao filme resenhado pelo Deadman... Então tentei, tentei não ler, mas não resisti.
Muito bem escrita. Deixou-me com muita vontade de conferir o filme. Ainda mais depois dessa:
Assisti Taxi Driver ontem pela primeira vez e, uma coisa adianto: Taxi é o esboço para Touro Indomável.

13

 

 Rodrigo Carreiro (em mais um trecho pra lá de feliz de sua crítica à "Touro Indomável" - site Cinereporter) comenta:

 

"Jake compartilha muitas características com Travis Bickle, o protagonista de “Taxi Driver”. Os dois são personagens que vivem no limiar na paranóia e são tragados por ela. Lutam contra seus fantasmas pessoais e acabam derrotados pela vida. De certa maneira, portanto, Travis Bickle e Jake La Motta podem ser compreendidos como uma projeção do homem que Scorsese tinha medo de ser." 

 

 Além disso, apesar de achar "Taxi Driver" uma verdadeira pérola (virei fã de De Niro depois de ver esse filme...), "Touro Indomável" me vem à mente como a consagração, o ápice cinematográfico de ambos - Scorsese e De Niro. Sim, podem me chamar de empolgado, sem noção, maluco etc mas, pra mim, "Ranging Bull" é o melhor filme de Scorsese e De Niro ever, além de ser uma verdadeira aula de Cinema no sentido máximo da 7ª Arte em si (não é à toa que Thelma Schoonmaker diz que mostra certos enquadramentos do filme nas suas aulas sobre Edição...), pois apoiado em um roteiro de força dramática e trágica super bem elaborado, temos imagens filmadas com apuro técnico e artístico geniais.

 

         
The Deadman2007-05-22 13:33:00
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E ainda falta "Bons Companheiros"...

 

 

 

 Cara, "Goodfellas" é uma coisa de bom, né não?! Putz!! Joe Pesci no melhor papel de sua vida acompanhado novamente por um De Niro em plena forma num dos 3 melhores filmes de Scorsese!! Espero ansioso pela resenha... 05    
The Deadman2007-05-22 13:42:09
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"A melhor resenha do ano é publicada toda a semana. Este' date=' aliás, deveria ser o slogan do Cineclube."

Fantástico, Forashoney. 06

Não assisti ao filme resenhado pelo Deadman... Então tentei, tentei não ler, mas não resisti.
Muito bem escrita. Deixou-me com muita vontade de conferir o filme. Ainda mais depois dessa:
Assisti Taxi Driver ontem pela primeira vez e, uma coisa adianto: Taxi é o esboço para Touro Indomável.

13

 

 Rodrigo Carreiro (em mais um trecho pra lá de feliz de sua crítica à "Touro Indomável" - site Cinereporter) comenta:

 

"Jake compartilha muitas características com Travis Bickle, o protagonista de “Taxi Driver”. Os dois são personagens que vivem no limiar na paranóia e são tragados por ela. Lutam contra seus fantasmas pessoais e acabam derrotados pela vida. De certa maneira, portanto, Travis Bickle e Jake La Motta podem ser compreendidos como uma projeção do homem que Scorsese tinha medo de ser." 

 

 Além disso, apesar de achar "Taxi Driver" uma verdadeira pérola (virei fã de De Niro depois de ver esse filme...), "Touro Indomável" me vem à mente como a consagração, o ápice cinematográfico de ambos - Scorsese e De Niro. Sim, podem me chamar de empolgado, sem noção, maluco etc mas, pra mim, "Ranging Bull" é o melhor filme de Scorsese e De Niro ever, além de ser uma verdadeira aula de Cinema no sentido máximo da 7ª Arte em si (não é à toa que Thelma Schoonmaker diz que mostra certos enquadramentos do filme nas suas aulas sobre Edição...), pois apoiado em um roteiro de força dramática e trágica super bem elaborado, temos imagens filmadas com apuro técnico e artístico geniais.

 

         

 

Então somos dois malucos, pois eu também compartilho da mesma opinião!!!16
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O Novo Mundo

by J. de Silentio

 

novo-mundo-poster05.jpg

 

 

Como autêntica Arte, o Cinema tanto entretém o espectador quanto amplia a visão de mundo deste, por vezes sem que a audiência se dê conta do fato; pois, além do mero, conquanto importante, prazer estético proporcionado pelas imagens e pelo som, sobrevém, disfarçada de divertimento, a educação artística do espectador, uma maior percepção das coisas e de si mesmo, na medida em que o artista, o que de fato e sem dúvida são os diretores de Cinema autorais, lança um facho de luz e ilumina aquilo que para nós outros eram apenas trevas, tanto mais escuras por estarem dentro de nós, confinadas desde sempre no corpo, essa caverna sem fogueira. É o que, por exemplo, diz Proust, num célebre passo, que cito aqui pela lição que encerra: "(...) um teclado incomensurável, ainda quase completamente desconhecido, onde apenas aqui e ali, separadas por espessas trevas inexploradas, algumas dos milhões de teclas de ternura, de paixão, de coragem, de serenidade, que o compõem, cada qual tão diferente da outra como um universo de outro universo, foram descobertas por alguns grandes artistas que, despertando em nós o correspondente do tema que encontraram, nos prestam o serviço de mostrar-nos que riqueza, que variedade oculta, sem o sabermos, esconde essa grande noite indevassada e desalentadora da nossa alma, que nós consideramos como vácuo e nada".

O Novo Mundo (The New World), do diretor Terrence Malick, se inicia com uma suave invocação à Mãe, ou seja, a Terra, a Natureza dos nativos americanos. Como podemos constatar, não se trata da convencional invocação épica às Musas, que celebrassem as armas e os barões assinalados pela Fortuna, mas apenas um singelo apelo ao espírito sereno da Natureza. Isso é suficiente para explicar o filme: fugindo da obviedade popular dos filmes de ação, O Novo Mundo é um filme lírico, contemplativo, uma poesia visual, em suma, uma experiência sensorial à flor da pele. O vento sibilando nas árvores, o marulho do oceano, a voz meiga e sincera da bela índia Pocahontas, tudo isso ouvimos, vemos e, sobretudo, sentimos, tamanho o poder sugestivo das imagens. Após os créditos iniciais, ao som da imponente música dos Nibelungos de Richard Wagner, avistamos, quase ao mesmo tempo que os índios, a chegada dos navios ingleses no litoral da Virginia, no começo do século XVII. Trata-se de uma cena cuja plasticidade, aliada, ademais, ao som do mar, do vento e da música wagneriana, atinge o sublime; talvez que, ao abrir a boca, sentíssemos o gosto salgado da água, respirássemos a brisa com vestígio de gaivotas do litoral americano, nossas mãos estivessem calejadas com os nós do cabrestante. Num dos navios vem John Smith (Colin Farrell), soldado que será enforcado tão logo os ingleses achem um lugar onde constituir acampamento. Muita gente tem resistência ao ator irlandês, mas neste filme sua atuação é irretocável, bem como a da promissora Q'Orianka Kilcher, que interpreta, com ingenuidade e graça únicas, a nativa Pocahontas. O capitão Smith é perdoado, tendo obtido a clemência do capitão Newport (Christopher Plummer), e, junto com os demais, tentará fazer do Novo Mundo, a América, seu novo lar, um novo reino de Cristo prometido aos pioneiros ingleses. Lá, claro, Smith, um novo Adão, encontrará sua Eva. E o Paraíso será perdido.


 

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Desde sempre esteve a Arte vinculada ao conhecimento. As pessoas que a desfrutavam não visavam senão, a par da fruição estética momentânea, o autoconhecimento; uma elevação de si mesmos, o enlevo da alma. Basta pensar no Teatro grego, na Escolástica Medieval, na Estética de Schopenhauer etc. Hoje em dia, contudo, em pleno ápice dos meios de comunicação de massa, quando o Cinema cada vez mais assume sua mera condição de Indústria, às pessoas normais os filmes não passam de um lazer passageiro, um escape regado a refrigerante e pipoca, constituindo uma fuga do cotidiano anódino ditado pela modernidade. Daí que qualquer verdadeira obra de arte que não corresponda ao conceito vulgar de entretenimento de massa fique restrita ao circuito alternativo, aos festivais, aos cinéfilos. Tais filmes não são vistos com bons olhos pelo grande público; aliás, nem poderiam, pois, ainda que abertos, seus olhos, e um conhecido adágio chama o olho de janela da alma, são, por assim dizer, como os olhos de uma estátua de mármore.

O Novo Mundo, como acima está escrito, é uma poesia em imagens, o que nos lembra ou antes confirma a definição do poeta latino Horácio: ut pictura poesis, isto é, a poesia é como uma pintura. No presente caso, uma pintura de fundo histórico, como um quadro de Rembrandt. Contribuem imenso para a perfeita reconstituição de época a direção de arte impecável, o meticuloso figurino e a espantosa maquiagem dos nativos. Difícil crer que os índios sejam atores e não reais silvícolas do século XVII. No que diz respeito à trilha sonora, destacamos a peça já referida do Richard Wagner, utilizada nas vezes, três, em que há um ganho de consciência de alguma personagem (de que falaremos mais à frente), e o Concerto para Piano 23 de Mozart, usado nas cenas românticas. A trilha do James Horner, por sua vez, é apenas funcional. Uma das músicas lembra demais um fragmento do score de Apocalypto, trilha posterior do mesmo compositor. Grande parte do mérito do valor pictórico e sensorial deste filme se deve ao talentoso fotógrafo mexicano Emmanuel Lubezki, que, com luz natural, se esmera ao captar a natureza do Novo Mundo, bem como a Inglaterra, no quarto final da obra, em todas as suas variações, seja o inverno, a primavera, a chuva ou o nascer do sol. O filme é bem generoso nesse aspecto, uma vez que se detém, com vagar, calma e aturdido deslumbramento, diante de cada espetáculo que nos oferece diuturnamente a Natureza, e que, distraídos, no dia-a-dia, ficamos sem notar. Cumpre notar a preponderância que a água tem no filme, sendo o mar, os rios, a chuva, o poço, as poças enlameadas, a neve, em suma, um elemento primordial à Natureza e igualmente necessário à Civilização. Uma das mais belas cenas do filme é apenas e justamente uma tomada de umas poucas árvores e, acima delas e entre suas frondes e galhos, uma nesga de céu; de repente a imagem estremece e surge um círculo concêntrico; é quando então percebemos que estivemos a olhar para o reflexo das árvores e do céu refletidos numa poça d'água, como se víssemos o mundo sempre através de um espelho, mais que uma miragem, menos que a verdade.


 

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Não têm mais as pessoas, hoje em dia, o hábito da contemplação. Querem nos filmes ação desenfreada, explosões e tiros, sexo e nudez, sequer um momento em que fiquem a sós consigo e com seus pensamentos; querem o exótico, paisagens de cartão postal, romance água-com-açúcar, tudo aquilo, em resumo, que Hollywood, em sua maioria, por décadas nos vem impingindo. O problema está em que na vida sucedem tão poucas explosões, tão poucas reviravoltas, o que torna os filmes falsos, na medida em que pouco correspondem à nossa vivência real e efetiva, em que o mais do tempo é gasto, monotonamente, em cumprir uma rotina cada vez mais desgastante, uma existência cada vez mais sem sentido. Isso implica em tornar a dizer que os filmes são encarados por muita gente como apenas uma fuga, de si mesmos e da realidade. Daí decorre que o público não tem mais emoções autênticas, senão as que, mesmas de sempre, o lugar-comum tornou aceitáveis, porquanto facilmente reconhecíveis, às pessoas de mente empedernida, tão de granito como os nossos corações, pela Medusa da rotina. Vivendo nas cidades, emparedados nessas selvas de pedra, conforme se costuma dizer, em meio ao labirinto das calçadas e às catadupas de concreto dos edifícios, perdemos, em decorrência da artificialidade veloz de nossas relações, muito de nossa humanidade, levando uma existência anistórica, antinatural.

O Novo Mundo é uma celebração da Natureza edênica, virgem, imensurável. Ao assistir ao filme, dir-se-ia pudéssemos sentir a fragrância das florestas, adentrando, espantados, as matas, com os pés sujos de barro e chapinhando nas poças à beira dos rios, enquanto, perto, mas indistintos, antes por curiosidade do que por crueldade, somos seguidos por índios. A propósito, cumpre observar que o filme apresenta também uma releitura do mito rousseauniano do bom selvagem. Depois de capturado pelos nativos, numa cena parecida com a descrita acima, Smith passa um tempo convivendo com eles. A convivência pacífica o leva a considerar a vida deles, num dos muitos e belos monólogos que compõem o filme, livre da ganância e da inveja e da maldade, comuns entre os europeus, como a Utopia realizada. A cena do Smith entre os nativos, aliás, não deixa de remeter por certo à obra anterior do Malick, Além da Linha Vermelha, um filme sui generis de guerra. Entre eles, Smith consuma sua paixão por Pocahontas, que lhe corresponde o amor. De volta ao acampamento, Smith passa a liderar os pioneiros. A partir desse momento, o conflito se instaura, Pocahontas, temendo o destino do amado, toma partido dos ingleses e por isso é renegada pelo pai. Mais tarde será igualmente abandonada por Smith, que, antevendo a impossibilidade do amor, solicita a um amigo lhe digam, para poupá-la, que ele morreu num naufrágio. Como passa a viver, cativa, porém respeitada, em meio aos ingleses, estes são poupados dos ataques dos nativos. A possibilidade de harmonia entre os dois povos, contudo, foi abalada, quiçá irremediavelmente. A tensão decorrente desse conflito inicial definirá daí em diante a história da colonização americana.

 

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Sempre me admirou o fato de não ter pego pneumonia quando li O Ano da Morte de Ricardo Reis, do Saramago. Chove tanto e amiúde na Lisboa do livro, sobretudo na primeira metade do romance, que temi adoecer. Brincadeiras à parte, cito isso para lembrar de outra Arte, cujo poder sugestivo no que se refere às emoções e sensações é de tal modo impressionante que basta uma imagem bem realizada do espaço sideral para que sintamos o frio e o silêncio infinito que apavorou Pascal. É curioso, no entanto, que as pessoas se identifiquem a tal ponto, por exemplo, com filmes de terror a ponto de sentir calafrio e medo absolutos, e, ao mesmo tempo, se limitem a bocejar ao ver dramas singelos e realistas. Ora, essa identificação deveria acontecer com todos os filmes, pois sem ela não há Arte, mas tão-somente diversão descompromissada. Contudo, pouco se interessa o público quando se trata de obras que não difiram tanto assim do seu cotidiano. Como disse, buscam o embotamento, não a contemplação. O fato de verem situações parecidas com a que vivemos, que de resto ilumina nossas vidas, apenas as aborrece. São certamente as mesmas pessoas que consideram, para citar um caso conhecido, Encontros e Desencontros, ou a obra-prima Maria Antonieta, filmes monótonos em que nada acontece. Por vezes, o roteiro não é assim tão necessário, bastando o talento do diretor e de sua equipe em traduzir em imagens que nos assombrem tudo quanto querem nos transmitir; é suficiente o olhar de um ator de talento para nos revelar a emoção que antes ignorávamos e que a partir de então sempre saberemos reconhecer dentro de nós e nos outros. Se isso vale para obras em que as personagens, por assim dizer, são gente como nós, tanto mais válido se torna se o filme tem com assunto uma realidade diversa da nossa, que por conta disso tanto mais deveria nos interessar, por menos ação que a obra tenha. A ação, nesse caso, é substituída pela reflexão.

É sobretudo pelo roteiro que O Novo Mundo tende a desagradar os espectadores desacostumados a uma história narrada com beleza e tranqüilidade. Há certamente uma lentidão no modo como a história é contada, em que as cenas se sucedem aos saltos, num mosaico de imagens e, mais do que isso, de sensações a serem saboreadas sem pressa. O Novo Mundo é um filme para ser desfrutado, não simplesmente visto com olhos acelerados. Fosse um romance, seria um livro cujo estilo, cujas palavras e imagens e idéias fossem tão importantes quanto a trama; longe, portanto, de um best-seller, cuja justificativa única reside no enredo contado com reconfortantes clichês. A história de Pocahontas, que foi exposta até num desenho homônimo da Disney, não é um mito. O filme do Malick é uma releitura que respeita muito do que a tradição nos legou. A aclamação na Inglaterra da cristã Rebecca, outrora Pocahontas, realmente ocorreu, assim como seu casamento com John Rolfe (um contido Christian Bale), a quem conheceu depois da partida do Smith, e sua morte precoce. Foi muito bem recebida na Inglaterra porque, não fosse sua fidelidade ao Smith, a colonização de Virginia teria sido bem mais difícil, senão mesmo improvável, de vez que os colonos poderiam ter sido massacrados pelos nativos. Já o romance entre ela e Smith não é confirmado, trata-se apenas de especulação. O que Malick traz de novo à história, dando a ela uma nova e autoral dimensão, centra-se principalmente no seu estilo, isto é, na forma como é recontada a história, cuja originalidade sensorial já engrandecemos. É importante frisar também aqueles 3 momentos – a que já aludimos no quarto parágrafo e nos quais se ouve, quero crer que não por acaso, a majestosa música de Wagner –, em que percebi um ganho de consciência por parte dos protagonistas, como que uma nova visão de mundo. O primeiro deles, claro, é o da chegada ao Novo Mundo, quando os ingleses dos navios e os nativos do litoral avistam uns aos outros. É o reconhecimento, pelo choque cultural, da alteridade, do Outro. O segundo momento se dá quando Smith e Pocahontas enfim se apaixonam; é quando, num dos seus monólogos, repletos de poesia ingênua e sentimental, no bom sentido, declara Pocahontas que ela e ele são na verdade um só, o congraçamento do Eu e do Outro, transformado, ou antes fundido, intimamente, abolidas as diferenças de raça, num Eu e Tu. Por fim, temos a cena em que ela brinca com o filho, na Inglaterra, após, uma vez descoberto que Smith não tinha morrido, ter escolhido viver no entanto com o seu marido John Rolfe, ao invés de trocá-lo por Smith, seu primeiro amor, com quem viveu, de acordo com as palavras deles, uma espécie de sonho. Nesta hora, ouvimos John Rolfe, dirigindo-se ao filho, discorrer sobre o falecimento de Rebecca, que, no leito de morte, admitiu que sua morte não tinha importância alguma, uma vez que seu filho continuaria vivendo. Aqui, vejo um avanço em relação ao conceito de mortalidade. Rebecca, esquecida a contingência egoísta do Eu, se apercebe da imortalidade de nossa condição, pois seu filho lhe sucederá, assim como, futuramente, seu neto há de substituir ao filho, exatamente como acontece com os ciclos da Natureza, que se sucedem ano após ano, interminavelmente, e que o filme ilustra com imagens vigorosas, desde já inesquecíveis. Nestes 3 momentos, há a passagem do individual ao universal, que sempre caracterizou a Arte. Primeiramente o Outro; em seguida o Eu e Tu; por último, o Nós.

 

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Nesse sentido, O Novo Mundo é menos a América para os ingleses, mais notadamente para o Smith, quando de sua estada entre os nativos, ou, em escala menor, a Europa para a Rebecca, recém convertida ao cristianismo, do que um recente e mais amplo estado de espírito, uma maior e mais nova consciência que se lhe apresenta e também a nós, espectadores. Cito Proust, a propósito, uma vez mais: “A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em buscar novas paisagens, mas novos olhos”. Lembro ainda do caso do filósofo francês Condillac, que inventou, certa vez, num dos seus escritos, uma alegoria sobre uma estátua de mármore que, a pouco e pouco, a partir da percepção, pelo olfato, do cheiro de uma rosa, adquiria consciência, memória, identidade etc., até se tornar um homem pleno. Cada espectador que se dispuser a assistir, com a mente e os olhos receptivos, a uma obra como O Novo Mundo, que, certo, exige um pouco de quem assiste, dando, todavia, o triplo como recompensa, cada um, eu dizia, será tal estátua. Aberto, paciente e sem preconceitos, à experiência sensorial e única que sem dúvida o filme proporciona, há de, ao término da obra, ter adquirido uma nova forma de enxergar a realidade, um aprimoramento dos sentidos todos, mais do que tão-somente da visão. Doravante um Novo Mundo se descortina ante os olhos de mármore e assombrados da estátua. A exemplo de Miranda, personagem de A Tempestade, de Shakespeare – peça que, reza a lenda, teria sido inspirada no naufrágio que vitimou a mulher e a filha de John Rolfe –, ao ver quão maior é o mundo do que sua ilha, do que a tela de Cinema, do que nossas vidas, enfim, numa voz plena de arroubo haveria de exclamar: "Admirável Mundo Novo!". O mais curioso será então constatar que o Novo Mundo é o mesmo Velho Mundo desde sempre.

J. de Silentio

 

Com algum atraso da minha parte o Cineclube publica, como prometido, a resenha de O Novo Mundo, feita pelo J. de Silentio. O texto é tão bonito e apropriado ao filme - um dos melhores do ano passado, sem dúvida - que sua inadequação aos padrões do tópico torna-se quase irrelevante. No decorrer da semana inserirei as informações minimamente indispensáveis, como a ficha técnica e os dados do DVD. Enquanto isso, não deixem de conferir essa maravilha de filme e de comentá-lo aqui.

 

Meu trecho preferido? "Não têm mais as pessoas, hoje em dia, o hábito da contemplação". Tão poético quanto verdadeiro. O que acham?

 
Alexei2007-05-22 19:10:21
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Ao término da exibição de O Novo Mundo, me vi tomado por uma sensação um tanto rara. De certa forma, foi uma mescla de sentimentos os quais, aos poucos, entraram em harmonia. Alegria, alívio, leveza, melancolia. Era algo inexplicável e pelas horas seguintes, estava em um profundo silêncio psicológico.

 

Quero lhe agradecer por você retomar a sensação que tive no dia o qual assisti a esta Obra-Prima. Seu texto não é só sublime, mas profundo e exatamente como a película de Terrence Malick. Me vejo na obrigação de rever urgentemente.

 

Sou um indivíduo que valoriza e privilegia minusciosidades e sutilezas do nosso universo. E acredito que tais aspectos são acompanhados das mais diversas interpretações poéticas. Logo, películas que seguem tal conjuntura me agradam e procuro absorver o máximo que propiciam. Este é exatamente o caso de O Novo Mundo.

 

Fiquei satisfeito ao você ter citado Sofia Coppola. Afinal, irei realizar a resenha de Marie Antoinette em agosto. Vejo muitas semelhanças entre as duas produções, seja em um contexto estético ou psicológico.  E isto faz a produção de Sofia uma das minhas favoritas deste ano até então.

 

Mais cabível ainda, foi a citação de Saramago e o do heterônimo de Fernando Pessoa. Aliás, impossível não assimilar tal obra aos poemas presentes na Poesia Completa de Alberto Caeiro. Neste há um fragmento intrigante: 'E tudo o que se sente directamente traz palavras suas'. Quer frase mais bela? Ao assistir uma obra composta por elementos já citados, esta frase me vem a cabeça. Brilhante.

 

Quero te parabenizar, Silentio. Sua resenha me causou uma transgressão. Sublime, genial, brilhante e uma das melhores que já li aqui.

 

10 
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Silentio, está perfeitamente adequado ao seu estilo e materializou os sentimentos de quem assistiu ao filme, com assombrosa nitidez. Isso não é só uma resenha é um tratado de como sentir o cinema, artigo em falta hoje em dia. Acho que o slogan sugerido pelo Foras, para o tópico, não poderia ser mais verdadeiro.

 

 

 

 

 

 

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 Infelizmente, não tive a oportunidade de assistir "O Novo Mundo" devido minha preguiça de Farrel e a contaminação pelo mesmo sentimento em relação ao filme dado seu retumbante fracasso comercial por aqui; mas que texto é esse, meu Deus??!! 13

 Os magníficos comentários, tanto em forma e contéudo, fazem a sua redação, irretocável! Deve fazer corar de inveja e vergonha muitos profissionais do ramo, quiça amadores e leigos como nós outros...

 Seu texto serve não somente como possibilidade de deleite de possíveis recordações do que foi visto no filme, mas antes e principalmente, como carta de orientação para aqueles que queiram se aventurar em descobri-lo.

 Parabéns, Silentio!! 3d35

   
The Deadman2007-05-23 09:51:42
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Também ainda não assisti ao filme , mas o texto é primoroso - o que já era de esperar do Silentio .

 

É , o slogan do Forasta é acertadíssimo : a melhor crítica do ano , tem aparecido a cada semana . O que confirma o Cineclube como o melhor tópico de todo o fórum .
Fernando2007-05-23 11:45:59
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Eu acho q sou um dos poucos q não achou o filme isso tudo! Primeiro porque achei Farrell e Kilcher inexpressivos e não me passaram muita coisa. Sem dúvida os melhores minutos são os finais graças ao Christian Bale. E segundo porque o filme é longo demais, cansativo.

 

 

 

P.S.: Gostei da crítica/resenha/análise do J.

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E tinha que ser logo de "Os Bons Companheiros"? Hahaha... acho que vai ser perfeito Veras e prevejo um debate caloroso (ou devo dizer acalorado?) como em Se7en...

 

O segundo melhor Scorsese, na minha opnião. E que bobagem da Veras... Mas é sempre assim, eles se fazem e depois detonam com o tópico.06 Não tenho dúvidas de que o nível do Cineclube vai às alturas. É a primeira menina a escrever pra cá, não?
Forasteiro2007-05-26 00:02:36
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Muito boa a resenha. Só acho que, se por um lado ele reafirma que as pessoas têm de largar os preconceitos para poder contemplar o filme, por outro ele sugere (ênfase aqui) um certo tipo de preconceito com outros tipos de filmes tão válidos quanto...

Mas enfim, ele disse tudo o que eu poderia pensar em lembrar e mais um monte, sobre essa jóia do Malick.
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Quanto mais críticas boas eu leio no cineclube' date=' mais fico nervosa.
Porque logo a minha resenha (de uma iniciante no cineclube) tinha que fechar a temporada???
[/quote']

 

Nem me fale. Já estou roendo as unhas aqui.09

 

Parabéns ao Silentio. Excelentes (e pertinentes) os comentários feitos acerca de O Novo Mundo. A crítica é tão complexa quanto o filme, belo. Explicar a beleza não é das tarefas mais fáceis. Descrever o visual dessa OP requeria muito cuidado, pois sempre existe o risco da redundância quando nos referimos a algo tão imaterial. Fantástico trabalho!101010
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Hehe' date=' valeu.

 

E Veras, tenho a impressão de que o Dook falava no sentido de que, para Martin Scorsese, Taxi Driver deva ser um esboço de Touro Indomável, já que neste último o diretor simplesmente explode. Creio eu, não vou pôr palavras na boca do Conde. [/quote']

 

Touché... Taxi Driver é um estímulo... Touro Indomável é o nocaute.
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Silentio' date=' está perfeitamente adequado ao seu estilo e materializou os sentimentos de quem assistiu ao filme, com assombrosa nitidez. Isso não é só uma resenha é um tratado de como sentir o cinema, artigo em falta hoje em dia. Acho que o slogan sugerido pelo Foras, para o tópico, não poderia ser mais verdadeiro.


[/quote']

 

Tirou as palavras do meu teclado... Não dá pra falar de O Novo Mundo, vc precisa SENTÍ-LO. Talvez seja por isso que nunca consegui discutir aquele que considero o melhor filme do ano passado disparado. Como se exterioriza sentimentos em palavras?

 

 

Meu trecho preferido? "Não têm mais as pessoas' date=' hoje em dia, o hábito da contemplação". Tão poético quanto verdadeiro. O que acham?
[/quote']

 

Talvez seja, hoje, a ÚNICA verdade inquestionável no cinema: as pessoas não sabem mais (e nem querem saber) contemplar a mera expressão artística cinematográfica.
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