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Forum Cinema em Cena

SergioB.

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Everything posted by SergioB.

  1. Em virtude da morte recente de Cecil Thiré, fiquei pensando na funcão de "escada". Há muitos anos, o vi no teatro, em "Variações Enigmáticas", escada para Paulo Autran brilhar. No cinema, só consegui pensar na cena de Dan Stulbach, de cuequinha vermelha, insinuando-se para ele, um paulistano burguês no armário, no brilhante "Cronicamente Inviável". É de 2000, mas poderia ser deste ano. A longuíssima e crudelíssima cena da Floresta pegando fogo, por exemplo. Amo este título! Não só por que cronicamente é uma palavra sonoramente bem bonita, mas por que ela nos induz a dois sentidos: o sentido da contínua falta de solução para o país, e também o sentido literário, de "Crônica" - já que o filme é narrado por um intelectual urbano. No texto, estão presentes algumas características daquele gênero, como a preocupação com os fatos sociais, a rapidez, a coloquialidade, e a contemporaneidade. Era um filme para o Brasil pós-quebra da bolsa de 1999. O paranaense Sergio Bianchi fez um filme esplêndido, reunindo tudo o que há de pior no Brasil. Até mesmo a evidente falta de grana para a produção, ou para a beleza do filme (design/figurino/fotografia) têm a ver - ironicamente - com a miserabilidade brasileira. Se esses elementos fossem luxuosos, o filme seria falso. Eu amo bossa nova, de verdade, mas não posso deixar de ressaltar como ela cai bem como pano de fundo de uma classe média que se quer mais do que é. É usada ironicamente no filme, assim como sua contracara, o detestável axé, pano de fundo da felicidade entorpecente ignorante. Meu único senão é com algumas atuações. Alguns atores, como Dira Paes, tiveram nítidas dificuldades de dizer o texto. Outros tiraram de letra, como Daniel Dantas e Maria Alice Vergueiro. No mais, depois de todos esses anos, continua um filme crônico. De seu tempo. Fica a minha homenagem mental para Cecil Thiré.
  2. Mais uma adaptação de uma peça de Arthur Miller, "A Morte do Caixeiro Viajante", de 1951, dois anos após a vitoriosa estreia da peça, o Prêmio Pulitzer, e o Tony. Aproveitou-se o elenco principal, menos - detalhe - o protagonista. O grande Lee J. Cobb foi substituído por Fredric March. O filme não fez sucesso de bilheteria, mas conquistou várias indicações ao Oscar: March em Ator; Atriz Coadjuvante, Ator Coadjuvante; Fotografia; e Trilha. Não ganhou nenhum. O problema é que naquele ano haveria outra adaptação de uma peça tão famosa quanto: "A Streetcar named Desire", de Tennessee Williams, que , como sabemos, faturou 3 estatuetas de atuação. Trata-se de uma boa adaptação, fidelíssima ao texto; que incorpora bem os flash backs; e que consegue dar conta de ser cinematográfica o bastante para uma uma peça muito "vocal", digamos assim. Méritos do diretor húngaro Laslo Benedek. Pra se ter uma ideia, Miller pensou em intitulá-la "O Interior da Cabeça Dele", então é preciso conjugar várias camadas de passado/presente, realidade/alucinação, fantasia/desespero, para a tarefa ficar bem cumprida. Até pensei em ver todas as adaptações possíveis, mas...são mais de 15! Até a minha já longa vida é curta para isso. Tinha lido a peça na adolescência. E por aqueles anos, foi o mais brilhante texto que já havia lido. Adulto, vi a ótima montagem com Marco Nanini, Gabriel Braga Nunes, e Juliana Carneiro da Cunha. Nessa releitura, de 2020, o texto já estava presente demais em minha mente, assaz conhecido, para me surpreender...Mas permanece a vontade irrealizável de haver visto a montagem de Philip Seymour Hoffman e Andrew Garfiel, em 2012. Quão brilhante terá sido isso?
  3. * "French Exit" fechou o Festival de Nova York ontem, e a sensação foi de decepção. Pfeiffer não deve ser indicada. * Carey Mulligan por "Promissing Young Woman" aumentou suas chances, com a confirmação do filme para este ano. * Há uma canção em "One Night in Miami" chamada "Speak Now", que eu já tinha colocado na minha lista, mas eu não sabia que tinha sido co-escrita pelo ator Leslie Odom, Jr., que pode terminar sendo um duplo indicado.
  4. "N`um vou nem falar nada!!" Se "Wendy & Lucy" , (re)visto esta semana, tiver um pai cinematográfico será "Umberto D.", de 1952, do mestre Vittorio de Sica - meu diretor italiano favorito. As semelhanças são muitas. Um velho necessitado (lá, uma jovem; aqui um idoso), endividado, prestes a ser expulso de seu quartinho em uma pensão, faz de tudo para proteger seu pequeno cachorro. Outra semelhança entre os filmes, uma dolorosa cena de procura em canil, mas aqui de Sica faz um perturbador paralelo, não dito, entre o canil com os fornos crematórios de um campo de concentração, mostrando onde vão parar os cães abandonados...Uma cena angustiante. Outra semelhança, no final de ambos os filmes, há uma cena de um trem, em marcha para a (des)esperança. Por fim, a acusação de insensibilidade social é comum aos dois. A maior diferença é o lado sentimental. Em Reichardt, um tom mais baixo; aqui o tom sentimental e humanístico no volume máximo. A cena da esmola é de tirar sangue das palmas das mãos, de tanto aplaudir. O roteiro deste filme foi indicado ao Oscar em 1957, com a assinatura de Cesar Zavattini, que também assinou "Ladrões de Bicicleta" e "Vítimas da Tormenta", suas duas outras indicações prévias. Brilhante o ator Carlo Battisti, nunca perdendo a dignidade do personagem. Aliás, fui olhar, fiquei emocionado, ele nasceu exatamente em um 10 de outubro, tal dia como hoje, em 1882. Oh, que bonito o regime das coincidências...
  5. "Dia de muito, véspera de nada". Henrique Avancini terminou em 10º lugar no Campeonato Mundial de Ciclismo Mountain Bike, nesta manhã, na Áustria. Vitória francesa nos dois naipes. O brasileiro largou muito mal, e teve de forçar uma recuperação. Conseguiu, ficou entre os primeiros, mas cansou no final, e foi perdendo posições. Ouvi alguém mais entendido do que eu dizer que Avancini não se dá bem em circuitos de subidas muito íngrimes. Vou pesquisar sobre o percurso japonês. Decepçãozinha. [ Ao longo do dia, Avancini informou que o pneu furou longe da zona de troca, o que lhe tomou tempo. No Pan, um pneu furado também...]. Por essas e outras que eu nunca coloquei o nome dele, nem o de Ana Marcela da Maratona Aquática, na minha lista de previsões, apesar do óbvio potencial.
  6. Maratona Emir Kusturica. "Crianças Invisíveis" é um filme coletivo de 2005, com múltiplos diretores, em parceria da UNICEF com governos europeus, para chamar a atenção das pessoas para a cruel problemática infantil ao redor do mundo. Em um segmento, de menos de 20 minutos, está "Blue Gipsy", de Emir kusturica. É o momento de humor do filme, tatuando sua personalidade cômica-musical no mar de tristeza que é o todo. Bebendo da tradição do cinema com internatos infantis, sejam eles de Sica com "Vítimas da Tormenta"; "Os Incompreendidos", de Truffaut; ou Babenco com "Pixote"; Kusturica fugiu do drama óbvio, ou da mera violência. A situação de uma instituição penal já é lamentável de cara, mas - vamos dizer - há cores na ruína. É possível construir o riso. Foca um interno adorável, prestes a sair de lá, aprendiz de barbeiro, cujos pais são especializados em colocar os filhos para furtar. E foi assim que ele foi parar lá. Mostra os internos jogando bola, carecas (cabeças raspadas) x com cabelo (haha); mostra a bandinha de música cigana da instituição; mostra - claro - os animais da prisão, como os patos e os perus. Enfim, todo o universo comum de Kusturica está presente - em doses pequenas - nesse segmento também. O homem é o seu estilo.
  7. "N`aum vou nem falar nada!" Na leitura das peças de Arthur Miller, adivinhem qual a que mais me conquistou? As Bruxas de Salém. Nunca tinha lido esse texto de 1953, anti-Macartismo, antidelação política (tal como "Um Panorama Visto da Ponte" tem este lado também), em analogia com fatos históricos realmente sucedidos nos Estados Unidos. Lembro-me que "As Bruxas de Salém", de 1996, bateu recordes de permanência nos cinemas do Brasil. Mais de um ano e tanto de lançado, ele ainda estava em cartaz, merecendo até reportagem de tevê sobre isso. É impossível não gostar. É impossível não bater palmas efusivamente para Paul Scofield, Winona Ryder, Elizabeth Lawrence, Bruce Davison, Daniel Day-Lewis, e Joan Allen, e todo o elenco brilhante brilhante. No Oscar de 1997, meu voto seria para a Allen. Deve ser a décima vez que vejo o filme. E o "Because it`s my name" gritado do fundo da alma, com a Joan Allen pondo as mãos no rosto como uma concha, ainda me emociona. Na peça, a indicação do grito abissal é textual. Está lá. Grande Arthur Miller! Que se recusou a denunciar seus colegas escritores de ideologia comunista, perante o odioso Comitê Parlamentar. O filme do inglês Nicholas Hytner foi roteirizado pelo próprio Miller, o que lhe valeu sua única indicação Oscar. Há algumas diferenças quanto à peça, mormente a cena final, que não é "descrita", e no cinema é "mostrada". Também, no começo, o ritual da floresta é apenas relatado indiretamente, não é vivido na peça. E, lembrei, a "fuga" é apenas relatada na peça, uma fuga acompanhada. A maior diferença é a quantidade de momentos em que Abigail e Proctor passam juntos. No filme, optou-se por colocar mais momentos. Nada que perturbe o conceito de fidelidade. Eu amo os filmes do Hytner. Adoro "As Loucuras do Rei George", sou apaixonado por "A Razão do Meu Afeto", mas é que "As Bruxas de Salém" é realmente um trabalho ímpar.
  8. Há alguns dias terminei de ler a coletânea de peças de Arthur Miller, e uma das que eu mais gostei foi "Um Panorama Visto da Ponte", peça de 1955, que me fez procurar sua adaptação para o cinema mais famosa, das mãos do grandicíssimo Sidney Lumet, em 1962. Claro, não somos bobos, o filme veio na onda da obra-prima, vencedora do Oscar, "Sindicato de Ladrões" de 1954. O "social" de lá, como dizem os demagogos, foi substituído pela tragédia. É uma tragédia grega passada no cais do porto, aos pés da ponte do Brooklyn. Claro que há a questão da imigração clandestina, a pobreza da Itália, etc, mas nessa peça o que sobressai é a questão incestuosa. Um tio enciumado, que não se deita mais com a mulher, e que não suporta perder a bela sobrinha para um recém-chegado imigrante. O filme é fidelíssimo ao texto, talvez mesmo integral, palavra por palavra. Lumet prova mais uma vez como sabia perfeitamente onde colocar a câmera, mesmo nos ambientes mais fechados, mais pequenos. Fazendo um agrado, consciente ou inconsciente, a Miller, ao final, coloca mais personagens secundários em cena - Miller lamentava quando as montagens da peça eliminavam os figurantes das cenas finais, passadas na rua. É a cidade (a pólis) condenando o protagonista. O elenco é um sonho, todos estão perfeitos, excelentes. Mas Maureen Stapleton era além do excelente, uma interpretação realmente divina. No Brasil, o antigo TBC - Teatro Brasileiro de Comédia - encenou a peça em 1958 com, entre outros, Leonardo Villar e Nathália Timberg. "Saudades do que a gente não viveu".
  9. Maratona Hong Sang-soo. Com muito custo, consegui achar a estreia do diretor coreano no cinema, em 1996. "O Dia em que o Porco Caiu no Poço" infelizmente é uma primeira apariação fraca, aliás fraquíssima. De longe, é o pior filme de Hong Sang-soo, que aqui não apresenta uma voz original. Pelo contrário, parece que está macaqueando aqueles filmes dos anos 1990, de Altman, e outros, de narrativas fragmentadas, ligadas por um fio tênue. Um monte de personagens inúteis, vários cenários, vários cortes, várias cenas, nenhum plano de longa duração (talvez só 1), nada do minimalismo, nada das características que o distinguem hoje em dia. Consegui percerber uma ligaçãozinha visual com "Grass", de 2018, no princípio do filme, do vaso de planta na parte exterior de um café... Leva este filme um título intrigante, mas só no finalzinho entenderemos a razão. Uma armadilha. A trama? A trama é a geleia da vida de 4 personagens. Um escritor iniciante sem dinheiro; uma esposa infiel amante desse escritor; uma jovem que é de fato a namorada do escritor; e o marido da esposa que, por sua vez, a trai com prostitutas. Só consegui extrair a crítica ao machismo oriental, muito próximo da misoginia; e a submissão das personagens femininas a esses homens bem mequetrefes. Os atores estão péssimos; e sabem quem faz aqui sua estreia no cinema? Song Khang-ho, uma reles pontinha. Não recomendo de jeito algum. Só por curiosidade. Ou num caso de maratona obsessiva, que ninguém pediu.
  10. Maratona Kelly Reichardt - agora uma revisão - com o lindo "Wendy and Lucy", de 2008. Adaptando um curta de seu parceiro Jonathan Raymond, Kelly entrega seu filme com final mais emotivo. Uma jovem, de quem sabemos pouco, viaja para o Alasca em busca de emprego, em sua caranga velha, ao lado de sua cachorra Lucy. Agora que entendi a chave de seu cinema - pensar no negativo, o que não é - temos aqui um filme que não é um road movie, nem é um filme sentimental clássico entre homem e animal. Engraçado, esse filme vir um ano depois de "Na Natureza Selvagem" (como vocês sabem, meu filme número 1). Lá o road movie está cheio de grandes encontros e grandes aprendizados para a vida (algo que Reichardt já havia desossado em "River of Grass"),mas principalmente naquele filme o Alasca é quase um sonho, um último refúgio da natureza, versado e cantado pelas suas belezas naturais. Neste filme, o Alasca é, ao contrário, um refúgio econômico, uma oportunidade empregatícia para a jovem de Indiana. O problema é que ela perde o cachorro (Palm Dog, em Cannes, 2008, para a cachorrinha "Lucy" - por sinal a mesma do filme anterior de Reichardt, o soberbo "Antiga Alegria". O bom de fazer maratona é conseguir pescar as referências). O filme então se torna a garota perdida na vida buscando sua cachorra perdida. Vira aquele tipo de drama sentimental que envolve animais? Não. O cinema de Reichardt é negativo. Durante a procura, vamos perceber uma insensibilidade mais geral da sociedade. Garotas passam comentando que alguém dorme no carro. Informações erradas são passadas, ou então informações duríssimas são passadas com pouco tato. Bem como na frase síntese do filme, alguém sem a menor sensibilidade, em tom moralista, um evidente republicano, dirá algo como: "Não se pode ter um cachorro, se você não tem condições para isso". Evidentemente, trata-se da chamada "Posse Responsável". Concordo. Mas não dá pra simplesmente ignorar o amor, a amizade, entre um ser humano e um animal, pois essa ligação não passa pelo dinheiro. Ou seja, não é filme de estrada, não é um filme de cachorro, é uma intimista reflexão sobre os valores da América. Em termos de direção, reparei no planos laterais. Seja a câmera buscando o cachorro atrás de um pau atirado em um bosque, seja a câmera que passeia tristemente pelas "celas" desoladoras de um canil, seja Wendy andando a pé pelos bairros pouco familiares da cidade. Um filme muito rico, cujo final, sim, é construído para pegar um lenço. Michelle Willliams desenvolve sua personagem de maneira parecida com o que ela geralmente faz: econômica econômica econômica, para em uma cena "x", o dique da emoção se romper. Sempre dá certo. Bravo!
  11. "Ana e os Lobos", de Carlos Saura, de 1973. Como todo filme político de um país governado por uma Ditadura, precisa se valer de metáforas. Não tenho muita admiração por metáforas no cinema, e as desse filme são meio óbvias. No entanto, gostei. Vamos lá... Uma babá estrangeira é contratada para servir em uma casa de campo espanhol, governada por uma idosa chiliquenta, que domina seus três filhos; um que almejava ser militar; um de veia místico-religiosa; e um homem reprimido, meio tarado, infeliz no casamento. Os filhos, os lobos, representando o poder do Exército; o poder da Igreja, o poder da repressão sexual; ficam de olho na beleza e graça da jovem (A sedução estrangeira, a influência americana) Geraldine Chaplin, rondando-a, cortejando-a. A mãe é a velha Espanha: meio caduca, supersticiosa, preconceituosa, dominadora.... Juntos, a família e a casa são a expressão visual do Regime franquista, àquela altura, em decadência. O curioso é que esperaríamos um drama sobre abuso - hoje diríamos - moral, mas a maior parte do filme flerta bastante com a comédia, por que os três filhos são ridículos em suas personas; e a personagem de Geraldine Chaplin (casada com Saura de 1967-1979) tira de letra todas as inconveniências. Só que como é praxe nos filmes do Saura, o final é excelente, muito forte, e então entendemos que todo esse ridículo, por mais que pareça e seja ridículo, pode ser violento. Nós brasileiros estamos sabendo tudo atualmente sobre ridículos violentos....
  12. Ah, que legal você ter gostado do filme! Essa mulher é brilhante. Uma lição de inteligência, e independência! Li a autobiografia e fiquei mais fã ainda. Que bom que esse reconhecimento em forma de filme veio há tempo, pois ela já tem 86 anos.
  13. Isso significa que "Tenet" tranquilamente vai ganhar Efeitos Visuais e Som. Mesmo sem muitos méritos. Aquela chatice.
  14. F I N A L M E N T E ! Um dos filmes que mais desejei ver na vida, difícil de achar, difícil de ver, quase 4 horas de duração, encontrei-o apenas em inglês, mas valeu a pena. É "A Viagem dos Comediantes", de 1975, de Theodoros Angelopoulos, um filme sempre na lista dos melhores de todos os tempos, ou dos mais importantes de todos os tempos - que são coisas diferentes... Exige demais do espectador. Não só o esforço físico das 4 horas, mas o esforço mental, bem como demanda que o espectador tenha algum conhecimento de como foi a Segunda Guerra Mundial na Grécia, seu efeitos, suas consequências...E acrescento que para perceber o quanto ele é notável, há de se ter um conhecimento acerca dos planos cinematográficos. Já escrevi aqui que ele é o cinesta dos planos-médios, mas aqui é quase uma extrapolação. Li em um comentário que não tem nenhum primeiro-plano. Na verdade, há 3. São os 3 testemunhos, de 3 personagens, sobre as agruras do que se passou no período entre 1939-1952, período histórico retratado no filme. O resto é só planos à média distância para mais. E, como enaltecido mundialmente, vou confiar na informação, 80 planos-sequência! Fiquei observando como essa estratégia de filmar de longe realça na tela o chão das locações. Talvez por isso ele escolha tanto praias, ou linhas de trem, ou pátios antigos. Mas divago... Uma trupe de atores reúne-se em 1952 para levar aos palcos uma popular peça grega do século XIX. Passa um carro anunciando o processo de eleição que culminaria na vitória do Marechal Papagós, que derrotara os comunistas da guerra civil que se seguiu à libertação grega do regime nazista, e colocaria o país na Guerra Fria ao lado dos americanos, e na adesão à OTAN. Mas como se trata de Angelopoulos, já sabemos que tempo e espaço se dissolverão, e logo estamos em 1939, ou 1944, ou 1946. O filme viaja. Esse mecanismo nos permite depreender - porque nunca é explicado tintim por tintim - quais integrantes da trupe eram aliados dos ingleses, quais eram informantes do nazismo, quais estavam do lado comunista. Bem como nessa viagem entre épocas vamos conhecendo o passado ou o futuro dos integrantes da companhia. Assim, como é um passeio sobre a história da metade do Século XX da Grécia. Tal como a Alemanha, o país foi um dos palcos da divisão entre dois regimes político-econômicos. A Grécia parece um caso sem muito glamour, ninguém fala disso. Planos longuíssimos, alguns belíssimos, outros chatíssimos, como sempre em seus filmes têm alguém dependurado na forca, cenas de música, cenas de dança, helenismo... Um filme muito rico, muito difícil, mas que é cinefilia na veia.
  15. Releitura do sublime "A Linha da Beleza", ganhador do Man Booker Prize 2004, do inglês Alan Hollinghurst. Livro que ganhou uma adaptação excelente pela BBC, há alguns anos. Um jovem gay testemunhando bem de perto as articulações políticas na era Thatcher. A alta sociedade desmascarada. Enquanto ele também o será.
  16. Sem dúvida, o maior resultado olímpico do Brasil em 2020. Ouro para Henrique Avancini (finalmente!!), na etapa da Copa do Mundo de ciclismo Mountain Bike, em Nové Mesto, na República Tcheca, primeira vitória de sua carreira em circuitos longos. Prova olímpica, com todos os maiores adversários presentes (em segundo, holandês, Milan Vader; em terceiro, o suiço-lenda, campeão olímpico, Nino Schurter). Acabei de ver a reta final da competição. É um esporte muito emocionante. O petropolitano, na verdade, já é ídolo. É seguido por milhares de pessoas entusiasticamente, tem muitos patrocínios, cerca de 18. Hoje, havia mais de 20 mil brasileiros assistindo a prova, muito maior que a maioria de público de jogos do futebol brasileiro. Essa vitória foi muito importante em termos olímpicos. Não apenas por que acontece previamente ao Campeonato Mundial da modalidade em Leogang na Áustria, mas por que também distribui muitos pontos, assegurando a Henrique a permanência do segundo lugar no ranking mundial, que por sua vez influencia na formação do pelotão de largada dos Jogos Olímpicos. Vamos ser mais precisos sobre o que aconteceu hoje? Normalmente, acontecem duas competições de circuito curto, e duas competições de circuito longo - a prova que de fato é olímpica. Avancini venceu na sexta a prova curta - short track- (do qual já tinha ganhado três vezes ao longo carreira, a de sexta foi a quarta) e foi 12º lugar na outra ao longo da semana; e hoje venceu no percurso longo, chamada de XCO. Na primeira XCO, durante a semana, ele foi quinto lugar. Escrevo sobre ele desde o primeiro dia que fundei esse tópico. Sempre disse, que o que faltava era ele parar de bater na trave, com aquela pletora de quartos e quintos lugares, e se acostumar a medalhar, para depois se acostumar a vencer. Em 03 de fevereiro de 2019 escrevi: "Não pude colocar o ciclismo Mountain Bike, com Henrique Avancini, no Bronze, por que ele só vem conseguindo quarto lugar. Quarto Lugar atrás de quarto lugar. Quando ele subir ao pódio, eu vou com muita alegria incluir o nome dele aqui, pois o que ele tem feito pro ciclismo nacional é incrível" Espetacular! Um sonho para o ciclismo brasileiro. Vai para o meu quadro de medalhas? Ainda não. Que se torne um costume! Mundial nesta semana! Mas até aqui, indubitavelmente, é o feito maior do esporte brasileiro neste ano.
  17. Se perguntarem qual é o melhor filme argentino do século, creio que as respostas se dividirão entre "O Segredo dos seus Olhos" ou "Relatos Selvagens", mas entre a turminha cult, indie, quem ganharia seria "La Ciénaga"/ "O Pântano", de 2001 da diretora Lucrecia Martel, seu primeiro longa-metragem, premiado em Berlim, e em várias partes do mundo. Pra começar, seu rítmo é tão fluido, é tão natural, é o oposto de um pântano. Não que tenha cortes rápidos, ou acontecimentos sucessivos, um atrás do outro. O fluxo vem da espontaneidade das atuações, dos diálogos, dos enquadramentos. A beleza está nisso, por que história, história mesmo, quase não tem. São dois lados de uma enorme família compartilhando um sítio na quente região de Salta, no Noroeste da Argentina. O cinema..vocês sabem...vivo repetindo...é um professor de geografia. Salta é uma cidade colonial, mais perto da Bolívia, em costumes, em aparências humanas, do que o Puerto Madero de Buenos Aires. É bom ver isso, pra gente tirar essa ideia boba da Argentina como uma Europa no sul. Ora, é um país enorme, o 8º maior do mundo, também ele, multicultural, abrangendo descendentes de índios, como não?! O maior desafio aqui é achar o tema. Este filme é sobre o quê? Não há narrativa, comoe stamos acostumados. Temos um grande cotididano. Uma família gigante tomando sol ao lado de uma piscina meio suja. Notem, os homens são nulos. Não fazem nada, não se responsabilziam por nada. As crianças andam armadas, arriscam-se, adolescentes dirigem sem carteira. Alguém se machuca, eles não tão nem aí. As mulheres são a força da família. Tudo gira ao redor delas. Como na maioria das famílias. Brigam, fazem planos, infantilizam os homens mais jovens...Nesse sentido, sim, há um pântano. Porque estão atolados no calor, estagnados ao redor das camas, criticando o cabelo alheio, assistindo a tv, sem muitos planos, sem muita ideia de sucesso. Aplausos ao incrível controle da direção. Um filme sobre nada, em que todos os momentos, por mais pequenos, contam. Devo ser indie.
  18. Há alguns meses, deixei aqui um longo texto sobre "Os Rapazes da Banda" de 1970, do Friedkin, um filme realmente estupendo, histórico. Então não vou tecer maiores interpretações sobre a temática, já que um dos méritos desta versão de 2020, de Joe Mantello, para a Netflix, foi manter integralmente o texto. O outro ponto de relevância é - em nível social, não cinematográfico - contar dessa vez com um elenco inteiramente gay. O filme também optou por ser um "filme". O clássico do Friedkin optou por manter sua teatralidade na encenação. Na versão deste ano, há espaço para uns bons flash backs, durante os depoimentos do "jogo do telefone", tornando o filme não dependente enormemente das palavras. As cenas finais, sem texto, acrescentadas como novidade, na verdade, não me disseram tanta coisa. Os atores estão todos ótimos, mas, devo dizer, que o elenco de 1970 conseguiu brilhar ainda mais. O único ator que eu acho que superou a atuação do seu correspondente do passado foi Andrew Rannels- que eu nem conhecia - que fez um Larry mais sexy, sem traço de culpa por ser mais safado. Também vi o ótimo curta paralelo que acompanha o filme, dos atores com o autor Mart Crowley, morto este ano, explicando a origem da peça, e os desafios do filme naquela época. Aliás, pelo sabor sa novidade, gostei ainda mais desse programinha. Foi maravilhoso ver o próprio autor explicando a origem da fala antológica do personagem do go go boy, quando sai do apartamento. Filme ótimo, que faz jus ao filme do passado. Não o supera, mas é um serviço às novas gerações, que desconhecem, ou têm preguiça de ver filmes antigos. Obrigado, Netflix.
  19. Pra um atleta medalhar em Olimpíadas na Natação, no Atletismo, e na Ginástica Artística, esportes supercompetitivos, ele precisa ser fenomenal. Não basta ser ótimo, ou excelente. Flávia Saraiva e Rebeca Andrade têm provas ótimas de trave, mas não adiantará nada, se elas não aumentarem a dificuldade para algo próximo do fenomenal. Olhem essa prova INACREDITÁVEL de trave da jovem chinesa Guan Chenchen no Campeonato nacional deles, realizado nesta semana. Essa menininha pode bater Simone Biles com essa rotina de prova. A prova de Argolas também foi de uma qualidade insana. Vai ficar difícil para o Zanetti.
  20. Kemp Powers, co-roteirista original de "Soul", é também o roteirista responsável pela adaptação de "One Night in Miami..." Ou seja, pode ter duas indicações.
  21. Com o adiamento do novo 007 para abril, o filme não cumprirá a janela do Oscar (até 28 de fevereiro). Então, vou ter que mudar a previsão em Canção.
  22. "N`aum vou nem falar nada!!!" Se contarmos que conforme a tradição de um lugar, o primogênito tem de abandonar o pai ou a mãe, no alto de uma montanha, quando eles completarem certa idade (70 anos), as pessoas vão pensar naquele episódio de "A Família Dinossauro". Mas essa história vem de um romance japonês, que foi levado ao cinema duas vezes, e esta é a versão mais famosa, "A Balada de Narayama", de 1983, Palma de Ouro em Cannes, a primeira Palma de Shôhei Imamura. A personagem da anciã vivida pela atriz Sumiko Sakamoto (viva até hoje! Felizmente sem subir a montanha) está feliz em poder cumprir seu dever de honrar a tradição do vilarejo, e ir-se morrer na montanha Narayama, embora esteja muito bem de saúde, com todos os dentes saudáveis. Feliz também por que haverá uma boca a menos para comer em sua grande família, em sua pobre casa, da pobre vila, do Japão paupérrimo, antes da Revolução Meiji. Ela na verdade se sente até envergonhada por estar hígida e disposta, e, em duas cenas pavorosas, quebra os próprios dentes. Quer apressar o ciclo da vida, que, pela tradição, o dela já deveria estar no fim Ciclo da vida que é a tônica desse filme. A todo momento, humanos e animais, e também plantas, ou mesmo estações do ano, são mostrados como partes de um todo, integrado. Integrado e implacável. Cobras se acasalam, sapos se acasalam, mariposas saem de seus casulos, aves caçam coelhos...É um filme que mostra a natureza sem retoques. E a sociedade humana, também, sem retoques (corcunda, fedorenta, queimada, pensando constantemente em sexo). Quando uma família da vila anda mal, esconde a colheita, sua punição, em uma cena fortíssima, será mais do que cruel. As primeiras partes do filme se concentram em mostrar a vila, seus costumes, as relações familiares. A matriarca precisa deixar tudo mais ou menos encaminhado para a sua partida, resolvendo pequenos conflitos, explicando como fazer determinada coisa, satisfazendo últimos desejos de seus familiares... Mas por mais cenas inesquecíveis que tenha, esse filme é o seu final. Os últimos vinte minutos de subida da íngreme montanha, e a chegada ao local de despedida de mãe e filho são de cair o queixo. Um cemitério, um cemitério em que se chega vivo. Em nome da tradição. Obra-prima máxima a absoluta. [ Vou fazer um aparte. 99 em cada 100 pessoas que conheço defenestram o capitalismo. Dá vontade de mostrar esse filme para eles, para verem como era o Japão antes do capitalismo. Antes do desenvolvimento do capitalismo mais industrial, mais de 90% da população mundial vivia na pobreza extrema, e muitos, muitos, imersos na duríssima pobreza rural, como mostrada nesse filme. Hoje a estatística é o contrário. O capitalismo é uma máquina de tirar pessoas da pobreza, mas as pessoas - doutrinadas erradamente pelos dourados falsos do Marxismo - não se dão conta. Qualquer assalariado hoje, ou qualquer pessoa que receba um "auxílio emergencial", nos primeiros escalões da pirâmide, vive melhor do que a maioria da humanidade já viveu.]
  23. Tenho pouquíssima coisa a criticar em "The Devil All the Time"/ "O Diabo de Cada Dia", de Antonio Campos, para a Netflix. Talvez só a apresentação dos personagens, em várias linhas temporais, que talvez seja um pouco confusa para a maioria das pessoas. Citada essa pequena falha, mesmo assim, eu não tornaria a ver esse filme jamais! A trama é pesadíssima, com várias cenas detestáveis, inclusive a crucificação de um cachorro. Não dá! Aliás, de uma maneira ou de outra, os filmes dele têm sempre alguma coisa que passa do ponto, de modo que eu não consigo criar uma empatia verdadeira, embora reconheça os méritos. O elenco está fantástico! Mas pra mim Robert Pattinson é o grande destaque, com uma voz e um sotaque sensacionais, completamente diferente de tudo que ele já fez. Fotografia, trilha, design, tudo ótimo. Mas realmente tem algo na filmografia dele de querer ser um descendente de Lars Von Trier que absolutamente não me ganha. Acho que é por que em Trier há um discurso intelectual forte por trás de tudo.
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