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Forum Cinema em Cena

SergioB.

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Everything posted by SergioB.

  1. "N`um vou nem falar nada!!!" Maratona Leos Carax, agora com a obra-prima "Os Amantes de Pont-Neuf", de 1991. Uma superprodução (!!), reiventando sob o pálio da ironia o mito comercial de cidade do romance, ao contar o relacionamento tormentoso entre dois sem-teto. Superprodução porque tiveram de recriar em cidade cenográfica toda a Pont-Neuf e seus arredores. Conta-se que custou uma baba. Mas valeu a pena. O que é o plano de Juliette Binoche e Denis Lavant dançando pirados na ponte durante - o quê? - quase 10 minutos, sob fogos de artífício? Muitas vezes é colocada como uma das dez "cenas" mais bonitas do cinema. E não sem razão. É quase inacreditável como foi filmada. O legal é que não há uma glorificação da sarjeta, nem tempo para pregação política. Aqui no Brasil, 9 entre 10 pessoas já estariam dispostas a escrever o chavão "desigualdade social", mesmo quando as grandes razões para a vivência nas ruas tenha a ver com desamor familiar e alcoolismo, como efetivamente mostrado no filme. Vemos, em contrapartida, os personagens como seres tridimensionais: com inúmeros defeitos, e também qualidades. Sujos, feios, rotos, doentes; no entanto, amam-se. Na expectativa por "Annette".
  2. "Two Friends" é um filme para a televisão feito pela Jane Campion em 1986, praticamente desconhecido hoje em dia, contando a desconstrução da amizade entre duas adolescentes da Nova Zelândia. O filme começa pelo fim da amizade, e vai retrocedendo no tempo, até mostrar o auge da amizade entre as duas. Bom, é um filme muito real, quem não passou por isso antes? Aquele melhor amigo, que, de repente, nem sabemos direito o por quê, se transforma apenas em um conhecido. O certo é que a adolescência tem muito disso: vive-se uma quase codependência, e depois a vida adulta vem como um raio separar as pessoas. A montagem do filme é excelente, as duas atrizes são ótimas (adorei a cena em que as duas choram no sofá ao assistir a "E o Vento Levou..." e se perguntam se o filme não era um pouco racista....) mas o que mais me despertou prazer em assisti-lo é rememorar algumas coisas típicas dos anos 1980: do ioiô como algo cool, ao Banco Imobiliário, às festinhas americanas, os punks vistos como um perigo pelos yuppies de ombreiras... Uma aura muito legal! E agora essa droga de 2020!
  3. *Nunca tinha ouvido falar em Djenyfer Arnold do Triatlo. E depois de hoje não vou esquecer esse nome. Ela conquistou a 5ª posição na Etapa da Copa do Mundo de Triatlo, na República Tcheca, ficando a menos de 1 minuto do pódio, em prova realizada na distância olímpica, deixando respeitáveis adversárias mundiais para trás. E o Brasil ainda teve Luísa Baptista na nona posição! Quem diria que poderíamos sonhar com uma medalha no Triatlo? Sonhar. Não esperar. Informo-me que ela é de Floripa e dedicou-se à natação até 2019. * Nos Países Baixos, rolou um Campeonato de Vôlei de Praia, com grandes duplas do mundo todo, mas em uma formato completamente diferente. Em que a dupla que vence um rally continua do lado da quadra, enquanto recebe o saque da dupla desafiante. Se fizerem o side out, permanecem, marcam 1 ponto, e outra dupla entra rapidamente para sacar. Quem fizer 15 pontos primeiro ganha. Esse formato inusual provoca um jogo rapidíssimo, estafante, mas bem divertido. No masculino, vitória de uma dupla jovem da Suíça, azarões, que venceram os incríveis noruegueses e a principal dupla da Polônia. No feminino, vitória nossa, de Ágatha e Duda, deixando para trás duas duplas dos Países Baixos. Não sei como a Ágatha não morreu de cansaço. Ela recebeu pratciamente todos os saques. Sua recepção está ótima, como sempre, mas todo mundo já percebeu que o gás dela - pela idade - está acabando. Acho que elas deveriam jogar mais com a bola de segunda para a Duda, que está batendo muito, muito forte. (Foto: Mariana/ timeagathaeduda) * Thiago Braz, quem diria, conseguiu realizar seu melhor salto no ano, em competição em Berlim. Seus 5.82m garantiram-lhe a medalha de Bronze do evento. Vejo o jovem sueco favoritíssimo ao ouro, Sam Kendricks à Prata; e vai sobrar esse Bronze, que pode ser do Lavillenie, ou do polonês Lisek (Prata neste evento). Vamos, Thiago! * A nota triste da semana fica por conta do falecimento inesperado do pai do Lucarelli, da seleção masculina de vôlei; ele sempre ia assistir ao filho nos ginásios, e criou grande empatia com a torcida. Lucarelli nem entrou em quadra na Itália neste fim de semana, naturalmente. O time do Trentino dedicou a vitória a ele. Obrigado!
  4. Em 2018, houve a maior exposição já feita de Basquiat na América Latina, e fiquei um dia todo curtindo a mostra, só não entrei na sala de vídeo, onde passava justamente esse filme do Julian Schnabel, de 1996, sua estreia no cinema. As pessoas em geral acham "Basquiat" um filme mediano, eu simplesmente acho uma delícia de assistir. E foge do padrão biografia: infância, família, adolescência, morte. Aquela continuidade boba. Aqui, há o recorte subjetivo, a carreira e, aos poucos, as informações mais importantes sobre a pessoa são passadas. O elenco é estelar. Mas ninguém brilha mais do que o ator protagonista, Jeffrey Wright, absolutamente formidável como Basquiat, principalmente na cena da entrevista, na qual percebemos a vulnerabilidade, a doçura, a loucura, a inteligência do pintor. Foi maravilhoso reconhecer algumas pinturas/grafites nos cenários, como Flexible, Caveira, ou Cabeza. Achei muito legal como o Schnabel usou a coroa no filme, pois ela é um elemento que rotineiramente aparece nas obras de Basquiat, como um elemento de sagração da realeza de rua, onde seu codinome Soma apareceu pela primeira vez. Agora vocês sabem por que a Osklen usa e abusa da coroa em sua linha de produtos...Não tem nada de original! Trilha excelente.
  5. "Songs My Brothers Taught Me" é o primeiro longa-metragem da diretora do momento, (a nascida em Pequim) Chloé Zhao. É um filme de 2015, pouco visto, aliás, no Filmow não tem nenhum comentário sobre ele. Não encontrei legenda para ele também, então me esforcei para entender o inglês da comunidade. Mas acho que passei no teste. Gente...Que filmão! Fiquei bem emocionado. Totalmente encenado por não atores; é passado em uma reserva indígena nas Badlands, focando a pobreza rural dos habitantes dali, vítimas costumeiras do alcoolismo. Num primeiro momento, entendemos que o filme é sobre a relação de um irmão e de uma irmã, criados por uma mãe ex-adicta com vida amorosa atribulada mas agora entregue à religião; e depois entendemos que o irmão mais velho deles está na prisão; para num momento posterior ampliarmos ainda mais o nosso olhar, e compreendermos que o "Brothers" do título tem a ver com a comunidade como um todo. O pai dos dois adolescentes é, na verdade, o patriarca da região, envolvendo - se entendi bem - vinte e três irmãos e nove mulheres distintas. Todos mais ou menos envolvidos com rodeios, criações, mecânica, ou, perigosamente, tráfico de bebidas. O garoto, personagem principal, deseja a todo custo fugir com sua namorada daquela região, daquela situação. Mas seu grande conflito é deixar a sensível irmã menor para trás. A Fotografia é lindíssima, também a cargo de Joshua James Richards, como em "The Rider" e agora "Nomadland", captando a luz laranja do entardecer daquela região e seus belos azuis claros do amanhecer. Tem muito de Terrence Malick, muito. Só que com mais contexto social. Ele e Chloé Zhao conseguem mostrar a natureza específica da região de uma maneira bela, mas também como uma forma de prisão. Explico: as pradarias são sempre vistas como sinônimos de liberdade, mas no final deste filme, o protagonista em off diz que "é o mesmo horizonte para todos"! Achei isso muito forte. Nunca tinha pensado assim. É meio estranho falar em liberdade, quando todos só conseguem ver a mesma coisa. Outra questão que está presente neste filme e em the "The Rider" é a questão da virilidade. Em ambos os filmes o ideal masculino dos jovens é a figura do cowboy. Domar touros é o mecanismo de ascensão social. O problema é que este cowboy está machucado como em "The Rider", ou é jovem e inexperiente demais como em "Songs My Brothers Taught Me". Excelente!
  6. Perguntei para o Dalenogare quais as chances de David Strathairn como Ator Coadjuvante, e ele me respondeu que o ator aparece muito pouco, em apenas dois momentos, com boa atuação, mas não vê força suficiente para a indicação.
  7. FESTIVAL DE VENEZA 2020: COMPETITION: Marcello Mastroianni Award for Best Young Actor: Rouhollah Zamani, “Sun Children” Special Jury Prize: “Dear Comrades,” Andrei Konchalovsky Best Screenplay: “The Disciple,” Chaitanya Tamhane Coppa Volpi for Best Actor: Pierfrancesco Favino, “Padrenostro” Coppa Volpi for Best Actress: Vanessa Kirby, “Pieces of a Woman” Silver Lion for Best Director: Kiyoshi Kurosawa, “Wife of a Spy” Silver Lion Grand Jury Prize: “New Order,” Michel Franco Golden Lion for Best Film: “Nomadland,” Chloé Zhao HORIZONS Best Short Film: “Entre tú y milagros,” Mariana Safron Best Screenplay: “I Predatori,” Pietro Castellitto Best Actor: Yahya Mahayni, “The Man Who Sold His Skin” Best Actress: Khansa Batma, “Zanka Contact” Special Jury Prize: “Listen,” Ana Rocha de Sousa Best Director: Lav Diaz, “Lahi, Hayop (Genus Pan)” Best Film: “The Wasteland,” Ahmad Bahrami LION OF THE FUTURE Luigi De Laurentiis Award for Best Debut Film: “Listen,” Ana Rocha de Sousa VIRTUAL REALITY COMPETITION Best VR: Michelle and Uri Kranot, “The Hangman at Home: An Immersive Single User Experience” Best VR Experience: Kiira Benzing, “Finding Pandora X” Best VR Story: Fan Fan, “Killing a Superstar”
  8. "Nomadland" venceu o Leão de Ouro!!!! * Vanessa Kirb, Melhor Atriz!!! A Netflix acaba de adquirir o filme! Seguirá o caminho de Helen Mirren, Emma Stone e Olivia Colman, que também começaram vencendo na Itália?
  9. Segunda vez que vejo "Incêndios" do Denis Villeneuve. Será que o efeito é o mesmo, conhecendo o segredo do filme? As pessoas reclamam das coincidências da trama, mas eu não tenho problemas com elas. Pois a tragédia clássica de Édipo, na qual se inspira claramente o texto teatral que dá origem ao filme, também é cheia de coincidências. E as semelhanças entre eles não param: É a busca pela origem; as marcas no pés, tal como Édipo; uma região cheia de pragas ou desgraças, que no filme é apenas indicada como sendo o Oriente Médio. Então, as coincidências, que muitos acham forçadas, não me desagradam. Meu problema é com a caracterização dos atores. Não entendo como eles não escalaram atores com idades mais condizentes com a revelação da trama. Difícil comentar sem spoilers. Dito isso, continua um filmão. Indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro em 2011. Primeiro contato do Denis com a Academia.
  10. Ainda com "A Chinesa" na cabeça, revi "Johnny Guitar", nessa noite de sexta, em que não posso ir para o meu saloon encher a cara. Citado especialmente no filme de Godard (e mais uma vez em "Pierrot le Fout"), agora sei de onde vieram as cores primárias fortíssimas do clássico francês: do figurino de Joan Crawford. Ninguém escreveu isso por aí. Eu vi os dois filmes, um dia depois do outro, e afirmo isso. Vermelho, amarelo e azul; as cores verdadeiras. Aliás, primeiro filme em cores de Nicholas Ray. Amo o título. Pois ele é uma fraude. Este faroeste não é sobre um homem. É sobre uma mulher (Isso me faz lembrar da obra-prima "Anna Karênina" de Tolstói, que, quem já leu sabe, é muito menos sobre ela, e mais sobre o proprietário de terras Levin Konstantin), um western feminino. Dessa forma, enganado, o público teria que se acostumar em ver uma mulher empreendedora, de arma na mão, domando a situação conflituosa, no deserto de arenito. Seu principal adversário no filme é outra mulher. Joan Crawford e Mercedes McCambridge, diz a lenda, tornaram-se rivais também na vida real. Sabendo disso, as cenas finais são ainda mais saborosas. Em sua autobiografia, Joan revela que odiou o filme, escrevendo que não havia desculpa para o filme ser tão ruim ou para ela ter trabalhado nele. Trilha de Victor Young, que, absurdo, só ganhou seu Oscar postumamente.
  11. Jovem de esquerda, de família rica, prepara uma explosão antissistema. É "A Chinesa", resenhado ontem? Não, é "Movimentos Noturnos", de 2013, da diretora Kelly Reichardt. A política neste filme dessa vez está vestida de ativismo ecológico. Três jovens planejam destruir uma represa que foi construída sem os cuidados devidos com a migração do salmão. Para isso, adquirem uma quantidade enorme de Nitrato de Amônia, cuja força assistimos em Beirute neste ano. "First Cow" me fez correr atrás de todos os filmes da diretora americana que não tinha visto. "Movimentos Noturnos" é tido como o menos bom, e eu ainda sim gostei. Estou muito admirado com a forma dela escrever e de dirigir. Ela constantemente se aproxima e foge dos clichês. É muito legal pensar o que "Movimentos Noturnos" não é. Poderia ser um thriller, mas ela foge da trilha de suspense, dos cortes rápidos, etc. Poderia ser um estudo de personagem, mas aqui ela apresenta mais um "tema", uma causa, do que uma persona. Poderia ser um drama policial, mas, mesmo assim, os acontecimentos decorrentes da ação do grupo não se dirigem para isso. Ela é uma mulher muito inteligente, todos os filmes dela são meio assim: Temos de pensar o que eles não são. Mas esta obra é com certeza a que mais tem texto, e olha que também é bem contemplativo. Se juntar todos os filmes dela, não dá a quantidade de diálogos que há aqui. Mais uma vez passado no Oregon, mais uma vez em um bosque, mais uma vez sobre o capitalismo americano como consequência para os indivíduos. Jesse Eisenberg está muito bem - gosto dele - mas creio que ele precisa procurar novos perfis de personagem, que inclusive modifiquem seu físico. Aqui, com a mesma cara, cabelo, e roupa, de sempre.
  12. "Nomadland" foi apresentado ontem em Veneza colhendo críticas unanimamente muito boas, mas não excepcionais: “A very emotional tale about tracing new roads while circling down the same old ones. Not the most original story in terms of dramatic development, but it has something very earnest to say about healing and the relationship between man and environment. What counts is the spirit, and there’s plenty in here. A very good instance of nature transforming into a character on the screen. One of the highlights of these year’s festival for sure.” – Giacomo Placucci Quick notes from Venice: moving, touching, deeply human, and powerful. Doesn’t reach the heights of The Rider, but is still very great in its own right. McDormand is terrific, and all of the other non-actors do a tremendous job and make this the special film that it is. – Nicolò Grasso [ Nada disso! No Metacritics, 98%, com 14 críticas ]
  13. Eu vejo "A Chinesa" quantas vezes for possível, pois é tão rico, mas tão rico, que à medida que nossa cultura cresce, que nosso conhecimento do mundo se amplia, esse filme fica cada vez melhor. É atualíssimo, se tomarmos os revolucionários digitais de agora, os guerrilheiros de política do Twitter, ou os Youtubers lacradores. A política para eles, como para os personagens do filme, também é quase um entretenimento. No filme, há uma fascinante incorporação de brinquedos, seja um arco e flecha, ou uma rádio-metralhadora. As estantes estão abarrotadas de exemplares do caderno vermelho de Mao, o qual o personagem de Jean-Pierre Léaud recita o tempo todo, tentando importar para a França a ideia da Guarda Vermelha chinesa, grupo que ia às escolas, vilas, cidades, incentivar os ditames da Revolução Cultural, bem como perseguir os identificados como capitalistas. Mas o show nas atuações fica por conta de Anne Wiazemsky, excepcional como uma estudante entedida de Filosofia, filha de banqueiros - a mãe de todos os socialistas de IPhone de hoje em dia - que deseja a revolução de rua, a luta de classes enquanto "práxis", mormente cansada de teoria acadêmica. Tanto que planeja explodir as Universidades, pois enxerga nelas uma educação classista. É, enfim, um claríssimo deboche aos jovens universitários que acredit(av)am ingenuamente na pureza do Marxismo-Leninismo. Este filme é de 1967, um ano antes de 1968, suas cristalização física. Mas lembro que há alguns poucos anos antes a China de Mao tinha passado pela Grande Fome que matou entre 15 milhões de pessoas, admitidos pelo Partido Comunista de lá, a 50 milhões de pessoas... Seja como for, parece demais com um D.A. de alguma universidade pública brasileira de hoje, a começar pelo da minha "Alma Mater". Ambientado com cores primárias em destaque; montagem entremeada de fotos ou telas de texto; trilha sonora excelente; homenagens tributárias aos cinema de Nicholas Ray... Este filme não terminará nunca, Godard! A juventude, em todo o sempre, almeja o poder. Só não sabe como chegar lá.
  14. Único elemento que está me enchendo os olhos é esse Figurino da Jacqueline West, já que o Figurino do filme de 1984 é tão bagaceiro...
  15. Um telefilme de Rainer Werner Fassbinder em 1975. Imagino que o público-alvo era composto por muitas donas de casa. E que petardo na vida doméstica dos alemães! "Medo do Medo" mostra uma família aparentemente nos eixos, sólida, às vésperas da mãe ganhar um segundo filho. Depois da gravidez, ela desmorona. Hoje em dia, diagnosticaríamos fácil: Crise de Ansiedade/Ataque de pânico/Depressão. Um filme muito feminino, não só pelo trio excelente, habituées da trupe do diretor alemão: Margit Carstensen, Brigitte Mira, Irm Hermann; mas pelas questões que o envolvem. Uma dona de casa se vir aflita com a criação dos filhos, sem ajuda ativa do marido, obrigada socialmente a dedicar sua vida aos outros, sob os olhares vigilantes da sogra e da cunhada. Punida por querer se embelezar, punida por não querer cozinhar, punida por querer ser um indivíduo e não uma "função". Ela desmorona; natural. Fassbinder é um mestre das composições. O prédio em que vive a família é mostrado em seus espelhos, escadas, portas, bifurcações, janelas, degraus, como se fossem parte do subconsciente em apuros da protagonista.
  16. Tudo em Sergey Loznitsa é complicado. Ucraniano nascido na ex-União Soviética, hoje Belarus. Seu primeiro longa-metragem, depois de anos como documentarista, "Minha Felicidade", de 2010, é um roadie movie fantasmagórico por uma estrada da Rússia atual, no qual passado e presente se confundem. A estrada não é para lugar nenhum. Em certa altura do filme, diz-se que a estrada é a "direção". E essa direção do país é assombrosa: Crimes cimentados; prostituição infantil; abuso de poder; roubo; abuso sexual, tem de tudo nessa estrada, nessa direção. Um filme muito difícil, cujo personagem principal é um caminhoneiro e depois não o é mais. Mas os acontecimentos continuam terríveis. A maioria das pessoas detestou. Eu gostei.
  17. Nada impede que essa recomendação, ou sub-categoria, transforme-se em exigência mais à frente.
  18. "O Tempo que Resta", de 2005, é mais um - pleonamo - ótimo filme de François Ozon. A história não tem muita inovação - um protagonista tem de lidar com a descoberta de uma doença terminal - mas seu texto contemporâneo, e sua encenação realista, em bandeira contra o vitimismo, em bandeira contra o melodrama, tocam o espectador. O protagonista vivido pelo ótimo Melvil Poupaud é insensível a ponto de ser grosseiro, ou arrogante. Mas a característica da insensibilidade tem a faceta da racionalização. É ela que o fará sacar que se não tem o futuro, pelo menos poderá se despedir de seu passado. Mas, depois, também pela racionalização, compreenderá que pode sim criar um futuro, para despojar-se de tudo. Rápido, menos de 80 minutos. Com bela participação de Jeanne Moreau.
  19. Esse pilar A: 3 me espanta! Jamais poderei bater palma para uma ação afirmativa que promova interferências na narrativa, jamais! No fundo dessa proposta, há a compreensão de que o cinema é um veículo de "mensagens", tipo uma carta psicografada, que deva dar conta da Justiça Social. Arte, arte séria, não é mensagem de bom-mocismo. Depois não sabem por que figuras como Trump ou Bolsonaro são eleitas.
  20. "N`um vou nem falar nada!!!"" Palma de Ouro em Cannes em 1985, consagrado por unanimidade, "Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios" é apenas o segundo longa de Emir Kusturica, mas já têm suas grandes marcas, embora o próprio não assine o Roteiro. O filme também concorreu ao Oscar de Filme Estrangeiro em 1986, mas perdeu para "A História Oficial", a quem batera em Cannes. Ele nunca explica didaticamente o que se passa. O processo é de absorver, em vez de entender. Mas de todo jeito sacamos que há um confronto político, na Iugoslávia do final dos 1940- início dos 1950, entre os apoiadores de Stálin e os apoiadores de Tito. Por um simples comentário, um pai de família, denunciado pelo próprio cunhado, terá de ir à uma "viagem de negócios" (Alow, "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias"!!), eufemismo para cadeia, em regime de trabalhos forçados. Seu filho menor, o protagonista do filme, terá então de passar dois anos sendo criado por sua batalhadora mãe, ao lado de seu irmão que toca acordeon o tempo todo, e cercado pelo resto da dividida família. Tudo poderia cair na mesmice, no sentimentalismo. Mas Kusturica é um gênio. E pra começar, o pai aqui é desmitificado, está longe de ser flor que se cheire. É mulherengo, violento, trabalha pouco...Contei um pouco da trama. Mas não é preciso. Basta absorver o clima do filme: Animais, música, futebol, tiradas de humor, sonambulismo, sexo sem pudor, confusão familiar... Só acho que esse pacote de ambientação será muito melhor desenvolvido, posteriormente, filme por filme, até chegar ao auge em "Gata Preta, Gato Branco", de 1998, uma comédiazona. Aliás, me chamou a atenção uma personagem secundária, uma mulher, pioneira da aviação, na ponte temática com "Arizona Dream", de 1993. É um clima de "A Grande Família", uma italianada/ ou uma iogoslavaiada, para refletir algo capital: Entre Tito ou Stálian, fique quieto, na sua, cantando em espanhol, que ninguém te ouça, ninguém te entenda. Entre Tito ou Stálin, não fique com ninguém. ( Agora que me dei conta que está virando uma Maratona Emir Kusturica também...Oh, este ano não passa!)
  21. Aqui é a seção de filmes. Tem seção exclusiva para se discutir esportes no fórum.
  22. Dando um tempo nas releituras, para ler a nova obra de um dos reis da minha biblioteca, será o meu sexto Michel Houellebecq. "Serotonina" promete mais uma dose do humor chapado de antidepressivos do maior escritor da França. Pra quando esse Nobel? Vai demorar?
  23. Continuando a maratona Hong Sang-soo, fui conferir o longa "Hotel By The River", de 2018, mesmo ano do já resenhado "Grass". Como são os dois últimos lançamentos, percebi algumas semelhanças entre eles. Parece que o diretor coreano deu um tempo com os ciclos, com as repetições, as voltas; parece ter cansado do truque. Uma pena. Porque eu, confesso, adorava. A narrativa agora está ainda mais mínima. Não há história, há um indício de história. Sabemos algo da trajetória, das motivações, ou dos dilemas dos personagens por que eles lançam uma frase ou outra, aqui ou acolá. O restante é preenchido com banalidades, soju, elogios à natureza. Quem reclama disso, deve refletir sobre a própria vida, pois quase sempre as conversas são preenchidas exatamente por "não-conversas". Os filmes dele são o cotidiano em guerra contra a narrativa dramática. O que posso extrair do, vamos dizer assim, mérito do filme é que o personagem do poeta goza da credibilidade social dos homens sensíveis, mas na vida pessoal foi relapso com os filhos, deixando-os com a mãe, e, em certo momento, quando um dos filhos tenta explicar suas dificuldades com as mulheres ( talvez confessando uma homossexualidade), o pai poeta se alvoroça, se irrita. Sensibilidade é só na ficção. O elenco é a patotinha de sempre, já acostumados a acertarem o tom nos planos-sequências longuíssimos. Kim Min-Hee tem um papel menor, mas achei engraçado ela, dessa vez, ser a "desquitada", passando para o outro lado do espelhamento com sua vida real com o diretor. Em certo momento, sabemos que sua personagem é poeta, gosta de escrever, assim como era a personagem de "Grass". Talvez perceber a repetição fique, doravante, à cargo dos cinéfios. Fotografia em preto-e-branco de Kim Hyung Koo, outro habituée do diretor.
  24. "Viva Zapata", do turco Elia Kazan, obra de 1952. Queria rever a cena de Zapata no poder repetindo constrangido o comportamento de Porfirio Díaz. Que cena! Infelizmente, vivemos num momento de patrulha tal que Marlon Brando, se vivo fosse, jamais poderia interpretar o líder mexicano. Que era estamos vivendo! Quanta tolice! Atores interpretam, não "são". Vale aumentar sim o representatividade na produção, diversificar. Com isso, concordo. Mas quão maravilhoso é ver alguém interpretar justamente o que não é. Com bigode falso, maquiagem, olhos puxados falsos, sotaque, não importa. A atuação vem de dentro. Segunda indicação para o monstro de ator que foi o Brando. Primeiro Oscar, para, esse sim, mexicano, Anthony Quinn. "Um povo forte não precisa de um homem forte".
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