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Cineclube em Cena


Nacka
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A investigação de um triplo assassinato por uma policial grávida numa fria cidade americana. Um filme dos irmãos Coen.

 

 

 

Fargo - Joel Coen

 

(por Vicking)

 

 

 

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FILME: Fargo (Fargo) de Joel Coen (1996)

 

 

 

SINOPSE: Indicado a sete prêmios Oscar, inclusive melhor filme, e ganhador de dois (Melhor Atriz e Melhor Roteiro Original), este suspense com humor negro (Los Angeles Times) combina um elenco de primeira grandeza (Variety), uma fantástica combinação de gargalhadas e malícias (Rolling Stone) e um inusitado plano de sequestro que se desenrola no Meio Oeste.Jerry (William H. Macy), um vendedor de carros de uma cidadezinha de Minnesota está afundado em dívidas... mas ele tem um plano. Vai contratar dois bandidos (Steve Buscemi e Peter Stormare) para sequestrarem sua esposa, para poder receber um polpudo resgate de seu endinheirado sogro. Vai ser moleza e ninguém ver se ferir... até que as pessoas começam a morrer. Então entra em cena a Chefe de Polícia Marge (Frances McDormand), uma investigadora que gosta de beber café, usar parka e - está extremamente grávida.

 

Alguém que não se detém perante nenhum obstáculo para agarrar seu criminoso. E se você acha que suas habilidades de investigação caseiras darão tempo aos caras maus para colocarem as mãos no dinheiro... aceitamos sua aposta! (site 2001video)

 

 

 

O QUE EU ACHO: Em 1996, os irmãos Joel e Ethan Coen lançaram Fargo, um pequeno filme que se passa na região de Minnessota/Dakota do Norte, causando sensação, ou melhor, “frisson”. Para a surpresa e em alguns casos até indignação de muitos, o filme não perdeu o seu poder, e ainda hoje permanece como a obra máxima dos diretores, sob uma ótica geral.

 

Os motivos pelos quais Fargo tem tanto prestígio variam de pessoa para pessoa, como deveria acontecer com todos os filmes, teoricamente. Mas neste caso existe um equívoco, o filme é muito mais que uma “comédia de erros” como o subtítulo em português afirma. Classificá-lo dessa forma é afirmar que não há nada nele para refletir, se trata apenas de uma diversão passageira e esquecível.

 

 

 

Protagonistas da classe média estadunidense, planos mirabolantes que falham, culminando em desfechos absurdos. Essa basicamente é a fórmula autoral empregada pelos Coen em todos os seus roteiros, salvo exceções. Outras características sempre presentes são a preocupação extraordinária com a fotografia, uma decupagem (movimentos de câmera, planos...) peculiar e um estudo antropológico como pouco se vê, que faz de seus personagens e diálogos tão memoráveis. E foi justamente em Fargo o ápice do talento dos irmãos como cineastas, onde todos esses elementos foram utilizados com perfeição e criatividade, resultando em um filme sem precedentes.

 

 

 

A melhor maneira de analizar a genialidade por trás do filme é fazer um painel semântico dos principais personagens. Eles não formam um microcosmo isolado, mas ilustram com perfeição o cotidiano e a forma de pensar do americano interiorano, apesar de certos elementos ultrapassarem os limites sócio-geográficos.

 

 

 

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1)Jerry Lundegaard

 

 

 

O esteriótipo do vendedor de carros com dimensões: quem vê Jerry logo percebe que não se trata de um vencedor. Um pai de família “vítima” do mundo capitalista, ele se vê obrigado a partir para métodos ilícitos, bolando um aparentemente inofensivo plano com o objetivo de extorquir seu rico sogro.

 

 

 

Covarde e enrolão, ele dificilmente convence alguém, seja na hora de vender um carro, de nogociar com ladrões que ele mesmo contratou ou de mentir para o representante da GMAC sobre um carro desviado. O interessante é observar sua reação nessas situações, ele se porta de modo patético e humilhante, chegando a acreditar em suas próprias mentiras, e como conseqüência acaba se complicando mais ainda. Nem ele mesmo suporta isso, ao chegar em casa depois de saber que seu sogro morreu na negociação do seqüestro, ele senta e olha para o chão, desacreditado. Logo, seu filho diz para ele ligar pro sócio de Wade, ou seja, mesmo depois do choque, ele sabe que os problemas não acabaram, pelo contrário, se tornaram piores, deixando explícito que o personagem é, acima de tudo, trágico.

 

 

 

Ele finalmente perde a paciência quando a policial Gunderson volta a entrevistá-lo, e decide fugir. O problema de Jerry não era a pobreza ou o azar, era ele mesmo.

 

 

 

William H. Macy nasceu pra interpretar o Lundegaard, passando inseguranças, trejeitos, e um sutil perfil de “tio Sukita”, casando perfeitamente com o roteiro dos Coen. Aparentemente ele sabia disso, e implorou pra conseguir o papel.

 

 

 

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2)Carl Showalter

 

 

 

Esse já foi escrito para o Steve Buscemi, que não desapontou. Um patife maltrapilho, desprovido de espinha dorsal. Sem um pingo de personalidade, as ações da personagem jamais são autênticas, ele vive em piloto automático, e os Coen sabem ilustrar isso com perfeição, como quando Carl fala para Jean (amarrada no banco de trás do carro) “Just keep it still back there lady or we're going to have to, you know, shoot you”. Ele é tão entediante e irritante que não consegue nem entreter uma prostituta. Na verdade, Carl acaba tornando-se um retrato da alienação e da burocracia de pessoas da cidade grande, em que aparentemente o sexo e a morte são fatores dignos de preocupação, e na realidade não se dá a mínima. Nisso o filme é absolutamente genial, já que o próprio expectador chega a dar risadas em momentos mais trágicos.

 

 

 

Assim como Jerry Lundegaard, Carl Showalter não é um vencedor, e acaba sendo até pior já que por dentro, é um cara que gasta tempo procurando vaga em um estacionamento vazio, ou surrando a TV com sinal ruim, ou enterrando uma maleta de dinheiro no meio do nada. É uma pessoa sem nenhum teor, que desaparece diante de sua própria mediocridade.

 

 

 

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3)Gaear Grimsrud

 

 

 

A personagem quase não abre a boca durante toda a projeção, e no entanto consegue transmitir muito perigo. Se o Showalter é entediante, o Grimsrud é entediado, o que constantemente nos leva a questionar o porquê dos dois terem se unido. Sabemos que ele está atrás de dinheiro, mas o approach introspectivo dos diretores revela também que ele não é vazio como a personagem do Buscemi. Na mesma cena em que o Showalter fica esmurrando a TV, o que vemos é o olhar reflexivo de Grimsrud. Ele parece “funcionar” [viver] apenas na base da violência, assim como aquele aparelho, ao passo que vê o terror de Jean através de sua respiração, e não sente absolutamente nada.

 

 

 

Na verdade, ele é o bandido a que se teme, mas não necessariamente o único a que se deveria temer.

 

 

 

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4)Marge Gunderson

 

 

 

Marge Gunderson é a personagem chave do filme. Ela sim representa um microcosmo, uma interiorana honesta, humilde, e dedicada em sua função. A maior proeza dos irmãos em Fargo, na minha opinião, é justamente o tratamento dado a essa personagem. Além dos trejeitos locais, Marge surge como uma pessoa absolutamente ordinária daquela região, e justamente por isso, nós a admiramos tanto. As sutilezas que a lapidam estão nas mais diversas cenas, como quando ela come um hambúrguer em um fast-food com bandeiras americanas atrás, ou no simples ato de por comida no prato em um restaurante, numa linda tomada em que a vemos escolhendo o que vai comer.

 

 

 

E no final, ela confronta Grimsrud, num dos melhores diálogos do cinema:

 

 

 

“So that was Mrs. Lundegaard on the floor in there. And I guess that was your accomplice in the wood chipper. And those three people in Brainerd. And for what? For a little bit of money. There's more to life than a little money, you know. Don't you know that? And here ya are, and it's a beautiful day. Well, I just don't understand it.”

 

 

 

Os Coen, basicamente falam “você mata pessoas por dinheiro e nós, caipiras, é quem somos estranhos?”. Um baque para o expectador, que até então vinha se divertindo com a situação e a caipirada. É essa seriedade repentina que acaba diferenciando Fargo dos outros filmes dos diretores. É claro que isso não teria acontecido também sem a espetacular performance de McDormand, que mergulhou na proposta de sua personagem, fazendo sua simplicidade se transformar em uma virtude que poucas pessoas no mundo de hoje possuem.

 

 

 

A última cena é justamente a celebração disso, onde Marge está deitada com Norm (nome bem sugestivo) na cama, e os dois percebem o quanto são felizes com sua vidinha pacata.

 

 

 

5)Outros

 

 

 

Existem diversos personagens que nada mais são do que ramificações de Marge, e nisso estão inclusos seu dócil marido, o sr. Mohra, e os demais policiais, que além de trazerem muito humor pra história, fortalecem a cena final entre Marge e Grimsrud.

 

 

 

Jean Lundegaard, outra personagem tipicamente interiorana, que passa suas tardes tricotando na frente da TV. Sua reação diante da violência a que foi exposta é a tradução de tragicômico, o que não justifica o seu destino.

 

 

 

Mike Yanagita, talvez o mais engraçado do filme inteiro.Acabou sendo útil para Marge, sua mentira fez com que ela desconfiasse de Jerry, retornando para interrogá-lo.

 

 

 

Apesar da atenção ser toda virada para o casamento do roteiro e dos atores, a parte técnica de Fargo é igualmente eficaz...Roger Deakins transforma uma cidade coberta pela neve em um cenário interessante, e que enfatiza o caráter periférico da história. E existem vários planos econômicos e elegantes, como aquele em que somos apresentados aos Gundersons através de um travelling pela sua aconchegante e humilde casa. As informações necessárias são mostradas, e não mastigadas.

 

 

 

Nativos de Minnesota, é óbvio que os diretores adoram tirar sarro de si próprios, mas o fato é que eles conseguiram a proeza de criar uma forma de fazer bom cinema, e dentro dessa proposta, realizar Fargo. Trazendo personagens extremamente reais e autênticos, é um filme que te satisfaz em vários níveis, sem furos, sem gorduras e sem açúcar. E é 100% irmãos Coen.

 

 

 

PRESTE ATENÇÃO: Todas as cenas com a trilha sonora de Carter Burwell. Ela funciona quase que como um alerta para o expectador desatento, para as horas em que existe algo para pensar.

 

 

 

POR QUÊ NÃO PERDER:Fargo é um filme peculiar por ser autoral. Algo parecido só mesmo na própria filmografia dos diretores, mas ainda assim este é junto com Barton Fink o filme em que os diretores chegaram a níveis mais elevados, com ambições artísticas e criativas.

 

 

 

INFORMAÇÕES DO DVD:

 

Idioma:Inglês, Espanhol

 

Legendas: Português, Inglês, Espanhol

 

Áudio: Dolby Digital 5.1 (Inglês), Surround 2.0 (Espanhol)

 

Video:Widescreen 1.85:1 Anamórfico 16:9

 

Extras:

 

* Menu Interativo

 

* Seleção Cenas

 

* Featurette Minnesota Nice

 

* Charlie Rose Show

 

* Spot de TV

 

* Trailers

 

* Galeria de Fotos

 

* Artigo Promo Veludo Azul ed. Especial

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Excelente resenha do Vicking. Muito bem dissertada e a escolha de se aprofundar na construção dos personagens foi uma boa opção.

 

Consegui enxergar algumas coisas na produção, a qual não funcionou para muito bem para mim. As sutilezas ficaram explícitas. O texto me incentivou a dar uma segunda chance para o filme.

 

Mas... Eu acredito que você deveria ter abordado e se aprofundado na narrativa. O desfecho, particularmente, foi algo que detestei e talvez não tenha captado a sátira. Seria mais interessante se você tivesse se embasado nesta vertente também já que, para mim pelo menos, foi o que não consegui 'digerir' em Fargo. 03
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Eu não sou entusiasta para redações, mas eu tentei passar o que se sobressaiu em comparação com outros filmes, o que ultrapassou o limite entre bom e genial, e de preferência de forma sucinta.

Eu não entendi muito bem o seu problema com o desfecho do filme, mas tanto a cena entre a Marge e o Grimsrud quanto a cena final dos Gundersons na cama eu expliquei o que achei na análise da Marge. Mas a discussão está aberta, hehe.

 

E pra mim o filme flui bem, um bom trabalho do Roderick Jaynes (03) em não deixar a narrativa episódica, mas não vejo significados relevantes nisso. Se não ajudou a gostar do filme. não vejo como pode ter atrapalhado.

 

 Edit: e valeu pelo elogio!
Vicking2007-10-08 14:27:39
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Muito boa a resenha do Viking. O filme é muito belíssimo, uma peça rara e o Viking me mostrou várias sutiliezas as quais não tinha reparado. Inclusive, existe uma parte, em minha humilde opinião, verdadeiramente sublime na resenha e que traduz com perfeição a galeria de figuras estabelecidas pelos Coen: " Eles não formam um microcosmo isolado, mas ilustram com perfeição o cotidiano e a forma de pensar do americano interiorano, apesar de certos elementos ultrapassarem os limites sócio-geográficos.".

 

Sobre o filme, como já disse em várias partes, considero o melhor dos Coen, que estereotipa uma cidadezinha com humor negro com verdadeira classe, importando-se também em desenvolver seus personagens de maneira totalmente original.

 

Em suma: Excelente resenha para um excelente filme.
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Boa, Vicking. As personagens são realmente o melhor de Fargo e a trilha-sonora que é em grande parte do filme ausente, funciona bem como um alerta mesmo, não definiria melhor. A trilha, btw, faz com que Fargo se torne uma espécie de ballet nas cenas mais violentas, porque junto dela, as luzes se apagam e o atirador/atirado são iluminados de um jeito todo macabro que de jeito nenhum fica engraçado.

 

Mas é engraçado, porque a minha visão de Fargo foi de algum jeito um pouco diferente da do Vicking. Tomando como base o que ele diz na descrição da Marge, os caipiras saem como "vitoriosos", por assim dizer, do confronto no filme. Mas o Jerry também é um caipira, nós também rimos dos trejeitos e do dialeto do cara e não há maior derrotado no filme do que ele, e por isso eu vejo Fargo com uma idéia bem mais ampla, uma espécie de embate entre pessoas com certa personalidade, que não andam 'na linha' e resolvem viver de um jeito mais autêntico, digamos, contra pessoas que são Normais, que por levarem a vida quase que de um jeito pré-determinado (nascer, crescer, viver, ser honesto, trabalhar, etc e tal) podem ser taxadas de pessoas sem personalidade. E Fargo se torna então, pra mim, uma crítica à sociedade mesmo.

Sei lá, eu vi o filme duas vezes e a mesma impressão prevaleceu.

 

 

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Boa' date=' Vicking. As personagens são realmente o melhor de Fargo e a trilha-sonora que é em grande parte do filme ausente, funciona bem como um alerta mesmo, não definiria melhor. A trilha, btw, faz com que Fargo se torne uma espécie de ballet nas cenas mais violentas, porque junto dela, as luzes se apagam e o atirador/atirado são iluminados de um jeito todo macabro que de jeito nenhum fica engraçado.Mas é engraçado, porque a minha visão de Fargo foi de algum jeito um pouco diferente da do Vicking. Tomando como base o que ele diz na descrição da Marge, os caipiras saem como "vitoriosos", por assim dizer, do confronto no filme. Mas o Jerry também é um caipira, nós também rimos dos trejeitos e do dialeto do cara e não há maior derrotado no filme do que ele, e por isso eu vejo Fargo com uma idéia bem mais ampla, uma espécie de embate entre pessoas com certa personalidade, que não andam 'na linha' e resolvem viver de um jeito mais autêntico, digamos, contra pessoas que são Normais, que por levarem a vida quase que de um jeito pré-determinado (nascer, crescer, viver, ser honesto, trabalhar, etc e tal) podem ser taxadas de pessoas sem personalidade. E Fargo se torna então, pra mim, uma crítica à sociedade mesmo.Sei lá, eu vi o filme duas vezes e a mesma impressão prevaleceu.

 

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Revi Fargo ontem para poder analisar melhor e também para poder ler a resenha com mais cuidado. Na primeira vez que vi o filme até tinha gostado do filme só não tinha me apaixonado pelo filme, como muitos do fórum, apesar de ainda não amar o filme em uma segunda conferida mas a tive chance de dar mais valor ao filme. E concordo com o Troy na parte que ele diz que vê o filme como uma crítica a sociedade, porque pra mim por exemplo a Marge, que é "vitoriosa" do filme, a não ser que vocês discordem comigo é uma pessoa nada convencional e que mesmo assim percebe ter uma ótima vida no final das contas, apesar de ser "diferente". E pra mim Jerry é uma representação do típico americano, que acaba perdendo o controle e "enlouquecendo" por coisas que pareciam ser bobas. Mas enfim, o filme subiu e muito no meu conceito mas como ainda é o único dos Cohen que eu vi não posso afirmar que seja o melhor deles mas com certeza é um filme diferente e de ótima qualidade, mudei a nota de 8 para 9, entrando no meu top 100. 05.gifEdTheTrooper2007-10-08 20:01:12

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Ah, e devo resenhar Hellraiser - Renascido do Inferno, do Clive Barker,  filme de horror dos anos 80 que explora o inferno dos prazeres humanos tanto carnais quanto psicológicos conforme já havia dito ao Jail. Esperem algo totalmente esquizofrênico, como sempre...0606
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neste caso, vou tirar o DVD da estante e assistir novamente só por causa da sua Resenha, fiquei curiosa para ler o que tem a dizer sobre o filme 0305
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a impressão que eu tive da resenha do Vicking é que ela tá boa, mas que faltou uma podada final, a princípio. enfim, eu vejo o filme como uma jóia que consegue ser ao mesmo tempo tão cruel e cínica quanto afetiva, de rir de chorar e de chorar de rir. são os dois lados das situações de cada personagem; o esqueleto de como eu vejo tá tudo na resenha do Vicking, é como se ele zoasse e zoasse pra depois acariciar, hehe. é aquela coisa, te diverte e te envolve, emociona, hehe, vc ri do cara no triturador, mas depois concorda com a Marge. ele lembra até um pouco Funny Games, de deixar bem claro que o filme é ficcional, e atirar no espectador em ficar se divertindo com a violência. só que bem mais sutil.

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É Ruby, também tive essa mesma impressão. Acho que Fargo tem uma violência não explícita que é tão gore quanto o que se vê na tela. Me lembra em muitas coisas Beleza Americana (ao avesso) e tem até ecos de Brockeback Mountain (a cena do sogro indo jantar na casa da filha em BM tem uma cena muito parecida e que termina de forma diferente), Pulp Fiction (os diálogos da dupla Buscemi e o Stormare).

 

Fargo é uma delícia de assistir, porque trata de pessoas comuns fazendo coisas comuns só que tudo soa de forma extraordinária, aquele sotaque, o excesso de gentileza comuns ao estado e o hilariante yah. A perspicácia de Marge matando a charada do triplo assassinato só de olhar para a cena do crime e você de cá pensando, uau! Como ela consegue com esse barrigão? Parecendo tão frágil e ainda assim tão... cumpridora do dever.

 

Fargo parece comum, como seus personagens, mas é um filme extraordinário, com Roger Deakins matando a pau na fotografia cegante, tudo branco, imaculado, mas olhando de perto...

 

 

Nacka2007-10-09 13:37:47

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O Rike já deve estar sofrendo de cólicas intestinais, de tão nervoso que está... 06.gif

 

 

 

Fargo

 

 

 

Tenho que rever. é o meu favorito dos Coen. Faz uns 3 anos que não o vejo, ou seja, não posso comentar muito da resenha do Vicking. O ponto que gostei da resenha é que na realidade, ele acaba comentando mais sobre o filme do que sobre as personagens, complementando as informações colocadas anteriormente, acredito que por uma visão de mundo do cinema.

 

 

 

O que mais me chamava a atenção no filme, era o humor, extremamente negro, ácido, e muito, mas muito inteligente contido no roteiro e na forma que abordava as situações pretendidas.

 

 

 

Vou reve-lo logo.

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Bom, eu fui reler a resenha do Foras de Dogville e acabei lendo também a do Alexei por Fale com Ela e juliocf por Se7en.

 

Sobre a resenha do Foras é irretocável. Brilhante, não percebi tantas coisas assim. Na realidade, a única sutilidade de Lars Von Trier que percebi foi sobre a agulha (ou algo assim) do sino da igreja que, em certa parte do dia, aponta para aloja de Ma Ginger, mais especificamente para os bonecos, mostrando que aquilo era Dogville: de qualidade duvidosa e totalmente vazia.

 

A resenha do Alexei é elegante ao extremo, ele tem um ótimo vocabulário. Gosto bastante de Fale com Ela, apesar de não ser um fã de carteirinha de Almodóvar (vi pouco dele, o melhor sendo Volver). Ele explora os sentimentos de cada personagem com eficácia, mostrando vários aspectos positivos. Particularmente, não gosto da maneira com que é resolvida a trama de Lydia para se focar apenas em Benigno. Acho que seria mais bonito explorar o amor de Lydia e Marco. Da maneira como ficou, pareceu muito encaichadinho que o que ocorre com a Lydya para que o Marco possa se dedicar mais ao Benigno. Mas o Alexei me fez gostar mais do filme.

 

Do juliocf, achei que deu pro gasto. Nenhum brilhantismo, no entanto transmitiu o que achou do filme de boa maneira. Só achei que faltou um pouco de exploração. O cerne do filme é a investigação ao sujeito, porém o Fincher introduz com perfeição a personalidade do assassino. Vê-lo dizendo que se alguém visse aquele gordo comendo feito um porco numa lanchonete denota seu caráter repulsivo e isso merecia maior estudo. E na minha opinião, o Pitt não estava razoável, ele estava muito foda. Ele cria um contraponto muito bom entre seu personagem e o Freeman. Quero rever este filme logo.
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Adoro Fargo, sou fãzoide do filme, tive o prazer de vê-lo no cinema, sentado numa das primeiras fileiras...o grande achado desse filme são os personagens, são ótimos, todos aquele trejeitos de pessoal do interior, os sotaques, a simplicidade, o casal Marge comendo numa minúscola mesa, numa minúscula cozinha e depois eles tb pegando comida num self-service, ela tendo enjôos quando foi ver uma ocorrência, uma pesoa morreu, mas os enjôos eram da gravidês...aliás um parentêse, a cena da morte desse personagem que testemunha a dupla Showalter e Grimswod corrgando o corpo do policial na beira da estrada de noite é foda..o carro capotado, a pessoa com a respiração ofegante e um único tiro...uma das mortes mais frias que vi na telona...

 

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Uma das muitas impressões que se tem após assistir ao filme da Sofia Coppola é que a música exerce seu papel como um personagem intrometido, porém necessário. A provocadora trilha de Maria Antonieta é um achado e pontua muito bem os conflitos da jovem rainha.

 

O Rike fez algo muito legal aqui e usou a trilha como fio condutor de sua resenha, ficou perfeito. Apesar do filme não ser isento de falhas não podemos ficar imunes ao seu apuro técnico e ao que parece ser o ponto de ataque preferido de seus detratores: O elenco. Encabeçado por Kirsten Dunst é composto não de ícones do cinema europeu mas de caras desconhecidas da América. Um insulto! Dirão uns. Absurdo! Dirão outros. Mas a diretora fiel ao seu cinema não faz concessões e ainda que escorregue aqui e ali, faz um filme memorável que exige de quem o assiste um mínimo de sensibilidade. Então, esta semana o Cineclube em Cena apresenta Maria Antonieta na versão particular de Sofia Coppola embalado pela paixão do texto de Rike.

 

 

 

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(Por Rike)

 

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FILME: Maria Antonieta (Marie Antoinette) de Sofia Coppola (2006)

 

SINOPSE: (by www.e-pipoca.com.br) Aos 14 anos de idade, a inocente austríaca Maria Antonieta tornou-se rainha da França. Ainda jovem sua família arranjou para a menina um casamento com Louis XVI. Despreparada para enfrentar as desgraças políticas, Maria Antonieta foi ridicularizada pela França e mais tarde decapitada durante a revolução francesa.

 

O QUE EU ACHO: O escritor e dramaturgo inglês Oscar Wilde certa vez pronunciou uma frase de bastante impacto. ‘A arte é a mais intensa forma de individualismo que o mundo já conheceu’. Talvez, nenhum outro período seja mais cabível para a empreitada de Sofia Coppola. Maria Antonieta é, acima de tudo, uma produção a qual exige um olhar intimista, individual, proporcionando interpretações e manifestações diversas. E, dada tal concepção, é uma experiência no mínimo inusitada e instigante.

 

Desde a pré-produção, controvérsias já vinham acompanhando a obra. Adaptar a biografia de uma personagem histórica polêmica resultaria em um trabalho árduo e obstáculos, sem dúvida, apareceriam. O fato de uma diretora americana optar pela realização do filme em inglês havia firmado um pré-conceito por parte da crítica especializada. A polêmica se intensificou na divulgação do trailer: uma trilha sonora ‘Pop’ anos 80 acompanhava imagens de uma rainha supostamente rebelde e alienada. Eram os primeiros indícios da aplicação do que foi afirmado pelo mestre Wilde.

 

Maria Antonieta superou alguns problemas e devido à credibilidade de Sofia, foi escolhido para a seleção oficial do festival de Cannes em 2006. Sua exibição, entretanto, não atingiu às expectativas de grande parte dos jornalistas e houve uma polarização: vaias e aplausos preencheram o anfiteatro. O empecilho residiu exatamente na versão biográfica individualista realizada pela cineasta; era a humanização de uma figura tida como tirana pelos franceses e estes, naturalmente, reagiram de maneira previsível. A produção, rotulada como ‘vaiada em Cannes’, foi fadada ao fracasso e, mesmo com aspectos técnicos impecáveis, só obteve reconhecimento com um Oscar de Figurino.

 

Seria, então, um filme incompreendido? A julgar pela ousadia, sutilezas, metáforas, transgressões, intimismo, Maria Antonieta é uma das obras cinematográficas mais subestimadas destes últimos anos. E, para demonstrar isto irei me engajar no individualismo personificado da cineasta e dissertar embasado na composição musical do filme. Portanto, preparem seus ouvidos.

 

 

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A interação entre a produção e a composição musical

 

Eclética, a trilha sonora escolhida por Sofia Coppola exerce fundamental importância e sintonia na concepção de todo elemento da produção. Através de composições clássicas, modernas e irreverentes, a cineasta compõe o que chamamos de voz psicológica da protagonista ou, vulgarmente citando, sua consciência: momentos os quais deveriam ser silenciados são abordados por ritmos que concebem personalidade não só para a personagem, mas, também para a trama. Esta personalidade, por sua vez, será responsável por variadas interpretações, na maioria das vezes, acompanhadas por figuras de linguagem (principalmente, metáforas). Além disso, a trilha funciona também como uma espécie de interlocução da cineasta com o espectador, principalmente, nos créditos iniciais e finais.

 

A composição estabelece, também, uma divisão do filme em atos, que por variadas vezes serão introduzidos e finalizados acompanhados destas canções. Abaixo, iremos conferir trechos e notas essenciais para a sintonia entre os aspectos técnicos/ narrativos e a trilha sonora.

 

Créditos Iniciais

 

Música: Natural’s not in It – Gang of Four

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Os acordes de uma guitarra e a batida punk-rock moderna nos introduzem aos créditos da produção. De fato, um estranhamento pode ser causado por se tratar de uma trama ‘de época’. Entretanto, basta ficar atento à letra da canção que as intenções de Sofia Coppola transparecem. Além de apresentar, em seus primeiros versos, uma prévia do desenrolar da trama, ela realiza uma interlocução com o espectador, afinal, ‘o natural não está presente’: é uma visão individual e particular sobre um período histórico. Ainda, Sofia quebra o convencional ao apresentar, nos próprios créditos, a protagonista de uma maneira cínica (olhando para o espectador, artifício que se repetirá em outros momentos), o que acaba por reforçar o intimismo o qual o espectador estará sujeito. É curioso ressaltar, também, a escolha da cor rosa para os letreiros e o título, que no ocidente está associada ao feminino, ao caráter terno. É o início da história de uma jovem garota submetida a uma vida política precoce, que resultará em conseqüências infelizes.

 

 

O Primeiro Ato

 

Embasado na juventude e no deslocamento na corte, o primeiro ato é dotado de composições suaves, oníricas e instrumentais. Todas refletem o sentimento de curiosidade e tristeza de Maria Antonieta, afinal, está submetida a novos comportamentos enquanto, paralelamente, sente falta de sua família. Além disso, o espectador é apresentado ao universo de Versailles: a estonteante direção de arte acompanhada com sintonia pela trilha sonora ajuda na ambientação. Adequando-se de um tom cômico irreverente e divertido, a cineasta demonstra como a corte francesa era defasada.Verificamos, assim, a reação da protagonista, com apenas 14 anos, diante desta nova conjuntura social.

 

Música: Opus 17 – Dustin O’Halloran

O piano de Dustin O’Halloran irá acompanhar os momentos reflexivos de Maria Antonieta. Opus 17, precisamente, reflete o estado espiritual da personagem no momento de sua viagem para a França. A inocência da jovem é muito bem captada por Kirsten Dunst e graças ao acompanhamento musical, somos apresentados a um destino incerto. Esta inocência aparenta ser rompida à interrupção da música: a adolescente passa por um processo de transformação ao ter sua aparência modificada por completo.

 

Música: Concerto in G – Antonio Vivaldi

Através da clássica composição do mestre Vivaldi, nos vemos diante da adaptação de Marie em Versailles e esta se dá de maneira descontraída e ganha um tom irreverente: a personagem passa a se acostumar com a mordomia e regalias. O que antes era formal, passa a se tornar descontraído. Este tom satírico a corte francesa acaba nos revelando que boa parte das formalidades eram desnecessárias e refletiriam na personalidade da rainha. Em paralelo, apesar das mordomias, acompanhamos um tédio crescente por parte da personagem. A rotina passa a entediá-la, e a falta de afeto por parte de Luís XVI acompanhada das frustrantes relações sexuais não consolidadas contribuem para esta situação ociosa. Tudo se torna ainda mais delicado com as cobranças por parte de sua mãe, afinal, um herdeiro deveria ser gerado imediatamente para garantir a hereditariedade da corte. A Delfina procura atividades escapistas, como a Ópera privada, para tentar eliminar o tédio e fazer novas amizades. O ápice de suas frustrações é consolidado com o nascimento do filho de um irmão de Luís XVI. Depressiva e alvo de chacotas na corte, Marie se refugia na futilidade, a qual nos conduzirá para o segundo e longo ato do filme.

 

 

O Segundo Ato

 

Responsável pelas maiores controvérsias, este ato reflete, exclusivamente, o aspecto fútil e juvenil de Marie Antoinette. A personagem se isola de seus compromissos e dedica-se a atividades frívolas. É a partir deste momento que os anacronismos passarão a ser aplicados pela diretora. A narrativa recebe elementos modernos e transgressores: há uma verdadeira sintonia entre artifícios atuais e épicos. A montagem se torna ágil e evoca o espectador a adentrar no universo feminino. E a conclusão não poderia ser outra: há uma assimilação entre o comportamento adolescente do século XVIII e os séculos XX e XXI. A rebeldia da rainha será reforçada pela presença de composições exclusivamente referentes a uma cultura pop rock e por aspectos anacrônicos. A intenção da diretora, portanto, se sobressai e a conjuntura deste ato quebra com a linearidade narrativa e história apresentada até certo ponto. O didatismo é abandonado. Em contraste, temos momentos do mais profundo silêncio, principalmente em seus dias de mãe no Petit Trianon. Este ato revela as vertentes infantis e adultas da personagem, principalmente com alterações de comportamento.

 

 

Música: I Want Candy – Bow Wow Wow

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Uma melodia eletrônica apresenta a chamada fase frívola da protagonista. Os versos ‘I want Candy’ estabelecem o escapismo da conduta política, econômica e social da corte. O interesse se concentra em se esbaldar de comes e bebes, festas, vestidos e sapatos. E para nos introduzir neste universo, Sofia realiza a utilização de uma montagem modernista e emprega a interessantíssima linguagem de um vídeo-clipe. A dimensão adquirida é ótima e contribui para o espectador se situar no psicológico leviano dos personagens. E é nesta seqüência que a sutil presença de um tênis Converse (All Star) provoca debates entre os mais entusiastas. Símbolo da juventude atual, este recurso anacrônico, apesar de passar despercebido pelos olhares menos atentos, é genialmente empregado e já causou influências em diversos meios (entre eles, a peça de teatro ‘O Avarento’ estrelada por Paulo Autran a qual também se passa no século XVIII). São estas sutilezas que conferem a produção um aspecto diferenciado e até ousado, proporcionando momentos reflexivos e alegóricos.

 

Música: <?:namespace prefix = st1 ns = "urn:schemas-microsoft-com:office:smarttags" /><?:NAMESPACE PREFIX = ST1 /><?XML:NAMESPACE PREFIX = ST1 />Hong Kong Garden – Siousxie & The Banshees

 

Harmful elements in the air

Symbols clashing everywhere

Elementos prejudiciais no ar

Símbolos se chocando em todo lugar

 

A composição desta banda rock punk da década de 80 oferece um dos momentos mais interessantes de toda a produção. Reparem no verso inicial da música: ‘Harmful Elements in the air’ (Elementos Prejudiciais no ar). É instigante verificar que o baile de máscaras, acompanhado por esta música, impulsiona o psicológico leviano de Marie. No auge de sua adolescência, passa a freqüentar festas e comemorações. E são estes elementos prejudiciais que, aos poucos, irão destoar não só a sua imagem, mas, também, a levará para o trágico destino. A carnavalização presente no baile é a forma personificada do nome da música: Jardim de Hong Kong, com diversos aromas, cores. Entretanto, o que de início pode chamar a atenção e ser atrativo, futuramente causará a depreciação da corte.

 

Música: Fools Rush In – Bow Wow Wow

 

When we met

I felt my life begin

So open up you heart and let

This fool rush in

Quando nos conhecemos

Senti minha vida começar

Abra seu coração

E deixe este tolo entrar

 

No mesmo baile de mascarás, podemos dizer que há a consolidação do espírito adolescente da personagem. Devido ao casamento frustrado (sexualmente, a princípio) e a falta de afeto por parte de Luís XVI, Marie passará flertar um soldado do exército sueco. Este primeiro encontro ficará marcado como uma possibilidade de paixão e é exatamente o que a música transmitirá durante o retorno do baile para Versailles. Com a tradicional cena do silêncio psicológico o qual envolve a personagem durante o período que é transportado presente em seus três filmes, Sofia cria uma cena inspiradora e bela pela sua suavidade. A carruagem e a expressão da protagonista causa um efeito poético e leve, e o questionamento sobre as conseqüências de um casamento arranjado entra em prática. É justo comprometer uma garota adolescente a um relacionamento aprisionador? Desejo de afeto e paixão passam a se sobressair e, mesmo que esquecidos por um período de tempo, serão resgatados futuramente.

 

Música: Ceremony – New Order

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Esta seqüência procede à coroação de Marie Antoinette e Luís XVI como reis da França. A morte prematura do rei confere novas responsabilidades ao delfim e à Delfina os quais, jovens, não terão a capacidade deste comprometimento político, econômico e social com a França. Esta nomeação indesejada será muito bem representada pela atriz Kirsten Dunst que fornece a interessante cena de sua reação perante a coroação do rei: o silêncio e a forte expressão facial se sobressaem com excelência. Entretanto, o aniversário de 18 anos da rainha tentará afastá-la desta preocupação. A composição ‘Ceremony’, que acompanha toda a festa, explicita o desejo de superação que se encontra nos versos 'I’ll Breaking Down, no mercy shown'. E podemos dizer que, em alguns aspectos, Marie superou a sua frustração sexual com a ajuda de seu irmão e concebeu a primeira filha a corte. Tal alívio culminará nos seus compromissos como mãe e ao ganhar o Petit Trianon, sua propriedade particular, se dedicará a uma vivência mais isolada, não tão adolescente. Será a sua firmação materna, e fraterna, praticando atividades saudáveis, culturais. Sofia Coppola utiliza, aqui, o silêncio e belas imagens da natureza, a qual causa um estado de espírito harmonioso e ocioso para Marie. Entretanto, apesar de sua concepção, a permanência no Petit Trianon a afastará de Luís XVI e o desejo por uma companhia amorosa se dará com o retorno de soldado Fersen à França. É instigante verificar que o comportamento rebelde da personagem, aqui, se dará por pura influência de suas amizades, levando-nos a crer na maleabilidade de sua personalidade.

 

Música: Kings of the Wild Frontier – Adam an the Ant

 

No method in our madness

Just pride about our manor

Sem método na nossa loucura

Apenas orgulhos sobre nosso comportamento 

 

As batidas de uma bateria introduzem a seqüência de sexo entre Marie Antoinette e Conde Fersen. A rebeldia não é só afirmada, mas este relacionamento, não só sexual, incitará uma paixão proibida e secreta. Pela primeira vez, a protagonista concretizará os seus desejos e acreditará em algo verdadeiro. Esta relação seria uma espécie de redenção, afinal, experimenta um sexo afetuoso e não frustrado, algo que Luís XVI não proporcionava, justificando a presença de Fersen na trama. É até instigante verificar que muitos questionam a inserção deste na trama, julgando-a desnecessária. Entretanto, temos que ter ciência de que o seu casamento obrigatório com Luís XVI encaminhava de maneira nada passional. Desleixado, o rei não só tinha outras preocupações, como, também, preferia concentrar em outras atividades e não correspondia o amor de Antoinette. Infelizmente e obviamente, o seu caso tão desejado com Fersen não progredirá se tornando apenas uma relação amorosa escapista sem futuro algum.

 

Música: What Ever Happend – The Strokes

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Sendo a minha seqüência favorita da produção, The Strokes pontua inspiradoramente. A redenção amorosa não concretizada e a ida de Fersen não só frustra a personagem, mas, também, a convence de que ela já estava pré-destinada a viver daquela forma, com um casamento indesejado. Resta-lhe, então, abandonar suas vontades e buscar a mínima harmonia com o seu marido. E quer algo mais belo do que um travelling acompanhando o andar de Marie pelos corredores de Versailles até chegar ao seu quarto? Poucos versos são tão cabíveis em uma cena de sutilezas e transgressões como ‘I wanna be forgotten and I don’t wanna be reminded’, o qual sintetiza os sentimentos da protagonista. O que deveria ser feito, agora, era esquecer este relacionamento curto e impossibilitado.

 

O Terceiro Ato

 

Este último ato se inicia com uma cena bastante peculiar. Uma voz over acompanhada de um plano geral de Versailles diz: ‘E quando disseram à rainha que seus súditos não tinham pão, sabem o que ela disse?’. Um corte nos apresenta Maria Antonieta completamente caricata, artificial, com uma maquiagem forte em sua banheira afirmando: ‘Que Comam Brioches.’. Esta construção é bastante interessante do ponto de vista narrativo. Talvez, um dos maiores questionamentos já feitos sobre o histórico da rainha é se a frase proferida é verossímil ou não. Estudos comprovam que tal oração havia sido dita dez anos antes da chegada de Marie na corte, e Sofia Coppola desmistifica apresentando uma cena a qual revela a impressão exclusivamente popular sobre a imagem da rainha. Mais uma vez é imposto o embate sobre a sua índole. Ainda, o ato reflete toda a melancolia da personagem, afinal, não só estava sendo julgada pelo povo, como, também, sofre perdas irreparáveis. Através de grandes elipses, a diretora constrói uma seqüência de fatos que, metaforicamente, assemelha-se a este último período de Marie em Versailles: os acontecimentos são rápidos, passageiros, assim como o psicológico da protagonista, sustentado por um óbvio vazio existencial. Qual era o sentido de sua vivência? Fornecer herdeiros para o trono? Apesar de muitos julgarem inadequada esta apropriação de acelerar os fatos, acredito que seja proposital, já que tudo se torna passageiro e sem um propósito individual.

 

Música: Tristes Apprets, pales flambeaux – Jean Phillipe Rameau/ W. Christie

 

Jour plus affreux que les ténébres

Um dia mais infeliz que a dolorosa escuridão

  

A morte da mãe de Marie antecede as cenas que refletirão sobre tal composição orquestrada. Aqui, haverá um forte contraste entre a música e o silêncio. Melancólica, a voz soprana passa a acompanhar a personagem desde o nascimento do segundo filho, o qual não aparenta ser muito desejado por Marie e é visto, por ela, como obrigação para garantir a hereditariedade na corte francesa. Paralelamente, não é só destoada perante o público, mas, também, passa a perder prestígio perante a própria aristocracia, o que é ilustrado com excelência na segunda Ópera privada, que, ao término, não é aplaudida por ninguém ao contrário do que aconteceu na primeira ópera. Gostaria de pontuar a excelente representação de Kirsten Dunst a qual, nesta belíssima seqüência, adequa-se do silêncio e com uma brilhante expressão facial nos transmite a sensação de frustração. Ainda, a morte do terceiro filho só contribuirá para a degradação de seu psicológico. A protagonista se encontra isolada e abandonada em sua crise existencial. É uma alegoria à condenação de Marie a ser decapitada. Outro detalhe curioso de se citar é a cor presente no figurino durante estes takes. Exclusivamente preto e atrelado aos versos em francês ‘Jour plus affreux que les ténèbres’, a sintonia onírica e melancólica adquirida emociona profundamente.

 

Música: Opus 36 – Dustin O’Halloran

Os belos acordes do piano de Dustin O’Halloran pontuam aqui pela última vez. Há um incrível embate entre o silêncio e a composição. Com a queda da Bastilha (ápice da revolução Francesa), há a eventual despedida e fuga de amigos próximos do Palácio de Versailles demonstrando realmente bem o já citado isolamento psicológico. Restaria a Antoine a sua permanência com a família, e o seu posicionamento como mulher forte e independente virá da sua decisão de não realizar uma fuga premeditada e ficar ao lado de Luís XVI. São os primeiros indícios de um comprovado amadurecimento o qual, infelizmente, tardou para ocorrer.

 

INTERRUPÇÃO

 

O Silêncio

 

Agora, devo interromper esta interação musical para dissertar, exclusivamente, sobre o silêncio das personagens que pontua e encerra a produção. A turba revolta chega a Versailles e ameaças são feitas ao rei e a rainha. Logo, Sofia Coppola realiza a cena mais emblemática de toda a sua carreira. Marie, finalmente, se curva à população em uma seqüência essencialmente metafórica. Apesar da óbvia submissão ao povo e finalmente demonstrar a sua função como rainha, aqui temos a sua decapitação alegórica: ela se curva até sua cabeça se posicionar horizontalmente, clara referência ao ato da condenação. Muitos argumentos questionam a retirada da seqüência da decapitação física, entretanto, não só seria redundante como, também, grosseiro. A decapitação psicológica é um toque sutil e que só enriquece o contexto. A protagonista estaria condenada a partir de então.

 

A ausência de diálogos se revelará intrigante no último jantar de Marie e Luís XVI em Versailles. O silêncio entre ambos instiga, e os gritos da turba perturbam. A fuga seria inevitável, e esta nos levará a interessante seqüência final.

 

Dotada de uma decupagem essencialmente peculiar, Sofia resgata elementos Einsensteinianos nestes últimos takes. Um dos mais óbvios é, por sua vez, a condição atemporal, referência clássica a famosa cena da escadaria de Odessa. A câmera que ora capta imagens de dentro da carruagem, ora realiza um travelling exterior captando a Avenida dos Limoeiros, quebra com o espaço de tempo. Em uma tomada, verificamos que a carroça passa por certo local. Há um corte e, novamente, passamos pelo local a qual já havia passado. Esta composição atemporal é fantástica e pode despertar leituras diferenciadas. Na minha opinião, está plenamente conexa ao triste abandono de Versailles, local a qual Marie cresceu e se desenvolveu: por mais que ela fugisse, permaneceria em sua memória todos os momentos. E o mais interessante é o pleno conhecimento por parte da personagem de qual seria o seu futuro e pontua com uma belíssima frase ao ser perguntada se estava apreciando a vista do palácio pela última vez. Um cínico e tristonho ‘Estou dizendo Adeus’ causa impacto e faz refletir.

 

FIM DA INTERRUPÇÃO 

 

 

Créditos Finais

 

Música: All Cats Are Grey – The Cure

 

In the death cell

single note

Rings on and on and on

Na cela da morte

uma única nota

toca repetidamente

 

O último plano do filme é o quarto dos soberanos destruído e depredado. Por sua vez, uma bateria suave realiza a transição entre a cena e os créditos finais. E quer algo tão poético quanto The Cure finalizando? ‘In the death cell, a single note. Rings on and on and on’. Acho que não preciso comentar mais nada, creio eu?

 

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CONCLUINDO: ‘Marie Antoinette’, por mais que procure retratar o vazio existencial e a superficialidade, acaba se revelando uma produção exclusivamente profunda e reflexiva, oferecendo um conteúdo pessoal. As intenções são claras: didatismos não têm espaço aqui. A visão intimista é um dos maiores atrativos desta produção. Sofia Coppola ousa ao realizar uma versão de concepção individual de uma personagem histórica sem ser maniqueísta, muito menos tendenciosa. É uma visão de que não há tirania em uma comunidade alienada,

 

Sendo, por si só, uma experiência peculiar é importante ter em mente que se trata de uma produção ‘anacronista’ e que exige um olhar moderno de cada espectador. Será uma experiência inesquecível e plenamente prazerosa caso estejamos sujeitos a assimilar metáforas, extrair o máximo do extra-campo e deixar se embalar por sutilezas, detalhes ocultos. Uma linguagem cinematográfica única.

PRESTE ATENÇÃO: Em todos os anacronismos presentes na produção. Eles são responsáveis pela concepção do interessante paralelo entre a juventude de duas épocas diferentes. Note, também, sutilezas, características e minuciosidades características desta brilhante diretora.

O QUE JÁ SE DISSE: "Com inteligência lírica e sagacidade, Sofia Coppola um fantástico mundo para se adentrar. É um prazer" - Peter Travers, Revista Rolling Stone

"Toda a beleza do lugar é ostentada no filme, todos os excessos preenchem a tela: as roupas, as jóias, os penteados, a alta gastronomia, as festas e as bebidas. A exuberância do modo de vida de Versalhes é ofuscante, tudo é muito intenso." - Fabiana Secches, Zeta Filmes

 

PORQUE NÃO PERDER: Em quantas produções de época visualizamos um All Star e ouvimos uma trilha sonora anos 80? Uma experiência única que, mesmo revendo inúmeras vezes, sempre proporcionará algo de novo e que passou despercebido. É moderno, é POP!

 

DADOS DO DVD: Idiomas - Inglês, Português, Espanhol; Legendas - Inglês, Português, Espanhol, Chinês e Coreano; Áudio - Dolby Digital 5.1; Formato - Widescreen; Extras - Making of, cenas excluídas, Footage com Luís XVI, Trailers de cinema.

 

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Nacka2007-10-16 14:21:11
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O texto do Rike é mais uma declaração de amor ao filme do que uma crítica em si, pois a impressão que fica lendo-o é a da isenção de tal aspecto. Ele comenta os atos do filme mais especificamente. Muito bem escrito por sinal rapaz.



Marie Antoinette é o meu favorito da diretora. Quando vi o filme com amigos, sentamos para discutí-lo posteriormente e a sensação da influência de Kubrick no filme ficou clara para todos. Partindo do ponto que não se trata de um filme sobre personagens e sim sobre situações e como elas acarretam outras situações, aí sim influenciando personagens. Um filme de tempo e de espaço, de ritmo muito bem tratado, de elipse. Além disso, a decupagem dela remete muito a Kubrick em sua simetria, profundidade de campo e composição de quadros. Belíssimo!


 


A fotografia do filme que é bastante irregular, com temperaturas de cores gritantes entre um take e outro, dentro da mesma sequência e ambiente, mas isso acaba sendo aceitável, pois como já se sabe, rodaram no próprio palácio e somente em noturnas, ou seja, adaptar a luz do dia deve ter sido algo muito complexo, além do que, os equipamentos de maquinária e elétrica devem ter sido bastante reduzidos para não correr o mínimo risco de danificar algo lá dentro. Fico imaginando a pressão que rondava este set. Coitado do plateau e do produtor de set!



Finalizando, acho que é a maior declaração de amor vista aqui no Cineclube, certo? Bonito e corajoso, Rike! Parabéns.FeCamargo2007-10-15 13:10:35
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