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Forum Cinema em Cena

SergioB.

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Everything posted by SergioB.

  1. 342) Finalizando a trilogia com "Matrix Revolutions", também de 2003. Se o segundo filme já tinha esvaziado toda a filosofia para entregar um simples filme de ação, o terceiro completa a tarefa rumo ao esquecimento e a irrelevância cinematográfica ao esvaziar Matrix de seus principais personagens: Trinity, Morpheus, e, pasmem!, Neo têm pouco a mostrar neste filme, passando eles, inclusive, quase inexplicáveis trinta minutos fora de cena, no longo segmento da invasão de Zion pelas máquinas. É um suicídio, esvaziou-se de si. No mais, péssimo! Mais péssimo ainda é seu início, completamente sem pé nem cabeça. Não tenho nada de positivo para falar, então me veio à cabeça como a formação do elenco multiétnico nesta trilogia, composta naquela época, era realmente um valor e não uma receita mercadológica visando likes como hoje em dia. Parabéns às irmãs Wachowski por isso.
  2. 341) Alguns dos meus melhores amigos têm Duna, de Frank Herbert, como seu livro favorito. Por causa deles, encarei a leitura. Embora tenha me divertido, achei a escrita "pobre". Enredo há até demais, há bons personagens, há bons temas (como a evidente relação com a exploração petrolífera), mas é o texto em si que decepciona. Essa pobreza de escrita está perceptível também no filme. Expositivo demais, rascunho de Tolkien em termos de neologismo, sem profundidade ou humor. Dito isso, a adaptação do Villeneuve ( e parceiros de roteiro, como Eric Roth) é excelente. Resolveu alguns problemas, como a infilmável linguagem entre mãe e filho, por exemplo; conseguiu ser fiel à trama; e, ao mesmo tempo, não perdeu demasiado tempo com aspectos coadjuvantes. O melhor do filme disparado é a criação estética. São maravilhosos o trabalho do Patrice Vermette no Design e de Jacqueline West no Figurino. Mas o trabalho do Vermette realmente é especial. Paradoxalmente, é uma grande produção ao estilo minimalista. As cenas têm um vazio ao redor dos personagens que me encantou, como se fosse uma resposta ao carnaval proposto da versão nunca feita de Alejandro Jodorowsky (sempre friso, para mim, o maior artista sul-americano vivo). Até as cenas de combate não são superlotadas. Isso faz um bem enorme para o filme. É lindo, moderno, chic, e solene. Aliás, aí entra a minha maior crítica. O filme tem uma aura solene, que é reforçada constantemente pela sombria trilha sonora de Hans Zimmer. Parece que ele é o favorito ao Oscar na categoria, já que apenas uma vitória parece pouco. Vi que muita gente amou a trilha, mas meus ouvidos não. É o melhor trabalho dele nos últimos anos com certeza. Mas é a mesma coisa de sempre: aquele som metalizado unido com cantos estranhos, sem melodia. Não sou fã da música dele, nunca fui. Chalamet, Ferguson, Momoa, Isaac, Skarsgard, Brolin estão perfeitos, muito dentro de seus personagens. Mas como eles deveriam ansiar, acho eu, por uma única cena que fosse mais "bonita", mais engraçada, mais terna, mais carinhosa, que não fosse só a aflição da aventura, ou bater o texto (aquele texto) de uma forma crível. A bem da verdade, só o Brolin e o Chalamet puderam fazer uma cena assim...É culpa do diretor? Não, é culpa do texto. O livro é assim. Efeitos Visuais e Fotografia, excelentes também. A Isabela Boscov, em sua maravilhosa crítica, ressaltou o lado volumoso, denso, das imagens, como elas nos circundam. É bem isso. Gostei do filme enquanto construção; gostei do filme. Ou do meio filme. Pois, a bem da verdade, é a metade.
  3. 340) Assisti a "Cidade Oculta, de 1986, do diretor precocemente falecido Cláudio Botelho, no início dos anos 1990. Cultuado hoje em dia, é um filme policial que tentou dotá-lo de características bem brasileiras, melhor dizendo, paulistanas. É a noite de SP dos anos 1980, seus inferninhos, um cyberpunk do terceiro mundo, embalado com músicas do paranaense Arrigo Barnabé, também ele o protagonista do filme. Na trilha, ainda agarrada à MPB, destaque para a transformação em rock do poema de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, "Poema em Linha Reta". Arriga Barnabé vive um cara que cumpriu pena durante 7 anos, e que vai ao encontro de um amigo, ex-companheiro de crimes, que hoje trafica "muamba" (Nunca fica muito claro se é ouro, ou drogas, ou as duas coisas), e que é açoitado por um policial corrupto, que quer ficar com a mercadoria. Nesse ínterim, conhece a personagem de Carla Camurati (lindíssima, corpasso - ai, as feministas vão me matar por esse elogio!), que tem o melhor desempenho no filme, uma dançarina e parceira da gangue, "Shirley Sombra" (bom nome!) e então apaixonam-se. A trama em si é esse esboço, pois depois desenvolve-se muito mal. O final é muito confuso e inconclusivo. Penso que o Brasil àquela altura não precisava provar que sabia fazer um filme policial. Sganzerla, nesse sentido, já tinha logrado isso, décadas antes, com seu "O Bandido da Luz Vermelha". De resto, muito mais original. Aqui é apenas uma ambientação muito bem aproveitada, utilizando seus evidentes poucos recursos, mas que repete a estrutura de tudo que havia no mercado gringo, com seus cacoetes e clichês, do tipo, esticar a mão e fincar velozmente uma faca entre os cinco dedos... Não vi nada de mais.
  4. 339) Em preparação para o quarto capítulo, "Matrix Reloaded", de 2003. Ou do início de 2003, pois o terceiro capitulo viria no final do mesmo ano. Lembro-me da decepção coletiva, à época. Justificadíssima. Se as coreografias de luta permanecem sensacionais, há um esvaziamento enorme de tudo que o primeiro filme tinha de filosofia platônica, de tudo que o fazia parar em pé enquanto pensamento mais profundo, no eterno debate Realidade versus Ilusão. É um empobrecimento cultural, em troca de um simples filme de ação, a ponto de não haver mais conteúdo. Ao assistir, fiquei pensando em uma coisa...O primeiro filme me ganha pela questão de que eram poucos os que despertaram, eram poucos os que venceram a ilusão e passaram a enxergar a realidade do mundo. Como sabemos, a maioria das pessoa tem um comportamento bovino, normótico, vive sem refletir, é dizer, vive sem filosofia. Neste filme, não, temos uma cidade secreta com 250 mil pessoas...Ah! Perde muito do charme isso. A cidade é ridícula, falsa, com dirigentes de cunho religioso, "líderes espirituais", sei lá eu...Outra matrix! Como todo filme 2, um filme de transição. Com encheção de linguiça, e poucas surpresas.
  5. É um dos filmes mais controversos do ano, sem dúvida. Não acho que sejam "dois filmes", ele justamente engana o espectador, ao buscar sempre um caminho menos linear. O final, por exemplo, todos esperamos um rebento X, e aparece um rebento Y. Eu amei. Ainda estou pensando nele.
  6. O Minas Tênis Clube acaba de anunciar a demissão dele.
  7. 338) "N`aum vou nem falar nada!!" Estou perplexo com o brilhantismo de "Titane", Palma de Ouro em Cannes. Caramba! A introdução cronenbergiana é feita de forma belíssima esteticamente, mas se fosse só isso, uma atualização do estilo do canadense, seria um filme menor. O que me pegou de jeito é ser um filme que engana. Na primeira meia-hora pensamos que seria um filme de horror, um slasher, matança aleatória surrealista; mas depois, não, o filme mergulha de um modo quase freudiano no tema existencial da metamorfose. Jamais esperaria por isso! Um pai que procura um filho perdido/ uma criança que anseia um pai. Julia Ducournau arrasou na escalação do elenco. O excelente Vincent Lindon dá um show, trazendo camadas interessantíssimas a respeito da sexualidade desse homem. A certa altura da vida, o personagem não precisa mais de sexo, não precisa sequer ser gay, precisa só egoicamente de si, de seu corpo envelhecido mas trabalhado no doping. A atriz principal, Agathe Rousselle, está excelente neste seu primeiro longa, e, vou escrever porque tá na cara, mas muitos não querem ver, ela está "a cara" da própria diretora! Alterego, sim. E mais uma vez a sexualidade exerce um papel decisivo, pois se no início imaginamos automaticamente uma lésbica, temos depois de trabalhar nossa ideia de binariedade, de androginia, pois o que teremos é um menino, um homem grávido. As cenas de dança são espetaculares! Primeiro, a irônica dança em um Salão do Automóvel, satisfazendo o machismo dos frequentadores. E a última, tão ambígua, ganhando os olhos reprovadores dos bombeiros sem camisa, por imaginarem verem ali um homem gay dançando lascivamente, quando na verdade trata-se, talvez, de uma mulher...Quando na verdade, a bem da verdade, é a mesma pessoa, só uma pessoa,que eles provavelmente delirariam se vissem a primeira dança... E o final é um pai com seu filho, aceitando-o, sem julgamentos, amorosamente. Tudo o que vier. Whoal, pra esse filme! Salve a França selecionando um filme tão ousado como seu candidato! "Titane" faz avançar o cinema. A diretora deu à luz uma coisa estranha e bela, assim como já tinha feito no seu maravilhoso "Raw".
  8. 337) "N`um vou nem falar nada!!" 1999 é o ano é o ano é o ano!!! Do nada, revi "Matrix" na Netflix. Ansiedade para o capítulo IV, "Ressurrections", do final de ano, que dizem derivar do III, do qual não lembro muito. Do primeiro sim, lembrava de tudo. A não ser a impressão de que já vi ele "mais verde", e "menos verde". Alguém sabe o motivo? A pessoa mais importante da minha vida amava esse filme das - hoje irmãs - Lana e Lilly Wachowski. E costumava repetir frases aleatórias do roteiro, ou criticar o governo da vez, ou nossa sociedade problemática, referindo-se a eles como a Matrix. Não está errado, errado não está. Mas falava isso com senhorinhas dos pombos ou senhores de bengala na pracinha..."Culpa da Matrix". Me envergonhava (Envergonhava de um modo que eu gostava...). Era simplesmente o jeito de sua mente filosófica e pop, apaixonada e delirante, funcionar. Enfim, como sempre digo, e ratifico uma vez mais, ninguém filma em câmera lenta como elas; bem como me impressiona como a velocidade de suas produções está associada à multiplicidade exorbitante de ambientes e locações. Quatro estatuetas do Oscar muito bem dadas, naquele ano icônico. O melhor da história do cinema. Maravilhoso!
  9. 336) Habitué de Cannes, o mexicano Carlos Reygadas levou o prêmio de Direção no icônico ano de 2012, que tinha "Amor", "Holy Motors", "Moonrise Kingdom", "A Caça", entre outros, por este "Luz Depois das Trevas". Isso por que o filme foi vaiado na sessão e dividiu a crítica, o que, em Cannes, é sempre bom. Mescla uma tênue narrativa sobre uma família abastada que abandona a cidade grande para viver na zona montanhosa do México; com memórias pessoais do diretor, de passagens de sua vida na Europa - incluindo seus filhos, crianças, no elenco. É difícil saber em que a parte ficcional dialoga de verdade com a vida do diretor. Será que são representações dos pais dele? Parentes dele? Não sei. Filmado em razão de aspecto 4:3, e com o centro do quadro delimitado, ainda por cima, por uma espécie de desfocamento das bordas, o filme apresenta uma Fotografia esplendorosa, de Alexis Zabe ("Projeto Flórida"), que reafirma mais uma vez a potência do quadro fílmico. Gosto bastante da filmografia dele, mas não exatamente por essas características. Elas, ao contrário, tornam seus filmes, a meu sentir, muito acadêmicos e sérios em demasia. Eu gosto dos filmes dele pelo modo com que retrata sem medos os corpos humanos. Há muita verdade em todos eles. Se em "Japão", temos o longo plano de uma senhora de 78 anos transando; se em "Batalha no céu", temos aquelas pessoas extremamente obesas fazendo sexo oral; aqui temos um enorme plano de um casal, acredito, na Bélgica, onde o diretor morou, participando de uma orgia em uma sauna. Uma sauna sem ninfetas e ninfetos, mas com casais de meia idade, com seios já caídos, barrigas de chope, paus discretos, loucos por trocas de parceiros. É difícil dizer sobre o que esse filme é. Afinal, logo no começo, tomamos um susto, com a figura de um diabo, de vermelho néon, pura luz, pura radiância, entrando de maleta na casa dos protagonistas...Estranho. O diabo do vício em sexo pelo qual o protagonista se ressente, se frustra, e o faz maltratar sua mulher, e, numa cena pavorosa, seus pobres cachorros? Lembrei-me de que há o medo do demônio em "Luz Silenciosa" também.
  10. 335) "N`um vou nem falar nada!!" Gente...Vivo dizendo que meu critério amoroso é: Encha o meu cérebro! Quando o cinema faz isso comigo é igualmente apaixonante. Estou embasbacado com "Violência e Paixão", de 1974, penúltimo filme de Luchino Visconti. Em inglês, o título é "Conversation Piece", pois se refere às pinturas de famílias nobres dos séculos passados, e o personagem do professor, vivido por Burt Lancaster, é um colecionador desse tipo de quadro. Ele, que não tem ninguém, vive sozinho, dedicado aos livros, à arte, vê sua vida mudar, quando uma família burguesa, caótica, vulgar, endinheirada, cheia de segredos e fúria de viver, aluga dele o apartamento acima do seu. Uma mãe, sua filha, seu noivo, e o amante-michê da mãe. Quantos tormentos! Quanto estrondo! Quanta juventude! Quanto erotismo! entram na vida do velho professor. O filme, na verdade, é uma elaboradíssima e refinadíssima alusão à vida pessoal do diretor. Sabe-se que ele era bissexual/homossexual, e que desde o fim dos anos 1960 relacionava-se com o ator austríaco Helmut Berger, um bissexual assumido, ator de tantos de seus filmes. Visconti, a esta altura, dirigia na cadeira de rodas, com sequelas de um AVC, que acabariam por vitimá-lo em 1976. Burt Lancaster é quase um alter ego do diretor, um cansado e requintado homem de saber. Lancaster que, em sua vida privada, também era bissexual, e por imposições de Hollywood teve de colocar sua sexualidade no armário. Pensava nessas alusões todas, quando, em uma das mais incríveis cenas do filme, uma sala secreta, contígua à biblioteca se abre. Um cômodo escondido, no velho apartamento, onde, no passado esconderam-se judeus e foragidos políticos, diz o professor. Um armário, pensei! E dentro dessa sala secreta se dará uma cena de ménage à trois, entre a filha, seu noivo, e o amante-michê da mãe, com o professor observando, só observando, mesmo sendo chamado a participar. E embala a cena "A Distância", de Roberto e Erasmo Carlos. Mais uma música brasileira presente no cinema internacional. Mais um exemplo para a minha coleção mental! O filme é sobre um homem culto enrustido que apaixona-se por toda aquela família. Mas em especial se apaixona obliquamente pelo modo de vida sem-limites dos mais jovens. Ainda que eles firam seu sistema de vida, de educação, formalismo, e refinamento. Chega um momento que quase não pode evitar se apaixonar pelo personagem de Helmut Berger, o amor do diretor italiano na vida real. É o mundo do aristocrático Visconti que não existe mais. Vê-se tomado pela vulgaridade do mundo contemporâneo. Mas pela sua liberdade sexual também. Amei!
  11. e... "Raya e o Último Dragão" é a nova animação da Disney, que é um pot-pourri de várias ideias que estão sistematicamente dando certo no campo infantil: uma protagonista mulher empreendendo uma "jornada do herói", atrás de algo mágico, que vai unir o seu povo, espantar o mal...Acompanhada, claro, de um animalzinho coadjuvante fofo, executando lutas marciais, e, de quebra, enviando alguma mensagem social/ecológica. No campo das ideias, portanto, não há nada de novo. A fórmula está pronta há algum tempo. Tem me chamando a atenção, contudo, a rapidez das etapas de ação. Já tenho notado isso desde outros filmes, mas aqui não há muita perda de tempo. Aos outros personagens que aparecerem no caminho, dedica-se também pouquíssimo tempo, ou simplesmente não são explorados. Apenas estão lá. Agora a parte técnica é um primor, uma perfeição. A água em redemoinho dos rios, os cabelos dos personagens, as penugens dos animais, os rostos humanos...Sério, talvez seja um dos filmes mais perfeitos da Disney! Trilha sonora linda do incansável James Newton Howard. É do diretor Don Hall, vencedor do Oscar por "Big Hero 6"; e de Carlos López Estrada." Aí, @Gust84!
  12. 334) "Ex-Pajé", documentário de 2018, de Luiz Bolognesi. Seu tema é o etnocídio. A morte de uma cultura étnica, no caso, a dos índios de uma tribo de Rondônia. O personagem principal é um pajé, ou ex-pajé, nesse belíssimo título, que agora é o zelador da Igreja missionária, que evangeliza os índios da região, e que colocou o conhecimento tradicional do pajé como coisa demoníaca. O doc é muito bom, acompanha tudo sem muita interferência até onde sei. Lembrei-me a toda hora do fabuloso ensaio de Susan Sontag sobre "Tristes Trópicos", livro icônico de Claude Lévi-Strauss. A americana logo depois do lançamento entendeu que esse seria um dos textos fundamentais do Século XX, e escreveu um ensaio sobre ele presente em seu "Contra a Interpretação". Susan ensina que Claude era um professor "sério", circunspecto, sem muitos exageros. Portanto, de acordo com sua personalidade, o "triste" do título, outro belo título, por sinal (em português, seus dois "t"s o tornam ainda mais belo), é então um eufemismo. Um eufemismo por que os trópicos não estão tristes, estão em "agonia". Nunca me esqueci do emprego preciso dessa palavra. Agonia, pois os povos originários da América não têm um saber escrito, com força de permanência, só têm a cultura oral, passada dos mais velhos para os mais jovens. Se há um assassínio cultural, como mostra o doc, há, segundo minha interpretação, também um "suicídio". Pois os índios mostrados estão muito felizes com suas máquinas de lavar, eletricidade, fogão, caminhonetes, e armas de caça. Não me parece que eles queiram voltar ao tempo do não contato com a cultura branca. Não idealizo esse tema. Mas acompanho o parecer que a imposição religiosa chega até ali com muita força, sem respeito algum, contra pessoas que não sabem se defender.
  13. 333) Fechando a chamada Trilogia da Guerra", "Cinzas e Diamantes", de 1958, de Andrzej Wajda, conta a história de um rebelde nacionalista da Resistência Polonesa que, exatamente no último dia da Guerra, com o povo comemorando a rendição alemã, recebe a missão de assassinar um líder comunista, que se projetava como o homem de confiança da URSS. Porém, o homem encontra uma moça, apaixona-se por ela, e meio que decide viver uns últimos momentos de prazer, antes da missão. O amor se contrapõe à morte, para mostrar que a vida pode ser melhor, e confundir o rapaz se ele prossegue com a missão. O filme é muito celebrado, sempre entra na lista dos melhores da História, mas eu fiquei meio decepcionado. A direção é soberba; a Fotografia utiliza lindamente a profundidade de campo; conseguiram achar uma locação fantástica de uma Igreja em ruínas com um Cristo dependurado de ponta a cabeça; e outros predicados; mas o roteiro não é bom. Entendo que a premissa seja boa, e irônica, pois se comemora o fim de algo terrível, às vésperas da nação ("O Cristo da Europa" como diz Susan Sontag) cair em outra coisa horripilante, contudo a história não é bem desenvolvida, nem tem pontos muito fortes. Toda a parte da armadilha para matar o dirigente é muito chata e sem tensão. Uma das poucas boas frases: "A Guerra acabou, mas a luta continua", diz o dirigente comunista, a certa altura do filme. A tal "A luta continua", seja em que contexto for, em que país for, arrepia-me. Os bem-intencionados costumam fazer duplamente o mal. Achei curiosa a ponte cinematográfica com "Canal" - aquela coisa!! - do ano ano anterior, pois o protagonista, em certo momento, diz que usa constantemente óculos escuros pois lutou muito tempo nos esgotos. Aí sim, aquele filme sim me conquistou.
  14. 332) Como eu sempre digo, o Cinema é um professor de geografia. "A Mongolian Tale", de 1995, em que pese ser dirigido pelo chinês Fei Xie, faz questão de, em seus créditos finais, abrir um parêntesis e elucidar que os atores são todos mongóis. É um filme da Mongólia, portanto, e faz questão de nos deslumbrar os olhos com as paisagens daquele país. E funciona bem comigo, pois sou fascinado por essa parte do mundo, tão vasta fechada e desconhecida. Adaptado de um livro, conta a história de duas crianças órfãs criadas juntas por uma senhorinha, e que são prometidas em casamento ainda jovens. O garoto a certa altura vai estudar na "cidade", e a menina fica, isolada, na pradaria, cuidando da avó. Quando o garoto volta, homem feito (protagonizado nessa parte por um conhecido cantor pop mongol), sonhando em concretizar a promessa matrimonial, a jovem está grávida. Ao fim e ao cabo, uma história de machismo. De como o machismo comumente fica acima do amor. Ainda que cuidar do filho de outrem não é - digamos assim - uma coisa que um homem faz com um sorriso na cara. Um filme com um tema batido, mas que é beneficiado pela exuberante cor local. A cena final, presente no poster, é lindíssima.
  15. 331) "O Grande Chefe", de 2006, é a incursão na comédia de Lars von Trier. De riso desopilante, não tem nada. É mais sarcasmo. Sarcasmo puro. Então eu entendo as críticas sobre a "falta de graça", mas dou o desconto que frequentemente o humor não migra tão bem entre as nações, e elogio a inteligência do Lars em rebater em forma de filme muitas das críticas que recebera até aquele momento. Um ator desempregado é contratado para representar o dono de uma companhia cujo verdadeiro dono quer pô-la à venda. É contratado para ser desagradável, tomar decisões impopulares, e aos poucos se vê envolvido sentimentalmente com vários funcionários, e com questões imprevistas na hora de fechar o negócio. Eis a trama. Para mim, ela é o que menos interessa. De interessante cinematograficamente, primeiro, Lars von Trier dispensa um fotógrafo, e dá a um computador as decisões dos enquadramentos. O resultado produzido pela inteligencia artificial é um monte de cenas mal ajambradas: teto aparecendo, pescoços cortados, perfis divididos, etc. Em dois momentos, contudo, o próprio Trier aparece em uma grua, para filmar o prédio da empresa de longe, se colocar como um narrador, e interfirir na história. Segundo, Trier já era criticado por muitos atores que trabalharam com ele, e aqui ele coloca a figura do ator como um mero empregado - alguém que se contrata - não como um autor - O autor é o diretor de cinema (tal qual o real diretor da companhia)! A ele pertence o controle significativo das ações. Terceiro, uma questão de fundo, um artista declaradamente muito depressivo pode fazer rir. Tentar fazer rir. São coisas independentes.
  16. Não vejo série. hehe Certa vez dei uma olhada na HBO, no primeiro capítulo de "A Amiga genial", mas não segui.
  17. 330) Por falar em comédia boa, tive sorte e vi essa simpatícissima obra do grande Mario Monicelli, "Pais e Filhos", de 1957. Uma filme com múltiplos personagens, a respeito do mesmo tema, encetado no titulo: A relação pais e filhos. Filhos que agem como pais de seus pais (minha fase atual!); filhos rebeldes; filhos vagabundos; pais com muitas crianças; casal sem filhos pensando em adoção; pais de adolecentes descobrindo a sexualidade... Vittorio de Sica atua aqui, e tem o principal papel; Marcello Mastroianni, ao contrário, faz uma ponta, mas com direito à cena mais bonita. É tão bom ver esses simples filmes italianos dos anos 1950...Penso nos meus avós, nos meus tios-avós. A casa cheia, sempre cheia, com muita discussão...terá sido assim também? Ninguém nasce pai ou mãe. É um aprendizado. Aprende-se sendo.
  18. (329) Depois do fantástico "Toni Erdmann", de 2016, a diretora alemã Maren Ade não lançou mais nenhum trabalho, infelizmente. Fiquei muito contente, então, ao descobrir e assistir ao seu primeiro longa, de 2003, "A Floresta para as Árvores" - um trabalho de conclusão de curso - acredite se quiser - que ganhou vários prêmios, inclusive em Sundance. É uma comédia deliciosa a respeito de uma professora iniciante, idealista, cheia de inocência, e de esperança no mundo, que sai do interior para uma cidade maior, para trabalhar em uma escola. Escola essa, que, pesquisando, é exatamente onde a mãe da diretora trabalhou na vida real. Ela não tem força para controlar o ímpeto dos alunos, que pintam e bordam com ela. Os professores mais experientes riem às suas costas. Em seu novo lar, tenta fazer amizade com os vizinhos, mas de um jeito atabalhoado. Acaba sozinha, sem amigos, recebendo a descortesia da cidade grande. O maior drama é que ela tenta forçar uma amizade com uma vizinha, que às vezes lhe dá atenção, mas ela acaba metendo os pés pelas mãos, interfirindo demais na vida dela de um jeito "freak". Sabem aquelas pessoas "too much"? A atriz principal Eva Lobau dá um verdadeiro show. Consegue passar a bondade, a solidão, o desespero por ter amigos, na medida exata. Ganhou, pelo desempenho, vários prêmios de Melhor Atriz. A solidão extrema torna as pessoas esquisitas. Amei.
  19. * O dinamarquês é melhor. Conseguiu me envolver mais com a ação "escutada", fora da tela. Essa versão não é ruim, mas foca mais no policial. * Ainda não vi, mas sei exatamente onde o filme vai terminar. Daí por diante, o livro é muito melhor, e, acredito, dará um filme com mais ação.
  20. (328) Remake do dinamarquês "Culpa", de 2018, Antoine Fuqua dirige esse novo filme da Netflix, "O Culpado", com produção e protagonismo de Jake Gyllenhaal. Os dois filmes trabalham com a relação campo-extracampo, o que é mostrado e o que é apenas escutado, deixando a suposta ação principal a cargo da nossa imaginação - havendo apenas por um breve momento uma quebra nessa estrutura, e meio sem razão fundante para isso. O Gyllenhaal está ótimo, como sempre, e o Fuqua deu um jeito de relacionar o filme a vários problemas intrinsecamente americanos, desde os devastadores incêndios anuais na região de Los Angeles aos excessos da ação policial. Para mim foi uma experiência apenas mais ou menos, porque a história principal é legal, mas, sinceramente, não é tão legal assim... Não é excitante como "Dia de Treinamento", embora traga uma leve recordação dele ao se valer da voz de Ethan Hawke como um ex-parceiro de rua do personagem principal.
  21. (327) "Alice ou A Última Fuga", de 1977, é uma fantasia surrealista escrita e dirigida por Claude Chabrol, que reúne elementos fáceis de notar de "Alice no País das Maravilhas" e, cinematograficamente, de "O Ano Passado em Marienbad". Protagonizado pela neerlandesa Sylvia Kristel, eterna Emmanuelle, acompanha-se uma esposa que foge do casamento em uma noite chuvosa, dando adeus ao marido insuportável e a uma vida aburguesada. Na estrada, com chuva, tem problemas com o carro. E abriga-se em uma antiga, requintada, e estranha mansão, onde fica misteriosamente aprisionada, vagando pelos cômodos e jardins. Pode-se facilmente encarar a trama pelo ponto de vista religioso, como uma metáfora para a morte (já escrevi diversas vezes que não gosto do cinema como metáfora, mas como metonínia - como no recente "O Ciclista"), e a mansão como sendo um estágio de purgatório. E parece que é essa mesma a intenção. Para mim, ateu, isso não diz nada. Como cinema, fiquei o tempo todo comparando-o à proposta radical do filme de Resnais, que vai ao limite do limite, ao não explicar nada dos personagens, ao não propor nenhuma investigação social ou psicológica, e só encarar o vazio do tempo e do espaço. Ao tentar explicar, ou ajudar o espectador, diminui-se como arte.
  22. (326) Candidatíssimo a filme mais louco que vi em toda a minha vida, "Hitler 3º Mundo", de 1968, é um filme de vanguarda, experimental, dirigido pelo escritor e cineasta paulistano José Agrippino de Paula, buscando, à la um Buñel dos primórdios, imaginar como seria um regime fascista nascido na periferia do Terceiro Mundo. É conhecido também por ser "protagonizado", digamos assim, por um Jô Soares que encarna um samurai bizarro, com uma peruca crespa, vingador. Num primeiro momento, atira verduras e legumes para uma legião de crianças e pessoas faveladas; depois resgata as crianças em um furgão; mata um dos brasileiros nazistas em um banheiro; depois debate-se com a televisão... Temos a tendência de tentar armar um roteiro, mas não há. O que temos é uma sucessão de imagens fortes, como a de uma mutilação peniana; ou uma sucessão de imagens loucas, como um Adão e Eva negros, nus, subindo uma montanha; ou uma espécie de Hitler de bermuda florida, camisa florida, recriminando a miséria do país. O trabalho sonoro é propositadamente deslocado. Custamos a entender as poucas frases que são ditas. Há um ruído constante também. Tudo é muito estranho e desarticulado. O filme nunca foi lançado comercialmente, mas é cultuado pelos estudiosos do cinema marginal brasileiro, ainda mais pelo ano de sua feitura, em plena Ditadura Militar. Tendo a concluir, pessoalmente, é que a mensagem do filme é que nem o Fascismo iria querer um país como aquele! Tão miserável, atrasado, e primitivo. O Fascismo precisa de adoradores acríticos, que se creem grande entendedores das coisas. O povo retratado ali, lutando por sua sobrevivência, estava aquém de qualquer nível de politização.
  23. (325) Fruto da chamada Nouvelle Vague theca, "Trens Estreitamente Vigiados", de 1966, ganhou o Oscar de Filme Estrangeiro em 1968, e seu diretor, Jirí Menzel - morto por COVID -19 no ano passado - foi até indicado ao DGA! Baseado em um romance, o filme compartilha aquele tom de humor - que eu particularmente não racho de rir - da "fase theca" do Milos Forman. Mas a grande atração é que se trata de uma comédia passada durante a Segunda Guerra Mundial, e sua premissa é, sim, muito legal, e muito inteligente, e foi o que eu mais gostei do filme: Tipo, quem é que, em meio a Segunda Guerra Mundial, com seu país invadido por nazistas, vai se preocupar com ejaculação precoce? Resposta: Um adolescente. Um jovem tem seu primeiro emprego, de despachante, em uma estação de trem controlada por simpatizantes do Nazismo. Não são alemães, de fato, são os nacionais colaboracionistas. O "estreitamente vigiados" do título ( que, penso deveria ser, na verdade, "estritamente") é uma mentira. O trabalho é uma zona! Acontece de tudo. Os companheiros de trabalho do garoto são caras parvos, que gostam de beber, assanhados, daqueles intrometidos que gostam de dar dicas sexuais. O garoto está em sua fase de descobertas, apaixonadinho por uma menina da resistência, mas se vê em conflitos interiores, pois sofre de ejaculação precoce. Tipo, o sofrimento psíquico da guerra bate nele como ansiedade sexual. E, claro, ele sofre demais com isso, como não?! Tenta até uma medida extrema. O filme é muito bem dirigido, e a atuação do protagonista é muito simpática e delicada. Nunca ficando ridícula. Porém, o tal humor é meio sem noção em vários momentos.
  24. (324) "N`aum vou nem falar nada!!" Desprezo quando as pessoas manifestam desdém ao atribuírem aos espectadores de filmes iraniano um gosto cinematográfico pretensamente cult, ou próprio dos delicados. É pura ignorância. Só ignorância. Quando você assiste a um filme como "O Ciclista", de 1989, do grande Mohsen Makhmalbaf, de pouco mais de 80 minutos, você passa por tantas emoções, tão desconcertantes, que é impossível retirá-lo da memória. Só uma pedra Bolsonarista não se emociona com um filme assim. Um pobre imigrante afegão residindo com sua família no Irã, provavelmente fugindo da guerra contra a URSS, tem sua mulher gravemente doente. Sem dinheiro para o custeio do tratamento hospitalar (até por que em determinado momento se explica que aos afegãos se pagam menos do que a um nacional), por extrema necessidade, afasta-se da ideia inicial do suicídio, para entrar em um desafio de pedalar durante 7 dias sem parar. Uma gingana da morte. O que me remeteu, claro, a obra-prima "A Noite dos Desesperados" - akela coisa! - do Sydney Pollack. Aqui, é uma versão iraniana. Se nos primeiros dias, o pedalar em volta a uma praça não chama tanto a atenção, ao longos dos dias, o interesse local só cresce. O que desperta a inveja das autoridades da cidade que vê no ciclista um suposto espião; desperta interesse midiático; desperta interesse econômico de quem começa a lucrar com aquela presença circense e mortal; mas aparece também o genuíno interesse do povo, que passa a torcer por ele, como por um herói. O lado sentimental da história é forte, mas está anexado a temas políticos muito complexos, como a pobreza dos dois países vizinhos; a imigração afegã (uma questão atualíssima), a ditadura religiosa. Os vinte minutos finais são sublimes. Cansei de bater palma! Como não se emocionar com pessoas jogando água no rosto dele, para que o ciclista nao caia no sono, ou mesmo, tapas, ou mesmo, beijos...E, posso estar enganado, mas me pareceu o próprio diretor, Mohsen Makhmalbaf, dirigindo a grua da tevê local, perfazendo uma metonímia brilhante, numa relação lógica de substituição da tevê pelo cinema. Um filme maravilhoso!
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